
Presidente e líderes da Casa demonstraram insatisfação com possibilidade de redução dos mandatos de senadores. Criticadas no Congresso, reeleições se tornaram regra nas eleições. O Senado pode demorar a analisar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que extingue a reeleição no Executivo.
O presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP), havia sinalizado que poderia colocar a proposta em votação, no plenário da Casa, já nesta semana. Mas senadores afirmam que o texto atual não agrada a Alcolumbre e a uma fatia do Senado.
Eleição unificada e mandato de 5 anos: os detalhes da PEC que põe fim à reeleição
Embora o cerne do texto encontre consenso, trechos que modificam a duração de mandatos e unificam as eleições municipais e nacionais registram resistências nos corredores da Casa.
Na última quarta-feira (21), a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou, de forma simbólica (quando não há registro dos votos), a PEC para acabar com a recondução de governantes.
O texto estabelece o fim da reeleição em duas etapas: a partir de 2028 para prefeitos; e de 2030 para presidente e governadores. E vai além:
unifica os pleitos municipais e nacionais em uma única data, a partir de 2034;
e padroniza a duração de mandatos de todas as funções eletivas em 5 anos — incluindo senadores, que sofreriam uma redução de mais de um terço nos mandatos (8 para 5 anos) a partir das eleições de 2034.
Segundo líderes partidários da Casa, o ajuste no tempo de mandato dos senadores seria a maior causa do descontentamento de Davi Alcolumbre. Ele, apesar disso, tem defendido extinguir a reeleição no Executivo, além de enxergar o avanço da proposta como um dos possíveis marcos de sua gestão à frente do Senado.
Aliados de Alcolumbre afirmam que, diante das divergências, o presidente pode empurrar a análise da proposta para junho ou ainda para o segundo semestre.
Senadores apontam, ainda, que não há certeza de que o texto atual avançaria na Câmara, onde a PEC enfrentaria um caminho mais longo até a aprovação. Entre as críticas de deputados, está a unificação de datas — prejudicial para campanhas municipais, na avaliação de parlamentares.
Infográfico – PEC sobre o fim da reeleição
Arte/g1
Histórico da reeleição
Alvo de críticas nas duas Casas, a reeleição de governantes se tornou praticamente uma regra nas esferas municipal, estadual e nacional.
A possibilidade de um chefe do Executivo se reeleger foi criada em 1997. À época, a mudança possibilitou que o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) pudesse se candidatar a um segundo mandato e ser reeleito no ano seguinte.
De lá para cá, os dados têm confirmado uma tendência de sucesso para governantes candidatos à recondução.
Historicamente, o índice dos prefeitos e governadores que conseguem se reeleger é de cerca de 60%. Entre os candidatos ao Planalto, desde 1998, somente um candidato não conseguiu ser reconduzido — o então presidente Jair Bolsonaro (PL), derrotado em 2022.
As prefeituras têm o índice de sucesso mais constante desde 2000, o primeiro ano no qual a reeleição de prefeitos foi permitida. Em média, a cada ciclo eleitoral, mais da metade de todos os chefes dos Executivos municipais tentam ser reconduzidos. Cerca de 64% deles saem vitoriosos, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e da Confederação Nacional de Municípios (CNM).
Taxa de reeleição nas prefeituras
Nos governos estaduais, houve variações desde 1998, mas a taxa de sucesso é semelhante à das prefeituras. Entre 1998 e 2022, cerca de 67% dos governadores candidatos à reeleição conseguiram um novo mandato. Os números consideram governantes que foram eleitos ou efetivados na função após renúncia ou afastamento do titular.
Taxa de reeleição nos estados
O principal e maior fator para o sucesso das reeleições, de acordo com especialistas ouvidos pelo g1, é o uso da máquina estatal pelos governantes, o que os faz largar na frente com a associação de políticas públicas e a exposição inerente ao cargo.
“Isso se dá de modo concreto por meio do uso da máquina pública – inaugurações, investimento em propaganda, definição de políticas públicas – e também da capacidade de gerar memória no público, porque os governantes que estejam no poder ocupam a agenda e influenciam a definição de pautas e se mostram presentes nos meios de comunicação”, afirma o professor de opinião pública da Universidade de São Paulo, Luiz Farias.
Dentro do Congresso, oposição e base governista fazem críticas semelhantes à reeleição. Os parlamentares argumentam que a possibilidade leva um governante em exercício a passar todo o mandato pensando em se manter na função.
“Ele entra e começa a trabalhar nos dois primeiros anos, mas, nos dois últimos, entra em uma campanha automática à reeleição. Tudo gira em torno da necessidade de continuar lá. É um ciclo que não beneficia o país”, avalia o deputado Eunício Oliveira (MDB-CE).
O problema dos mandatos
Apesar do avanço na CCJ, a PEC tem causado divergências dentro do Senado. Boa parte dos parlamentares, segundo relatos, concorda com o objetivo central do texto — proibir a recondução de governantes.
Mas a Casa não é unânime em relação a outros dois pontos: a redução proposta no tempo de mandato dos senadores e a unificação das eleições municipais e gerais.
Ainda no dia da aprovação do texto na CCJ, parlamentares deixaram o colegiado afirmando que a PEC transformaria o Senado em uma “Câmara B”, uma referência ao fato de que tanto os senadores quanto os deputados passariam a ter a mesma duração de mandato.
“Nós somos eleitos de forma majoritária, dependemos de um número maior de votos. Não faz sentido essa mudança. Quem vai querer se candidatar ao Senado?”, questionou um senador.
A mudança na duração dos mandatos no Senado não estava prevista na forma original da proposta, apresentada pelo relator Marcelo Castro (MDB-PI). A decisão foi tomada somente no dia da votação na CCJ, especificamente durante a fase de discussão da proposta.
Castro decidiu mudar o parecer em meio à análise de um destaque — pedido de votação em separado de um trecho — do senador Carlos Portinho (PL-RJ).
Nos dias anteriores, Portinho e os senadores Eduardo Girão (Novo-CE) e Cleitinho (Republicanos-MG) haviam feito publicações nas redes criticando o relatório original, que trazia inicialmente uma expansão do mandato dos senadores de 8 para 10 anos.
Para alguns senadores, a movimentação nas redes teve influência nos rumos do parecer de Marcelo Castro. Esses parlamentares acreditam, porém, que a redução do mandato deve ser alvo de mudanças durante a análise pelo plenário.
O assunto foi um dos temas da última reunião de líderes partidários do Senado, ocorrida na quinta-feira (22).
Segundo relatos, senadores abordaram a possível redução do tempo de mandato e sinalizaram desejo de que o texto original de Castro (ampliação para 10 anos) seja retomado no plenário.
Eleições em uma data só
O outro ponto de divergência reúne senadores e deputados. Nas duas Casas, há críticas à possibilidade de unificar o calendário eleitoral e as datas das eleições municipais e nacionais.
Congressistas disseram ter ouvido de prefeitos, que estavam em Brasília para a Marcha dos Prefeitos, que a mudança poderia ser prejudicial para as campanhas às prefeituras. Para eles, ao mesmo tempo em que deixaria as disputas ainda mais atrelada aos rumos nacionais, a mudança poderia dividir a atenção do eleitor.
Os defensores da eleição conjunta argumentam, no entanto, que haveria redução de custos e que a medida acabaria com o clima de disputa constante, com o atual intervalo de eleições de dois em dois anos.
Especialistas avaliam que a unificação das eleições tornaria o pleito local menos atrativo aos eleitores, dada a repercussão dos debates nacionais.
“As eleições custam muito caro ao Tribunal Superior Eleitoral, mas a mudança traz um prejuízo em termos de representatividade local. Os eleitores passariam a dar mais importância para a túnica nacional. Prefeitos e vereadores, que precisam de uma proximidade direta com o eleitor para se vender teriam mais dificuldade para conquistar o eleitorado, o que atrapalharia o debate público”, diz Marcela Machado, especialista em direito eleitoral pela Universidade de Brasília.