Prefeitura de SP pede que teatro e ONG deixem terreno vizinho ao muro que cercava ‘fluxo’ da Cracolândia


Gestão municipal diz que área no Centro será destinada à construção de moradia popular. Desde abril de 2024, a gestão notifica os coletivos pela desocupação do terreno. Teatro de Contêiner Mungunzá
Reprodução/ Nicole D’ Fiori
A Prefeitura de São Paulo pediu que os coletivos Teatro de Contêiner Mungunzá e Tem Sentimento deixem a área que ocupam na Rua dos Gusmões, no Centro. O terreno pertence à gestão municipal e está atrelado a uma construção abandonada ligada ao muro que cercava a Cracolândia e à cena de uso da Luz, que está vazia há mais de duas semanas.
Os coletivos ficam no triângulo entre as ruas General Couto Magalhães, dos Gusmões e dos Protestantes.
Em nota enviada ao g1, a gestão Ricardo Nunes (MDB) disse que convidou os representantes do teatro para uma reunião, para discutir propostas de imóveis para os quais o grupo poderia ser transferido. De acordo com a prefeitura, os terrenos serão destinados à construção de moradia popular (veja abaixo).
O g1 questionou se toda a área, incluindo o terreno onde ficava a Cracolândia, será utilizada para o mesmo fim, mas não teve retorno até a última atualização desta reportagem.
O Teatro de Contêiner Mungunzá disse que foi notificado na quarta-feira (28) para deixar o espaço no prazo de 15 dias;
O coletivo Tem Sentimento disse que foi notificado informalmente em abril, com um prazo de 5 dias para deixar o local.
Desde agosto de 2024, a gestão procura o teatro pedindo a devolução de um trecho da área, alegando que seria utilizada para apoio dos agentes públicos da Secretaria Municipal de Saúde, que atuam na Cena Aberta de Uso da Cracolândia. O pedido foi feito um mês após o início da construção do muro. A área foi cedida, e a prefeitura instalou duas tendas no local.
Em 8 de abril deste ano, mais uma vez a gestão procurou o teatro, desta vez solicitando todo o terreno. “A Prefeitura Municipal de São Paulo necessita da área que é de sua propriedade para ampliar o apoio aos agentes públicos da Secretaria Municipal de Saúde que atuam na Cena Aberta de Uso, que fica em seu entorno, inclusive no atendimento das pessoas que frequentam o local, valendo destacar o seguinte trecho da manifestação da SEABEVS/SMS”, disse, na notificação.
“Informamos que a área denominada hoje Teatro Mungunzá será de grande importância para melhorar o atendimento às pessoas em situação de rua e em uso de substâncias, na cena de uso da Rua dos Protestantes. Tal espaço dará mais possibilidades de abordagens, melhorando a qualidade do atendimento oferecido pelos agentes de rua, bem como possibilitará oferecer condições mais dignas de trabalho às equipes”, afirmou.
Trecho da notificação da Prefeitura de SP ao teatro.
Reprodução
A prefeitura também procurou o Coletivo Tem Sentimento, que ocupa um trecho do terreno, sugerindo a realocação do projeto para um endereço na Rua Maria Borba, na Consolação.
O Tem Sentimento atende mulheres em situação de vulnerabilidade, principalmente as que estavam na Cracolândia, oferecendo oficinas de costura.
Notificação encaminhada a Carmen Lopes, presidente do coletivo Tem Sentimento.
Reprodução
Após o “sumiço” da Cracolândia, no dia 13 de maio, o g1 procurou a Prefeitura de São Paulo, em 15 de maio, para entender o que seria feito com a área, já que as pessoas que seriam atendidas não estavam mais ali. A gestão encaminhou duas respostas:
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Reprodução/TV Globo
“A Prefeitura de São Paulo informa que a Tenda da Saúde, situada na Rua dos Protestantes, foi inaugurada em setembro de 2024 para melhorar as condições de atendimento a usuários de drogas em situação de rua, especialmente aqueles frequentadores da Cena Aberta de Uso (CAU). O atendimento exige ambiente adequado para necessidades específicas, favorecendo os procedimentos clínicos e o diálogo de cuidados com o paciente pelos profissionais da saúde, muitas vezes articulado com a Assistência Social. Essa estrutura também serve como um ponto estratégico para reuniões integradas das equipes que atuam em toda a região central e para a educação continuada, assegurando que a assistência aos usuários do território não seja prejudicada. A tenda continua funcionando no local.”
“A Prefeitura de São Paulo informa que está em diálogo para viabilizar um local adequado para as atividades do Coletivo Tem Sentimento, que atualmente funciona em um espaço sem os requisitos necessários de segurança e acessibilidade.”
Já nesta quinta-feira (29), após o teatro ser notificado, a prefeitura informou que a área será destinada à construção de moradia popular.
“A Prefeitura de São Paulo informa ter convidado representantes do teatro para uma reunião nesta quarta-feira, 28, na qual apresentaria propostas de imóveis para onde o grupo poderia ser transferido. Nenhum representante do teatro compareceu. A Prefeitura informa que já havia promovido, apenas neste ano, quatro reuniões com representantes do equipamento para discutir o assunto, nos dias 05/02, 12/03, 31/03 e 01/04. A Prefeitura reitera que a área será destinada à construção de moradia popular, dentro de um programa que vem recuperando todo o tecido urbano da cidade e que reforça o atendimento de famílias cadastradas em programas sociais desta administração.”
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O que dizem os coletivos afetados
Marcos Felipe, produtor responsável pelo Teatro de Contêiner Mungunzá, foi procurado pela prefeitura para assinar a notificação de despejo – o documento foi rasgado – e, segundo ele, dava o prazo de 15 dias para o coletivo deixar o local.
O teatro está no terreno desde 2016 e foi montado em 11 contêineres.
“A gente acha meio inadmissível a desmontagem de um equipamento de tamanha envergadura para o nosso país, para a construção de mais um prédio na nossa cidade. A justificativa é de que é um prédio que servirá às pessoas em vulnerabilidade social. Mas a gente sabe que não, porque a gente tem acompanhado os últimos anos no Centro de São Paulo. Os edifícios que estão aí, nenhum deles contempla a própria população do Centro. O processo de higienização corre muito rapidamente”, afirmou Marcos Felipe ao g1.
“O que me entristece é que um espaço tão bonito na nossa cidade, tão importante, que foi disparador de política pública e deveria ser usado pelo Estado como um grande case de sucesso, está sendo desmontado para dar lugar a um prédio. O Estado deveria olhar com imenso orgulho para um equipamento que foi criado e gerido”, completa.
Verônika Verão, membro e coordenadora do Coletivo Tem Sentimento, disse que o coletivo foi notificado informalmente antes do teatro, em abril deste ano, e que agentes da prefeitura deram prazo de cinco dias para que deixassem o local.
“Deram cinco dias para a gente sair de um jeito informal, sem trazer ofício. O coletivo atende 70 meninas do território central aqui da Cracolândia, inclusive eu sou uma das meninas que saiu do fluxo e hoje ajudo a acolher aqui no Tem Sentimentos. É um coletivo com oficinas de moda e costura e agora querem tirar a gente daqui para construir moradia para gente rica”, afirma.
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Qual a localização dos coletivos
Crocri do terreno em processo da Prefeitura de SP.
Reprodução
Os coletivos ficam em um terreno que formam um triângulo entre as ruas General Couto Magalhães, dos Gusmões e dos Protestantes.
O muro, de cerca de 40 metros de extensão e 2,5 metros de altura, fica na Rua General Couto Magalhães, na região da Santa Ifigênia, perto da estação da Luz. Antes, já havia tapumes de metal no local.
Os usuários ficavam aglomerados atrás do muro, em uma área formada pela Rua dos Protestantes e a Rua dos Gusmões, que eram cercadas pela gestão municipal com gradis.
Prefeitura de SP constrói muro na Cracolândia
Arte/g1
Frequentadores da Cracolândia em triângulo cercado no Centro.
Divulgação/ Defensoria Pública de SP
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