Ivan Lins vai das canções sertanejas aos sambas, sob o prisma do amor e da esperança, na festa-show dos 80 anos


Ivan Lins na estreia nacional do show ‘Ivan Lins 80 anos’ na casa Vivo Rio, no Rio de Janeiro (RJ), na noite de sábado, 26 de julho
Ricardo Nunes / Divulgação Vivo Rio
♫ OPINIÃO SOBRE SHOW
Título: Ivan Lins 80 anos
Artista: Ivan Lins
Data e local: 26 de julho de 2025 na casa Vivo Rio (Rio de Janeiro, RJ)
Cotação: ★ ★ ★ ★
♬ Para seguidores da MPB, foi festa ver e ouvir Ivan Lins lembrar e cantar no palco da casa Vivo Rio – na estreia nacional do show comemorativo dos 80 anos do artista – a história da obra que o compositor começou a erguer há quase seis décadas.
A cada vez que soltou o peso dos dedos nos teclados posicionados ao centro do palco, o artista carioca apresentou música criada com harmonia requintada, melodia de contorno original e versos que expressam amor pelo Brasil (muitas vezes usando a metáfora para levantar a voz contra os horrores da ditadura) e pelo ser amado.
Foi sob o prisma desse amor de conceito mais amplo, geral e irrestrito que Claudio Lins, filho de Ivan, orquestrou a direção do show que chegou à cena na noite de sábado, 26 de julho, no Rio de Janeiro (RJ), cidade natal do compositor de Meu piano (1983), música alocada logo no início do show para sublinhar que ali estava, sobretudo, um músico respeitado em escala mundial, por vezes mais valorizado no exterior do que no Brasil, mas indiscutivelmente um dos gigantes da MPB.
Seja como for, o amor de Ivan Lins também é o país em que nasceu e cresceu aos olhos do público ao longo da década de 1970. Revelado na plataforma de festival da canção em 1970, ano em que o samba Madalena (obra-prima da parceria inicial com o letrista também já octogenário Ronaldo Monteiro de Souza, saudado no show) ganhou o Brasil na voz e no soul de Elis Regina (1945 – 1982), o cantor e compositor seguiu passos irregulares nos primeiros anos após o sucesso nacional.
O ponto de virada foi em 1974 quando Ivan iniciou parceria fundamental com o compositor paulista Vitor Martins, letrista de 21 das 32 músicas encadeadas no roteiro em medleys temáticos (clique aqui para ver o roteiro na íntegra com a relação das 32 músicas e os respectivos compositores).
Vestido de branco, atrás do piano e à frente e ao centro da banda que agregava sete músicos ornados com calça preta e paletó branco, Ivan Lins passou em revista um cancioneiro magistral em roteiro que somente saiu do trilho autoral quando o cantor entremeou o já mencionado samba Madalena com o canto do Samba da benção (Baden Powell e Vinicius de Moraes, 1966) em número dividido com Leila Pinheiro, uma das convidadas do artista.
Antes, Leila recordara com o anfitrião Lembra de mim (1995), canção nostálgica sempre reavivada na memória dos noveleiros por ter sido o tema de História de amor (1995 / 1996), sucesso da TV Globo há 30 anos no horário das 18h.
Um dos principais atores dessa novela era Claudio Lins, que, além de ter dirigido o show, dividiu com o pai o medley engajado que linkou Aos nossos filhos (1978) e Cartomante (1977), músicas ativistas que soaram incrivelmente atuais diante do conturbado momento político do mundo em 2025.
Fafá de Belém (à esquerda), Leila Pinheiro, Ivan Lins, Claudio Lins e Tatiana Parra no bis do show ‘Ivan Lins 80 anos’
Mauro Ferreira / g1
Novidade do roteiro, a canção Meninos de Gaza – parceria de Ivan com a compositora Simone Guimarães – sublinhou tal impressão e explicitou que há muita coisa fora da ordem mundial, adensando o show em tom fúnebre, como réquiem para crianças mortas na guerra entre Israel e a Palestina.
Àquela altura, o show já estava quente e tinha ganhado musculatura após um início quase mecânico. O primeiro ponto culminante de emoção veio com a emoção do tributo a Preta Gil (1974 – 2025), saudada com o canto de Vitoriosa (1985), música de 40 anos atrás que pareceu perfilar Preta e a “alegria escandalosa” da filha de Gilberto Gil, morta em 20 de julho, aos 51 anos.
Vitoriosa destacou o canto de Tatiana Parra, vocalista da banda que já ganhara status de solista convidada ao dar voz a Guarde nos olhos (1978), uma das canções do bloco em Ivan encadeou músicas de inspiração ruralista, as “sertanejas”, como o compositor destacou essas canções feitas com letras de Vitor Martins, paulista da interiorana Ituverava (SP).
No roteiro, Ivan Lins também pôs na rua o bloco dos sambas, surpreendendo pelas escolhas de dois sambas menos óbvios que lançou nos anos 2000, Porta entreaberta (2004) e Emoldurada (2001), parcerias com Paulo César Pinheiro e Celso Viáfora, respectivamente, emendadas no roteiro com Sou eu (2009), samba de Ivan com Chico apresentado na voz de Diogo Nogueira.
Entre sambas, sertanejas, a aliciante folia de reis Bandeira do Divino (1978) e a “salsa brasileira meio Rio meio Havana” Ai, ai, ai, ai, ai (1991), Ivan Lins desfiou o rosário de canções de amor, por vezes rimado com dor nos versos sempre emotivos (mas nunca sentimentais) do letrista Vitor Martins. Iluminados (1987), Começar de novo (1979), Vieste (1987), Saindo de mim (1979) – esta com toque jazzy – e Bilhete (1980) são canções que alicerçaram a obra de Ivan Lins na memória nacional de país de povo emotivo.
Bilhete foi relido com a voz passional de Fafá de Belém, cantora que se apropriou da canção ao regravá-la no álbum Essencial (1982). Nos habituais tons expansivos, Fafá também iluminou Lua soberana (1992) em momento em que o roteiro deu drible no óbvio em número que destacou a força da percussão de André Siqueira, integrante da banda também formada por Fernando Monteiro (guitarra), Filipe Moura (trompete), Marcelo Martins (saxofone), Marco Brito (teclados), Nema Antunes (baixo) e Téo Lima (bateria).
Sinalizando esperança de tempos melhores para o Brasil e o mundo, Ivan Lins arrematou o show com Antes que seja tarde (1979) e, no bis, convocou todos os convidados para o canto de Novo tempo (1980).
O bis reforçou o que já ficara evidente ao longo da apresentação: quando Ivan estava em cena à frente do piano dele (“…meu saco de pancada, amor e camarada…”, como rimou na canção de 1983 sintomaticamente feita sem parceiros), foi festa, foi festa, foi festa para os devotos dos gigantes da MPB, e o já octogenário Ivan Lins é um desses gigantes que atravessam as barreiras do tempo rumo à imortalidade da obra.
Ivan Lins canta e toca teclados no show orquestrado sob direção do filho do artista, Claudio Lins
Ricardo Nunes / Divulgação Vivo Rio
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