Táticas de viralização e convites em série a influencers na CPI das Bets desgastam imagem da comissão, dizem especialistas


Comportamento de senadores irritou o presidente da Casa, que não deve renovar a duração da comissão. Para professora de marketing, ações fazem parte da nova dinâmica política. A CPI das Bets desgastou a imagem de impessoalidade que os seus integrantes deveriam apresentar, o que colocou em descrédito a atuação fiscalizadora da comissão. A análise é de especialistas ouvidos pelo g1.
Virgínia foi tietada pelo senador Cleitinho (Republicanos).
Reprodução/TV Senado
Nas últimas semanas, a comissão focou em depoimentos de influenciadores digitais, com milhões de visualizações e de seguidores nas redes sociais. Na mesma esteira, senadores integrantes da CPI utilizaram a prática de cortes rápidos para viralizar e engajar.
A comissão já ouviu 20 convidados e ganhou mais visibilidade nas redes sociais após ouvir a influenciadora Virginia Fonseca no último dia 13. Ao todo, foram mais de 1,3 milhão de visualizações na transmissão oficial do depoimento da influenciadora, que durou mais de três horas.
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‘Circense’
A CPI das Bets acabou virando palco para os influencers, mas com poucos resultados práticos para o Legislativo. Alguns membros se apropriaram da sessão para ganhar repercussão nacional”, afirma o cientista político, Murilo Medeiros.
Medeiros destaca que a CPI é uma plataforma valiosa para discursos midiáticos e impactantes, o que por sua vez pode ampliar a notoriedade de parlamentares de “baixo clero” e ajudar na “tração eleitoral do político”.
O especialista também aponta que o discurso “político-teatral” de parlamentares durante a CPI pode atrapalhar o desfecho dos trabalhos de várias formas, comprometendo tanto a eficiência da investigação quanto sua credibilidade pública.
A atuação dos parlamentares também não agradou o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Segundo o vice-líder do governo na Casa, Jorge Kajuru (PSB-GO), Alcolumbre demonstrou em encontro com os líderes do partidos irritação com as reuniões da comissão.
Segundo Kajuru, Alcolumbre disse que a CPI às vezes é “circense” e que já teve tempo suficiente para chegar a um relatório final. Portanto, de acordo com o senador goiano, o colegiado deve ser encerrado nas próximas semanas.
Para Medeiros, o posicionamento do presidente do Senado é “justo”, tendo em vista que a “repercussão com os influenciadores ofusque a pauta legislativa, inclusive a do plenário”.
“Essas atitudes possibilitam que os usuários das redes sociais tenham uma visão distorcida do que é o parlamento. Traz uma perspectiva rebaixada, causada pela falta de impessoalidade dos representantes”, afirma o cientista político.
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‘Receita para viralização’
Para Lilian Carvalho, doutora em marketing pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), os convites a influenciadores são apenas parte do motivo para a alta visibilidade da CPI das Bets.
“No Brasil, somente o site das bets possuem em média 1 bilhão de visitas por mês. Ou seja, existem muitas pessoas ou apostando ou pelo menos curiosas sobre estes sites”, analisa Lilian Carvalho.
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De acordo com a especialista, no entanto, a junção destes fatores com os chamados “cortes rápidos” para as redes sociais é uma “receita para viralização”.
“O céu é o limite para este impacto. Memes e cortes podem ser traduzidos em qualquer língua facilmente, então não há limite para os quatro cantos do mundo”, analisa Carvalho.
Para a especialista, a aproximação entre parlamentares e influenciadores digitais, especialmente no contexto da CPI das Bets, é uma dinâmica que faz parte da política contemporânea e que tem nas redes sociais um novo local de debate.
“Esse fenômeno reflete a transformação do debate público e da mobilização social, impulsionada pelas redes sociais e pelo papel estratégico dos influenciadores na formação de opinião e no engajamento de diferentes públicos”, analisa Carvalho.
Um exemplo é o ocorrido durante a sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Apostas Esportivas, quando o senador Cleitinho Azevedo (Republicanos-MG) pediu para tirar uma foto com a influenciadora Virginia Fonseca, convocada a depor como testemunha.
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Antes da “selfie”, o senador elogiou o plano de “pré-treino” da influenciadora, pediu que ela parasse de divulgar bets e que mandasse um abraço para a sua esposa e filha. “Se tocar seu coração, como cristão, acaba com isso, não faz mais esse tipo de propaganda”, afirmou o senador.
A cena viralizou nas redes sociais e foi alvo de críticas pelo presidente da CPI, senador Dr. Hiran (PP-RR), que afirmou que não deixaria que a sessão virasse um “circo”.
Esta semana, durante o depoimento de um outro influenciador – o padre Patrick Fernandes, que pediu para ser ouvido pela comissão – o senador mineiro pediu desculpas pelo momento.
“Na terça-feira passada, eu não fui político no momento, eu fui pai. No momento em que eu sentei aqui e vi a que estava aqui, a Virginia, minha filha me pediu para poder fazer um vídeo, para poder mandar um vídeo para ela, e eu me levantei aqui. Não era o local, não era o momento”, disse.
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