Por que relação entre Putin e Trump azedou e eles podem estar perto de uma ‘colisão frontal’?


Vladimir Putin e Donald Trump
REUTERS
Será que a relação entre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, saiu dos trilhos?
Um popular jornal russo acha que sim. E a comparação com trens serve para ilustrar o estado atual dos vínculos entre os dois países.
“Uma colisão frontal parece inevitável”, declarou recentemente o tabloide Moskovsky Komsomolets.
“A locomotiva de Trump e a de Putin estão acelerando, uma em direção à outra. E nenhuma delas dá mostras de que vai desviar ou parar e retornar.”
A “locomotiva de Putin” anda a todo vapor com a chamada “Operação Militar Especial” — a guerra da Rússia na Ucrânia.
O líder do Kremlin não mostra nenhum desejo de pôr fim às hostilidades e declarar um cessar-fogo permanente.
Por outro lado, a “locomotiva de Trump” vem acelerando seus esforços para pressionar Moscou a encerrar o conflito.
Trump anunciou prazos, ultimatos, ameaças de novas sanções contra a Rússia e pesadas tarifas de importação sobre os parceiros comerciais de Moscou, como a Índia e a China.
Some-se ainda às tensões os dois submarinos nucleares americanos que Trump afirma ter reposicionado mais perto da Rússia — e, quando mudamos o assunto de locomotivas para submarinos nucleares, é porque tudo está ficando mais sério.
Além disso, na quarta-feira (06/08) Trump assinou uma ordem executiva impondo uma tarifa adicional de 25% sobre a Índia porque o país compra petróleo da Rússia.
Mas tudo isso significa que a Casa Branca está realmente em “curso de colisão” com o Kremlin no assunto Ucrânia?
Ou a visita a Moscou do enviado especial de Donald Trump, Steve Witkoff, nesta semana seria um sinal de que ainda é possível chegar a um acordo entre a Rússia e os Estados Unidos para pôr fim aos combates?
Cordialidade no retorno de Trump à Casa Branca
Nas primeiras semanas do segundo mandato de Trump, Moscou e Washington pareciam bem alinhados para reiniciar suas relações bilaterais.
Não havia nenhum sinal de uma possível colisão frontal, muito pelo contrário. Às vezes, parecia que Vladimir Putin e Donald Trump estavam no mesmo vagão, seguindo para o mesmo destino.
Em fevereiro, os Estados Unidos apoiaram a Rússia nas Nações Unidas (ONU) e se opuseram a uma resolução proposta pela Europa, condenando a ofensiva russa na Ucrânia.
Em uma ligação telefônica naquele mesmo mês, os dois presidentes falaram em visitas mútuas. A impressão era de que uma reunião entre Putin e Trump poderia ocorrer a qualquer momento.
Paralelamente, o governo Trump exercia pressão sobre a Ucrânia, não sobre a Rússia, enquanto brigava com tradicionais aliados americanos, como o Canadá e a Dinamarca.
Em discursos e entrevistas na TV, autoridades americanas criticavam intensamente a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e os líderes europeus.
Tudo isso era música para os ouvidos do Kremlin.
“A América tem, agora, mais em comum com a Rússia do que Washington com Bruxelas ou Kiev”, declarou o cientista político Konstantin Blokhin, do Centro de Estudos de Segurança da Academia Russa de Ciências, ao jornal russo Izvestia em março.
No mês seguinte, o mesmo jornal bradava que “os trumpistas são revolucionários” e “demolidores do sistema”.
“Só podemos apoiá-los. A unidade do Ocidente não existe mais. Geopoliticamente, não é mais uma aliança.”
“O trumpismo destruiu o consenso transatlântico, com confiança e rapidez”, declarou o jornal.
Enquanto isso, o enviado especial de Donald Trump, Steve Witkoff, passou a ser um visitante regular na Rússia. Ele veio para cá quatro vezes em pouco mais de dois meses e passou horas conversando com Vladimir Putin.
Ao final de um desses encontros, o líder do Kremlin o presenteou com um retrato de Donald Trump, para que fosse levado para a Casa Branca. O presidente americano teria ficado “claramente tocado” pelo gesto.
Mas Trump queria mais de Moscou do que apenas uma pintura sua. Ele queria que Putin assinasse um cessar-fogo abrangente e incondicional na Ucrânia.
A frustração de Trump, cada vez maior
Certo de que a Rússia domina no momento a iniciativa no campo de batalha, Vladimir Putin vem relutando a suspender os combates, mesmo reafirmando o compromisso da Rússia com uma solução diplomática.
É por isso que Donald Trump está cada vez mais frustrado com o Kremlin.
Nas últimas semanas, ele condenou os incessantes ataques da Rússia a cidades ucranianas, que chamou de “revoltantes” e “deploráveis”. E acusou o presidente Putin de falar “muitas bobagens” sobre a Ucrânia.
Em julho, Trump anunciou um ultimato de 50 dias para que Putin pusesse fim à guerra, ameaçando Moscou com sanções e tarifas.
Posteriormente, ele reduziu o prazo para 10 dias, que expira nesta sexta-feira (08/08).
Há baixas expectativas de que haja um acordo nesta sexta. Até o momento, não há sinais de que Vladimir Putin irá ceder às pressões de Washington.
Até que ponto Putin realmente se sente pressionado?
“Como Donald Trump alterou tantos prazos e retrocedeu, de uma forma ou de outra, não acho que Putin o leve a sério”, afirma a professora de Assuntos Internacionais Nina Khrushcheva, da Nova Escola, uma universidade de Nova York, nos Estados Unidos.
Para ela, “Putin irá lutar pelo tempo que puder, a menos que a Ucrânia diga ‘estamos cansados e dispostos a aceitar suas condições’.”
“Acho que Putin se senta no Kremlin achando que está realizando os sonhos dos czares russos e de secretários-gerais [soviéticos], como Joseph Stalin [1878-1953], mostrando ao Ocidente que a Rússia não deve ser tratada com desrespeito”, conclui a professora.
Um acordo ainda é possível?
Pelo quadro que pintei até aqui, pode parecer que a colisão frontal entre as locomotivas de Putin e Trump é inevitável. Mas não necessariamente.
Donald Trump se considera um grande negociador. E, aparentemente, ele não desistiu de tentar firmar um acordo com Vladimir Putin.
Steve Witkoff conversou com Putin em Moscou na quarta-feira (06/08).
No dia seguinte, o Kremlin informou que Trump e Putin concordaram em se reunir nos “próximos dias”. Putin acrescentou que os Emirados Árabes Unidos poderiam sediar seu encontro com Trump, possivelmente já na próxima semana.
Entretanto, um funcionário da Casa Branca disse que nenhuma data ou local foram definidos, de acordo com a CBS (parceira da BBC nos EUA).
E na quarta, Trump havia afirmado que havia uma “boa chance” de se encontrar “muito em breve” com Putin e com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, para discutir o fim da guerra na Ucrânia.
Zelensky manifestou apoio à ideia, enquanto Putin afirmou que não era contra um encontro com o líder ucraniano, mas que isso estava “muito longe” de acontecer.
No mês passado, Trump admitiu à BBC que, após as quatro visitas anteriores de Witkoff, Putin o decepcionou — depois de conversas que inicialmente geraram otimismo.
O presidente dos EUA agora adota um tom mais cauteloso, dizendo a repórteres na quarta-feira: “Não chamo isso de um avanço… estamos trabalhando nisso há muito tempo. Há milhares de jovens morrendo… Estou aqui para acabar logo com isso.”
Naquele dia, o Kremlin divulgou uma declaração vaga sobre a visita de Witkoff, chamando as discussões de “construtivas” e observando que ambos os lados trocaram “sinais”.
Zelensky, por sua vez, disse ter conversado com Trump sobre a visita de Witkoff, e que líderes europeus participaram da ligação.
O presidente ucraniano vem alertando que a Rússia só adotaria uma conduta séria em direção à paz se começar a ficar sem dinheiro.
Antes de assumir a Casa Branca para um novo mandato, Trump afirmou que seria capaz de encerrar a guerra entre a Rússia e a Ucrânia em um dia. O conflito se alastrou e sua retórica em relação a Moscou endureceu desde então.
Três rodadas de negociações diretas entre a Ucrânia e a Rússia em Istambul não conseguiram abreviar a guerra — três anos e meio após Moscou ter lançado a invasão total.
As exigências militares e políticas de Moscou para a paz são vistos por Kiev e aliados como uma capitulação de fato da Ucrânia.
Vladimir Putin ainda não abandonou suas exigências maximalistas sobre o território, a neutralidade de Kiev e o tamanho futuro do exército ucraniano.
Donald Trump quer um acordo. Vladimir Putin quer a vitória.
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