
Investigações apuram homicídios e desvio de armas na Bahia
O delegado Adailton Adam, responsável por traçar a linha que conectou o desaparecimento de dois homens com a ação de policiais militares e civis suspeitos de integrar um esquema de desvio de armas apreendidas, na Bahia, contou, em depoimento, que recebeu pedido para que encerrasse as investigações.
Conforme denúncia do Ministério Público da Bahia (MP-BA) e Corregedoria da Polícia Civil, a qual o g1 teve acesso, Adailton Adam contou que o pedido foi feito pelo cabo da Polícia Militar (PM), Tibério do Vale Alencar, e pelo delegado da Polícia Civil, Nilton Tormes, então coordenador do Departamento de Polícia Metropolitana (Depom).
O caso aconteceu no dia 11 de julho de 2024 e terminou com a execução de duas pessoas. Na conversa, o cabo da PM chegou a pedir que os colegas respondessem pelo ocorrido individualmente e sugeriu que mataria os outros militares envolvidos.
“Ele insistiu em dizer: ‘doutor, você vai pedir pela preventiva?’. Eu disse: ‘vou pedir’. [Ele disse]: ‘Não faça isso. Deixe os caras responderem soltos, porque eu mesmo vou derrubar'”, relatou o responsável pela delegacia antissequestros.
O soldado Nery, capitão Dórea e o ex-PM Adisson foram presos durante uma operação em agosto de 2024. Com eles foram apreendidas drogas, dinheiro e armas, inclusive a arma que Nery tirou do esconderijo.
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Soldado da PM Nilton Nery é investigado por participar da ação em julho de 2024 e usou o cartão de crédito do desaparecido para comprar lanche.
Reprodução/TV Bahia
No dia em que foi preso, o capitão Dórea escreveu uma carta onde relatava que os policiais da Core pegaram ao menos 10 pistolas do esconderijo enterrado na mata. Entretanto, este documento desapareceu.
Toda a ação ainda é investigada pela Corregedoria da Polícia Civil e Ministério Público da Bahia (MP-BA). Ainda não se sabe a quantidade de armas retiradas do esconderijo que pertencia a uma facção criminosa.
Os policiais da Core chegaram a receber uma gratificação pelo armamento apresento, mesmo com as investigações em curso.
Relação entre mortes e esquema de desvios
Compra em cartão conectou desaparecimento a desvio de armas envolvendo policiais na Bahia
Uma compra de R$ 12 com o cartão bancário de um homem desaparecido foi o gancho para a descoberta do esquema, em 2024.
A ação policial envolveu agentes do Departamento de Polícia Metropolitana (Depom) e Coordenação de Recursos Especiais (Core). Inicialmente, ela foi apresentada como uma das maiores apreensões de armas até aquela altura de 2024, quando teriam sido apreendidas em um matagal de Lauro de Freitas:
uma submetralhadora,
seis fuzis,
e mais mil munições.
Investigação detalha atuação de policiais civis e militares da Bahia em esquema de desvio de armas
Foto: Divulgação/Depom
Segundo a investigação realizada pelo MP e corregedoria da PC, os agentes de segurança teriam capturado dois homens e os utilizado para encontrar um esconderijo de armas de uma facção criminosa. Os policiais investigados por participar na ação são:
Roque de Jesus Dórea, capitão do Departamento Pessoal da Polícia Militar, conhecido como capitão Dórea (denunciado pelo MP-BA)
Jorge Adisson Santos da Cruz, ex-policial militar, demitido por envolvimento em crime de extorsão e morte, em 2015 (denunciado pelo MP-BA)
Ernesto Nilton Nery Souza, soldado da Polícia Militar (denunciado pelo MP-BA)
Tibério do Vale Alencar, cabo da Polícia Militar (PM)
Nilton Tormes, então coordenador do Depom
Douglas Piton, então coordenador do Core
Foram levados com o grupo de policiais Joseval Santos Souza – conhecido como “maquinista” e que respondia por tráfico de drogas – e Jeferson Sacramento Santos, enteado dele. De acordo com a investigação, Joseval foi o informante do capitão Dórea e responsável por guiar os agentes de segurança até o esconderijo, enquanto Jeferson permaneceu no carro dele durante a ação.
Vítimas são Joseval Santos Souza (à esquerda) e Jeferson Sacramento Santos (à direita)
Reprodução/TV Bahia
A dupla trabalhava em uma obra na cidade de Lauro de Freitas e havia saído de casa por volta das 7h para trabalhar. Após Jeferson não retornar no horário esperado, a esposa dele tentou ligar para ele diversas vezes. Às 22h do dia 11 de julho de 2024, ela recebeu uma mensagem dele afirmando que teria uma reunião “com os meninos”.
Na madrugada do dia 12 de julho, ela recebeu uma nova mensagem feita pelo número de Jeferson, em que foi comunicado o sequestro do homem. Os sequestradores se identificaram como policiais e exigiram R$ 30 mil, via PX, para libertar Jeferson e Joseval.
Preocupada, a esposa de Jeferson registrou uma queixa na Delegacia Especial Antissequestro e, a partir daí, o caso começou a ser investigado pelo delegado Adailton Adam. Foi ele que conseguiu conectar a ação dos policiais com o desaparecimento dos dois homens.
Compra de R$ 12 revelou participação de soldado da PM
Segundo o delegado Adam, o soldado Nilton Nery contou em depoimento que ouviu na mata, onde o esconderijo foi encontrado, perguntarem ao delegado Nilton Tormes o que fazer com o informante. O policial civil teria respondido com “dê o destino”, indicando a execução de Joseval.
Após a tentativa de extorsão à família de Jeferson, o cartão de crédito da vítima foi utilizado para comprar um lanche no valor de R$ 12 em uma banca de caldo de cana, na cidade de Lauro de Freitas.
Essa foi uma das pistas principais da investigação, uma vez que quem utilizou o cartão foi o soldado Nery, um dos denunciados pelo MP-BA. Após isso, o militar chegou a abordar o delegado Adailton Adam e confessou a execução, assim como a utilização do cartão da vítima.
Ainda conforme o responsável pela Delegacia Antissequestro, o militar admitiu ter ficado com uma das armas do esconderijo, sem ter registrado.
Corpo de desaparecidos foi encontrado com sinais de tortura
Ainda conforme denúncia formulada pelo MP-BA e Corregedoria da Polícia Civil, a família de Jeferson ficou desesperada após a ameaça de extorsão e se reuniu para procurar por ele e Joseval em hospitais da região.
No dia 13 de julho, o corpo de Jeferson foi identificado no Instituto Médico Legal (IML) Nina Rodrigues. Ele foi encontrado morto por volta das 3h, na Avenida 2 de Julho, região do bairro de Águas Claras, em Salvador.
Posteriormente, também no IML, estava o corpo de Joseval, ainda sem identificação. O irmão da vítima foi acionado e o reconheceu, no dia 14 de julho.
As investigações apontam que os dois foram encontrados com sinais de tortura, bem como várias marcas de disparos de arma de fogo. Joseval estava algemado e sem camisa, descrição que também coincide com depoimento de policiais que participaram da ação do dia 11 de julho.
Investigações apontam que policiais mantiveram armas encontradas em esconderijo de facção
As investigações apontaram que os policiais que participaram da ação retiveram parte das armas encontradas no esconderijo, encontrado em uma área de mata de Lauro de Freitas.
Mais de 20 fuzis teriam sido encontrados durante a ação, assim como pistolas, o que difere do divulgado à imprensa pelas organizações.
Mesmo diante do que seria a maior apreensão de armas de 2024, nenhum levantamento, relatório ou contagem foi feita. As armas foram levadas para a sede da Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), por ordem do diretor do Departamento de Polícia Metropolitana (Depom), Artur Gallas.
O inquérito aponta que as armas só passaram por perícia após serem manipuladas diversas vezes. O capitão Dórea, um dos denunciados pelo MP-BA, chegou a afirmar que ao menos 10 pistolas foram pegas por agentes da Core.
O soldado Nery, capitão Dórea e o ex-PM Adisson foram presos durante uma operação em agosto de 2024. Com eles foram apreendidas drogas, dinheiro e armas, inclusive uma arma que Nery tirou do esconderijo.
Toda a ação ainda é investigada pela Corregedoria da Polícia Civil e MPBA. Ainda não se sabe a quantidade de armas retiradas do esconderijo que pertencia a uma facção criminosa. Os policiais da Core chegaram a receber uma gratificação pelo armamento apresento, mesmo com as investigações em curso.
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Policiais são investigados por suspeita de homicídios e desvio de armas