
Segundo os pais, o professor de Cachoeiro de Itapemirim puniu alunos de 10 anos que esqueceram o dever de casa com o que teria chamado de “treino suicídio”. Ele foi demitido. Professor é demitido após atividade física punitiva
“Aplicar punições com castigos físicos em alunos nas escolas como consequência de alguma desobediência é uma prática que não é mais aceita no meio educacional no século XIX”, explicou a Especialista em Educação e Consultora Educacional Juliana Santos sobre o professor de Educação Física que passou um exercício exaustivo para crianças de 9 a 10 anos que não fizeram o dever de casa em uma escola de Cachoeiro de Itapemirim, no Sul do Espírito Santo no dia 22 de abril.
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O professor foi demitido e durante a explicação para os alunos ele chegou a se referir à atividade como “treino suicídio”. Ao tentarem realizar o pedido do docente, estudantes passaram mal, vomitaram e tiveram crise de ansiedade.
O g1 entrou em contato com o docente por telefone e não teve nenhum retorno até a publicação desta reportagem. Os nomes dele e da escola não foram divulgados para preservar a identidade dos alunos, que são menores de idade, conforme prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente.
“Ele fez uma punição com castigo físico, escola não faz isso mais, ele voltou à época da palmatória, do joelho no milho. Isso não existe mais”, avaliou a especialista em Educação.
Segundo Juliana Santos, consequências para desobediências fazem parte do processo educacional, contudo existem limites éticos e humanos e dentro do espectro pedagógico.
Ela considerou que ações como a do professor afastam os alunos do ambiente escolar, que não pode ser vista como um local de punição.
“Você tem consequências para atos porque o processo de educação passa pelo entendimento da responsabilidade, prazos, importância das atividades. A punição aí gera o afastamento, o medo, a resistência à escola, não acrescenta aspectos positivos. Tudo pode ter consequências. Isso é educação”, destacou.
A Secretaria Municipal de Cachoeiro de Itapemirim acompanha o caso e disse que vai realizar reuniões com os pais dos alunos para ver a necessidade de acompanhamento psicológico para os estudantes.
Sala de aula vazia
Tayná Schultz/Divulgação
Punir não é educar
Os filhos relataram para as mães ouvidas pelo g1 que o professor teria pedido para os alunos pesquisarem a diferença entre lazer e esporte e entre atividade física e exercício físico. Mas como as crianças não tinham feito a pesquisa, o professor pediu para que eles corressem dez vezes ao redor da quadra.
A consultora educacional pontuou que é essencial utilizar estratégias para que as crianças entendam o conceito de responsabilidade e com isso levem a séria a importância das atividades.
Mas existem outras formas de abordar esse aspecto sem ser a partir de atividades punitivas como a aplicada pelo professor.
“Você tem consequências para atos, por exemplo, o aluno que agrediu fisicamente um colega vai ser suspenso. Não fez a tarefa de casa, vai tomar uma anotação na agenda, vai ser comunicado aos pais para os pais se envolverem nesse processo de construção dos filhos. Nesse caso de Cachoeiro, poderia até fazer os alunos perderem a aula e ninguém ir para a quadra. Mas a gente precisa tirar o castigo físico e dar um processo reflexivo de aprendizagem”, disse.
‘Treino suicídio’
Segundo relatos de pais dos alunos, o professor utilizou a expressão “treino suicídio” para instruir os alunos a correrem dez vezes ao redor da quadra da escola. Alguns estudantes passaram mal, vomitaram e tiveram crise de ansiedade.
A Secretaria Municipal de Educação de Cachoeiro de Itapemirim informou que o professor negou que passou a atividade como punição, mas confirmou o pedido da atividade.
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A especialista ouvida pelo g1 avaliou que, ao tratar a atividade utilizando a expressão “treino suicídio”, o professor também trouxe um assunto complexo para a sala de aula sem contexto.
“O professor foi infeliz em todos os sentidos. Muitas crianças nessa idade não sabem, se não sabem vão perguntar aos pais, vão questionar em casa, vão procurar saber. Além de banalizar a expressão. Temas como esse precisam sim fazer parte da discussão escolar, mas com outra abordagem e na escola, existe um protocolo quando o tema é suicídio, não se deve declarar alguma coisas para não gerar gatilho”, completou.
Alunos passaram mal
Os pais dos alunos ficaram revoltados com a situação. A mãe de uma aluna de 9 anos que tem bronquite contou que a filha passou mal e teve dificuldade de respirar.
“Cheguei em casa e ela já tinha saído da escola. Percebi que minha filha não estava legal. Me contou da atividade passada pelo professor e como teve crises de bronquite asmática este ano, e está em tratamento para bronquite, ficou com falta de ar e dor no peito. Ficou muito assustada com o pedido do professor por ter usado aquela expressão [para se referir à atividade]. Ela começou a fazer a atividade, pediu para parar e ele não deixou. Agora, minha filha, que sempre gostou de fazer educação física, não quer mais fazer a aula”, destacou.
Outra mãe disse que o filho de nove anos estava passando mal quando a família foi buscar o menino na escola.
“Minha mãe foi buscar ele na escola e os alunos tinham acabado de fazer a atividade. Assim que ela chegou lá, disse que viu vários alunos chorando e meu filho contou o que tinha acontecido. Vários pais disseram que os filhos vomitaram, um tinha asma e não aguentou correr. Meu filho caiu no chão e mesmo assim o professor mandou ele continuar correndo”, explicou.
Treino não indicado para crianças dessa idade
Menino de 9 anos teve crise de ansiedade após realizar atividade punitiva pedida por professor em escola municipal de Cachoeiro de Itapemirim, no Sul do Espírito Santo
Acervo pessoal
Mateus Campanharo, profissional de educação física ouvido pelo g1, explicou que treinos de intensidade devem ser aplicados de forma responsável pelos profissionais.
“Essa atividade é um treino que leva à exaustão, leva a pessoa a frequências máximas. É um método, tipo de treinamento que pode ser utilizado, mas o estímulo precisa ser utilizado corretamente. Provavelmente, esses alunos não estão acostumados com isso”.
O profissional questionou a aplicação desse tipo de treino em crianças. “Chega a ser uma falta de ética. Precisa ver antes se um aluno teve algum problema patológico ou outro tipo de problema que, caso faça algum trabalho extremo, ele não vai reagir bem”, explicou.
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