Seca é ‘catástrofe global em câmera lenta’, alerta relatório da ONU


Documento aponta perdas severas na produção de alimentos, falta de água, apagões e colapso de ecossistemas em várias partes do mundo desde 2023. Brasil aparece com destaque por impactos extremos na Amazônia. Vista aérea mostra homem de moto no Lago Tefé, afetado pela seca do rio Solimões, durante voo de monitoramento do ICMBio em 4 de outubro de 2023.
REUTERS/Bruno Kelly
As mudanças climáticas e a pressão sobre recursos hídricos provocaram alguns dos períodos de seca mais extensos e prejudiciais já registrados desde 2023, aponta um novo relatório apoiado pela Organização das Nações Unidas (ONU), divulgado nesta quarta-feira (2).
O estudo, intitulado “Drought Hotspots Around the World”, foi elaborado pelo Centro Nacional de Mitigação da Seca dos Estados Unidos (NDMC, na sigla em inglês) em parceria com a Convenção da ONU de Combate à Desertificação (UNCCD).
O relatório apresenta um panorama dos impactos da seca até os dias atuais e destaca que regiões como o sul da África, o Mediterrâneo, o sudeste asiático e a América Latina enfrentaram no período os efeitos mais severos do fenômeno.
E esses eventos, segundo a pesquisa, não são mais exceções: estão se tornando parte de uma nova realidade global impulsionada pelo aquecimento do planeta e pela má gestão dos recursos naturais.
No Brasil, a seca extrema que atingiu a Amazônia entre 2023 e 2024 é descrita como um dos eventos mais graves do período, com impactos profundos sobre os ecossistemas e as populações ribeirinhas do bioma.
A estiagem fez os níveis dos rios caírem a recordes históricos, provocando a morte de animais, comprometendo o abastecimento de água, a navegação e o atendimento básico de saúde em áreas isoladas do norte do país.
“A seca é uma assassina silenciosa. Ela se infiltra, drena recursos e devasta vidas em câmera lenta. Suas cicatrizes são profundas”, afirma Ibrahim Thiaw, secretário-executivo da UNCCD, em um comunicado.
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Impactos devastadores em diferentes continentes
Ao todo, o relatório analisou centenas de fontes governamentais, científicas e da mídia para destacar os impactos do fenômeno nas mais diferentes regiões do globo.
Segundo o estudo, na África Oriental e Meridional, mais de 90 milhões de pessoas enfrentam fome aguda, com algumas áreas vivendo a pior seca já registrada. Já na África Austral (região que engloba países como Angola, Botsuana, Malauí, Moçambique, África do Sul), cerca de um sexto da população, ou o equivalente a 68 milhões de pessoas, precisava de ajuda alimentar em agosto de 2024.
“A seca não é mais uma ameaça distante”, acrescenta Thiaw. “Ela já está entre nós, se intensificando, e exige cooperação global urgente. Quando energia, comida e água falham ao mesmo tempo, as sociedades começam a desmoronar. Esse é o novo normal para o qual precisamos estar preparados.”
Na Somália, as autoridades locais estimam que 43 mil pessoas morreram apenas em 2022 devido à fome relacionada à seca. No início de 2025, 4,4 milhões de pessoas, um quarto da população somaliana, enfrentavam insegurança alimentar crítica.
No Mediterrâneo, a Espanha viu sua safra de azeitonas cair 50% em setembro de 2023, dobrando os preços do azeite de oliva no país.
Já no Marrocos, ainda de acordo com dados do relatório, o rebanho de ovelhas era 38% menor em 2025 comparado a 2016.
Na Turquia, a seca intensificou o uso de aquíferos subterrâneos e acelerou o esgotamento desses reservatórios, provocando o surgimento de mais de 1.600 dolinas, grandes crateras no solo que colocam em risco comunidades e estruturas urbanas.
As dificuldades enfrentadas por Espanha, Marrocos e Turquia para garantir água, alimentos e energia em meio à seca persistente oferecem um retrato do que pode ser o futuro hídrico com o aquecimento global fora de controle. Nenhum país, independentemente de sua riqueza ou capacidade, pode se dar ao luxo de ser complacente.
Destaque para o cenário brasileiro
Na Bacia Amazônica, que inclui grande parte do território brasileiro, o relatório cita os níveis recordes de baixa dos rios em 2023 e 2024 que levaram à morte em massa de peixes e mais de 200 golfinhos ameaçados de extinção.
A situação interrompeu também o fornecimento de água potável e transporte para centenas de milhares de pessoas, afetando especialmente comunidades ribeirinhas que dependem dos rios para sua sobrevivência.
No período, o Rio Amazonas, que corta o território brasileiro, caiu ao seu nível mais baixo já registrado em algumas áreas, deixando moradores isolados e cidades inteiras sem água potável.
Ainda na América Latina, além da Amazônia brasileira, o relatório chama atenção para a seca extrema que afetou o Canal do Panamá entre 2023 e 2024.
Os níveis de água caíram tanto que o número de navios autorizados a cruzar a rota foi reduzido em um terço, afetando o comércio global. Exportações de grãos e alimentos foram atrasadas, e redes de supermercados no Reino Unido relataram falta de produtos como frutas e vegetais.
“Esse não foi um período seco comum. É uma catástrofe global em câmera lenta, a pior que já testemunhei”, afirmou Mark Svoboda, diretor fundador do NDMC e coautor do relatório. “O estudo mostra a necessidade urgente de monitorar os impactos da seca sobre as vidas humanas, os meios de subsistência e os ecossistemas dos quais todos dependemos.”
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