
Vereador evangélico abandona plenário após se recusar a ler projeto de lei LGBTQIA+
Eduardo Pereira (PSD), o vereador evangélico que se recusou a ler a apresentação de um projeto de lei voltado ao público LGBTQIA+ durante uma sessão na Câmara de Bertioga (SP), foi condenado pela Justiça. Ele deve cumprir uma pena de 2 anos e 3 meses de reclusão, em regime aberto, por homofobia. Segundo a sentença, obtida pelo g1, ele também deverá pagar R$ 25 mil como indenização por danos morais.
O caso aconteceu durante a sessão de 21 de maio de 2024, após o presidente da Câmara indicar que o vereador fizesse a leitura do projeto de autoria da vereadora Renata da Silva Barreiro (PSDB). O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) apresentou a denúncia de homofobia contra Eduardo à Justiça, que acatou o pedido.
Procurado, o vereador disse que teve conhecimento da sentença proferida em 1ª instância e que, embora respeite a decisão do Poder Judiciário, apresentará recurso (leia o posicionamento completo abaixo). O g1 entrou em contato a Câmara Municipal de Bertioga, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.
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Confira o momento em que o parlamentar se negou a fazer a leitura da proposta:
“Ah, não Renata, vou sair fora”.
“Tá louco? Não faz isso comigo. […] dar um projeto LGBT para mim?”
“Não, toma, pega aí”, disse ao entregar o documento e se retirar.
Condenação
Na decisão judicial, a juíza Jade Marguti Cidade afirmou que foram produzidas provas suficientes a demonstrar que o réu praticou a conduta a ele imputada, induzindo a discriminação e preconceito contra a comunidade LGBTQIAPN+ em razão da orientação sexual do aludido grupo.
“Não são necessárias maiores dilações sobre a prática ou não do ato pelo réu, posto que integralmente gravado e constante do vídeo acostado aos autos, cujo áudio é claro”, defendeu a magistrada.
Segundo a juíza, as testemunhas afirmaram não ser comum o réu recusar-se a ler projetos no exercício de suas funções. “Ante todo o exposto, a prova é certa, segura e não deixa dúvidas de que o acusado praticou o delito descrito na denúncia, devendo responder penalmente pelo praticado”.
Ao julgar procedente a ação, a juíza afirmou que o valor da indenização será destinado a fundos ou a ações específicas voltadas ao enfrentamento à discriminação, ou a promoção à igualdade.
O que diz o vereador?
Eduardo afirmou que, conforme o artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal de 1988, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Diante do princípio da presunção de inocência, a defesa dele está elaborando apelação cabível.
Ele disse que as ações foram pautadas na liberdade de expressão e defesa dos princípios, sem intenção de ofensa ou discriminação. “Me manifestarei sobre o mérito da questão exclusivamente nos autos do processo e nas instâncias recursais”.
O vereador disse, ainda, que reafirma o compromisso com o exercício do mandato em defesa dos direitos e interesses de toda população de Bertioga, sem distinção. “Confio na Justiça e acredito que ao final do processo legal prevalecerá a minha inocência”.
Denunciado por homofobia
Vereador evangélico abandonou plenário após se recusar a ler projeto de lei LGBTQIA+ no litoral de SP
Reprodução
Para a promotora Joicy Fernandes Romano, responsável por oferecer a denúncia contra Eduardo Pereira, o vereador “incitou a discriminação e estimulou a hostilidade” contra a população LGBTQIA+ quando manifestou publicamente a aversão ao grupo, chamando de louco o interlocutor pelo pedido de leitura do projeto.
“Praticando discriminação penalmente típica diante da externalização de ideias de inferiorização, aversão, segregação e intolerância, razão pela qual a conduta encontra subsunção no crime de racismo”, afirmou a promotora.
Segundo Joicy, o denunciado exteriorizou a redução de direitos fundamentais do grupo discriminado, indicando com a própria conduta a suposta superioridade heterossexual em relação aos demais.
Diante disso, o MP-SP denunciou, em 21 de junho de 2024, o vereador no artigo 20 e artigo 20-B, ambos da Lei n° 7.716/1989. Veja detalhes abaixo:
⚖️ Art. 20: Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de um a três anos e multa.
⚖️ Art. 20-B: Os crimes previstos nos arts. 2º-A e 20 desta Lei terão as penas aumentadas de 1/3 (um terço) até a metade, quando praticados por funcionário público no exercício de suas funções, conforme previsto no Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 do Código Penal.
Em 26 de junho de 2024, o juiz Daniel Leite Seiffert Simões, do Tribunal de Justiça do Estado (TJ-SP), aceitou a denúncia do MP-SP. O magistrado determinou que o réu fosse citado para responder à acusação, por escrito, no período de dez dias, oportunidade em que ele poderia apresentar a própria defesa, além de oferecer documentos, justificações e relacionar testemunhas.
Vereador evangélico abandonou plenário após se recusar a ler projeto de lei LGBTQIA+ em Bertioga (SP)
Reprodução
Relembre o caso
O projeto de lei 035/2023 previa a criação do programa ‘Respeito tem Nome’ para garantir o atendimento digno e facilitado a pessoas trans e travestis na obtenção de documentos necessários para a alteração do prenome [primeiro nome] e gênero em registros.
Após a aprovação do projeto em 1ª discussão, a vereadora Renata pediu para se manifestar sobre o ocorrido e afirmou que o projeto se resume ao respeito.
“Não estou falando de homem, de mulher, de via**, do que quer que seja. Estou falando de respeito, falo de cidadania, de ser humano e de humanização. A minha religião é Deus e ela me permite que eu aceite qualquer tipo de pessoa”, disse ela.
Procurado pelo g1, à época, o vereador afirmou que, como cristão, percebeu que o projeto foi passado para que ele fizesse a leitura por este motivo. “Não hostilizei ninguém, nem fiz críticas ou alguma consideração”.
Segundo Eduardo, a polêmica sobre o assunto ocorreu ‘sem necessidade’. Ele negou ter tirado sarro ou dado risada da situação, mas ressaltou: “Assim como respeito a todos, também mereço respeito na minha posição de não ter feito a leitura. Deus ama a todos e eu também”.
Quem é Eduardo Pereira?
Vereador Eduardo Pereira (PSD)
Reprodução/Redes Sociais
Eduardo é evangélico, engenheiro civil e bacharel em direito. O vereador iniciou a carreira política na campanha plebiscitária da emancipação de Bertioga.
Ele foi assessor parlamentar da Câmara Municipal da cidade, onde atuou por 10 anos. Em 2004, foi eleito para seu primeiro mandato com 1278 votos. Em 2008, foi eleito vice-prefeito de Bertioga com 12.226 votos. De 2009 a 2010 assumiu a Secretaria Municipal de Obras e Serviços Urbanos.
Desde então, foi assessor técnico na Secretaria de Estado do Emprego e Relações do Trabalho. Ele assumiu a Diretoria Regional do Trabalho e Renda da Baixada Santista, mas se afastou para concorrer às eleições de 2016, quando foi eleito para o segundo mandato parlamentar com 1.049 votos.
Em 2020 foi reeleito para o terceiro mandato parlamentar com 1.223 votos. Nas últimas eleições municipais em 2024, Eduardo foi reeleito com 1.673 votos.
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