
Terras raras: mineradora de Goiás conquista destaque mundial na mineração
Em Minaçu, na região norte de Goiás, a extração e comercialização de terras raras tem atraído os olhos do mundo para a cidade que no passado teve sua economia focada na exploração do amianto. A cidade tem um depósito de terras raras em argila iônica.
Segundo o Ministério de Minas e Energia (MME), a Serra Verde Pesquisa e Mineração (SVPM) é a única mineradora fora da Ásia a produzir em escala comercial os quatro elementos magnéticos essenciais. A mineradora produz um concentrado de terras raras com alta proporção de disprósio (Dy) e térbio (Tb), além de neodímio (Nd) e praseodímio (Pr).
“Esses quatro elementos são essenciais para a fabricação de ímãs permanentes, amplamente utilizados em veículos elétricos, turbinas eólicas e outras tecnologias limpas”, explicou Ricardo Grossi, presidente e diretor de operações da empresa.
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Em entrevista ao g1, Ricardo Grossi informou que a empresa iniciou sua produção comercial em janeiro de 2024. Atualmente, a Serra Verde emprega cerca de 400 pessoas no município de 27 mil habitantes, sendo aproximadamente 72% da força de trabalho formada por moradores da região, de acordo com o Grossi.
🔎 As terras raras entraram nesta semana no centro da disputa comercial entre o Brasil e os Estados Unidos e podem mudar a negociação sobre o tarifaço imposto por Trump.
De acordo com dados do Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS), o Brasil possui a segunda maior reserva de terras raras do mundo, ficando atrás apenas da China. O país asiático é responsável por mais de 60% da produção global e quase 90% do refino desses elementos.
“Esse dado reforça o papel estratégico do país [Brasil] no contexto da transição energética e no fornecimento de minerais críticos, alinhado aos esforços do Governo Federal para ampliar a agregação de valor e o protagonismo brasileiro na cadeia global desses insumos”, disse o MME ao g1.
📈 De acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), em maio deste ano, Goiás exportou 60 toneladas de terras raras, com valor de US$ 965 mil. Já em fevereiro, foram 419 toneladas, com valor de US$ 5,7 milhões.
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Minaçu tem depósito de terras raras em argila iônica
Arte/g1
O que são terras raras?
Terras raras são um conjunto de 17 elementos químicos encontrados em abundância na natureza. Eles ganham status de raros devido à dificuldade de separar sua forma pura dos minerais onde se acumulam.
🪨 Segundo a Agência Nacional de Mineração, os elementos são classificados da seguinte forma:
leves: lantânio, cério, praseodímio e neodímio;
médios: samário, európio e gadolínio;
pesados: térbio, disprósio, hólmio, térbio, túlio, itérbio, lutécio e ítrio.
De acordo com o professor e doutor em engenharia de materiais, André Carlos Silva, da Universidade Federal de Catalão (UFCat), a maior parte das terras raras é considerada leve.
“Um dos elementos de terras raras é utilizado para fazer lentes especiais, como é o caso das lentes de celulares. Já o neodímio, que está sendo tão procurado, é utilizado para fazer ímãs de terras raras, de alto campo magnético”, explicou.
O especialista destacou que a importância dos “superímãs” de terras raras está relacionada à transmissão energética. Segundo ele, o ímã permanente não precisa gastar eletricidade para gerar energia, já que é composto por neodímio. “Esse ímã está nos fones de ouvido de alta capacidade que nós usamos hoje, nos HDs de computadores, nas turbinas eólicas e também dentro dos motores dos carros elétricos”, completou.
O geólogo Silas Gonçalves, da Gemma Geologia, que realiza serviços de consultoria para mineradoras, disse que a capacidade de cada um dos elementos ainda não é de conhecimento geral da população. “A tendência, com o desenvolvimento de pesquisa, é que cresça cada vez mais [a compreensão] da capacidade que esses elementos têm para poder oferecer para o mercado”, pontuou.
Mineradora Serra Verde explora quatro elementos de terras raras em Minaçu.
Arte/g1
Goiás no mapa mundial da mineração
Ao g1, a Agência Nacional de Mineração destacou que a Serra Verde é uma das pioneiras na produção de terras raras no Brasil, porém não é a primeira operação do país. Antes, a Indústria Nuclear Brasileira (INB) iniciou a extração de monazitas – um mineral raro composto principalmente por fosfatos de terras raras e tório, com propriedades radioativas -, no final da década de 1940, na região de São Francisco de Itabapoana, no Rio de Janeiro.
As atividades da Serra Verde iniciaram em 2010, quando a empresa apresentou pedidos de exploração à ANM, que abrangeram 23 áreas entre os estados de Goiás e Tocantins, com o intuito de entender o “potencial geológico da área”.
Somente em 2017, a Serra Verde conquistou a licença prévia e, em 2018, iniciou a execução do projeto Pela Ema – cuja expectativa é que produza pelo menos 5 mil toneladas por ano de óxido de terras raras. Foram anos de estudo e trabalho até a empresa receber a licença ambiental de operação em 2023 e iniciar a produção comercial no ano seguinte.
“A Serra Verde abriga um dos maiores depósitos de argila iônica fora da Ásia, com vantagens competitivas e ambientais devido à natureza do depósito, com impactos ambientais relativamente baixos e situado em uma área de mineração consolidada, próxima à infraestrutura de energia renovável”, afirmou o presidente da Serra Verde.
Embora a empresa não possa divulgar detalhes sobre clientes ou valores de venda, por questões contratuais e comerciais, o presidente ressaltou que os contratos que já foram firmados atendem a clientes internacionais com capacidade de processamento desses elementos – algo que o Brasil ainda não é capaz de realizar.
Trabalhadores que atuam na extração de terras raras, em Minaçu
Divulgação/Serra Verde
Em janeiro de 2023, a Energy and Minerals Group e a Vision Blue Resources investiram US$ 150 milhões na Serra Verde, e, em outubro de 2024, foi anunciado um novo aporte de US$ 150 milhões da Denham Capital, da Energy and Minerals Group e da Vision Blue Resources.
Grossi frisou que esses investimentos viabilizaram o início das operações da Serra Verde na primeira fase. “A empresa está avaliando a fase dois do projeto, que tem potencial para dobrar a produção até 2030, sem comprometer a vida útil da mina, estimada em 25 anos”, ressaltou.
De acordo com o presidente, a Serra Verde utiliza técnicas de mineração e processamento de baixíssimo impacto ambiental, pois “trata-se de um método de lavra a céu aberto, que não exige detonações ou operações de britagem, nem o uso de produtos químicos perigosos”.
“O processo emprega reagentes benignos e tecnologias simples e amplamente utilizadas, sem geração de rejeitos úmidos. A água utilizada na planta é reutilizada, reduzindo drasticamente o consumo hídrico e o potencial de impactos ambientais […] A operação é abastecida predominantemente por energia renovável e utiliza biocombustíveis, o que nos permite produzir terras raras com uma das menores pegadas de carbono da indústria”, declarou Grossi.
Recentemente, a Serra Verde anunciou que foi selecionada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) na primeira etapa da iniciativa denominada Transformação de Minerais Estratégicos, que tem como objetivo promover o aumento de produção, pesquisa e desenvolvimento de minerais como as terras raras.
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Mineração Serra Verde é considerada a única operação fora da Ásia a produzir, em escala, os quatro elementos magnéticos essenciais de terras raras
Divulgação/Serra Verde
Minaçu: do amianto às terras raras
A partir de um projeto de implantação de um parque industrial da Sama Minerações Associadas na região da Serra da Cana Brava, na década de 1960, houve a formação de um povoado que posteriormente foi chamado de Minaçu, no extremo norte do estado. O nome tem origem tupi-guarani e significa Mina Grande.
“No ano de 1965, a mineradora Sama obteve a autorização de pesquisa e em 1967 recebeu do Departamento Nacional de Produção Mineral o decreto de lavra e, nesse mesmo ano, instalou uma usina piloto”, pontuou o texto.
O município conquistou a sua emancipação política em 1976. A indústria é a principal base da economia local.
O amianto continuou a ser o grande foco do município até a proibição do Supremo Tribunal Federal (STF). Em 2017, foram consideradas válidas cinco leis estaduais e uma municipal que restringiam ou impediam a extração e o uso do amianto crisotila.
“As decisões levaram em conta a natureza comprovadamente cancerígena do amianto e a impossibilidade de seu uso de forma efetivamente segura, além da existência de matérias-primas alternativas”, informou o STF.
O julgamento foi concluído em fevereiro de 2023, quando o Plenário confirmou a inconstitucionalidade da norma federal que autorizava a extração, a industrialização, a comercialização e a distribuição da crisotila. Mesmo assim, em 2024, a Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) estabeleceu um prazo de cinco anos para o encerramento das atividades de extração e beneficiamento do amianto na mina de Cana Brava.
A decisão teve como justificativa “permitir a transição gradual da atividade para mitigar os impactos econômicos, sociais e ambientais na região produtora, bem como estabelecer planejamento de recuperação local após o fechamento da mina”.
Em março de 2025, o STF retomou o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6200, ação que questiona a constitucionalidade da lei goiana, que autorizou a extração de amianto em Minaçu para exportação.
No entanto, os ministros não chegaram a um acordo. Em junho, o ministro Nunes Marques pediu a prorrogação do prazo de vista – período que concede mais tempo para analisar o caso antes de votar. Novamente a decisão foi adiada.
Sama, indústria de amianto, em Minaçu
Divulgação/Câmara Municiapal de Minaçu
Extração de amianto, em Goiás
Divulgação/SAMA Minerações LTDA.
Investimento na cidade
As terras raras emergiram com uma nova possibilidade econômica em Minaçu. Ao g1, o prefeito Carlos Leréia (PSDB) disse que “com o banimento do amianto no Brasil, que já não se usa mais, apenas para vender para fora, está surgindo aqui na nossa cidade com investimento de aproximadamente R$ 3 bilhões, a Serra Verde”.
Leréia ressaltou que o investimento trouxe benefícios para a cidade, pois Minaçu tem melhorado e expandido. Ele pontuou que a empresa ainda produz pouco, mas as expectativas para os próximos anos são otimistas.
“No auge da produção, que se espera que ocorrerá entre 2027 e 2028, a cidade vai ter muitos recursos, tanto o município, o estado, quanto o país. Nós acreditamos e colocamos fé no projeto Serra Verde em Minaçu”, disse.
O prefeito mencionou ainda que tenta incentivar que a separação do mineral seja realizada em Goiás. O maior impasse para que isso ocorra é que o Brasil ainda não tem a tecnologia necessária para fazer essa separação.
Vista área da Mineração Serra Verde, em Minaçu
Divulgação/Serra Verde
Perspectiva para o futuro
As terras raras fazem parte do presente da tecnologia mundial e são um dos principais investimentos para o futuro da mineração. De acordo com o professor André Carlos Silva, um ponto importante para impulsionar essa realidade no Brasil diz respeito ao investimento e desenvolvimento de tecnologias próprias.
“Temos várias universidades trabalhando em áreas diferentes, mas falta apoio real, tanto da iniciativa privada quanto governamental. As empresas não querem desenvolver tecnologia, elas querem comprar tecnologia”, ressaltou.
O especialista defendeu que o país adotou “uma política de desindustrialização”. Um dos caminhos pontuados por André é o entendimento da mineração e o esforço para torná-la o mais sustentável possível. Para isso, a política mineral precisa avançar.
“Em alguns casos pode demorar 10 anos para sair da fase de pesquisa mineral até chegar de fato a uma mina produtiva. Precisamos repensar e reestruturar toda a parte de desenvolvimento tecnológico e da cadeia produtiva mineral do país”, pontuou o engenheiro.
Mineração Serra Verde, em Minaçu
Divulgação/Serra Verde
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