
“Microdosagem” com cogumelos aumentou casos de envenenamento e atendimentos de emergência nos EUA
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Imagine que você compra um saco de jujubas com o rótulo nootrópico – um termo usado para descrever substâncias que alegam melhorar a cognição e a função mental, ou “drogas inteligentes”. No entanto, poucas horas depois de consumi-las, seu coração começa a acelerar, você sente náuseas e vômitos. Em seguida, você começa a ter convulsões e uma crise epiléptica, o que resulta em uma ida ao hospital.
Você certamente não esperava ter uma reação tão grave a um produto comestível vendido sem receita médica, disponível online e em lojas de ervas e vaporizadores em todo o país. O que aconteceu?
A chamada “microdosagem” de cogumelos tem crescido nos últimos anos, acompanhando uma mudança na política sobre drogas em algumas áreas dos EUA e o aumento no número de pesquisas sobre seus potenciais benefícios para o humor e a saúde mental. A microdosagem envolve a ingestão de quantidades pequenas de cogumelos psicoativos – menos do que uma dose “normal”, insuficiente para induzir uma “viagem” ou experiência psicodélica – para melhorar o humor, a criatividade, a concentração ou a produtividade.
Cogumelos psicodélicos são ilegais a nível federal nos EUA, classificados como substância de “Categoria 1” pela Food and Drug Administration (FDA), embora alguns estados e municipalidades americanos tenham iniciado o processo de descriminalização da posse desses cogumelos.
Essa maior aceitação dos cogumelos e psicodélicos abriu um crescente mercado de produtos comestíveis contendo espécies de cogumelos não alucinógenos que estão nas prateleiras de supermercados, lojas de vaporizadores e até mesmo postos de gasolina, com alegações de que esses produtos melhoram a função mental.
Para atender à demanda, os fabricantes também estão recorrendo a outros tipos de cogumelos — incluindo tanto psicoativos quanto não psicodélicos. Mas alguns deles são potencialmente mais tóxicos, e muitas vezes faltam informações importantes para que os consumidores tomem decisões informadas sobre quais produtos consumir.
Sou um pesquisador de produtos naturais da Universidade Estadual da Pensilvânia, onde meu laboratório se especializa em compreender as moléculas encontradas em plantas, cogumelos e outros recursos naturais e como elas podem beneficiar ou prejudicar a saúde humana. Nossa equipe pesquisa ativamente essas pequenas moléculas para descobrir como elas podem tratar doenças infecciosas e crônicas, mas também as monitora para detectar efeitos tóxicos ou adversos à saúde humana.
Embora os produtos nootrópicos tenham potencial para melhorar a saúde, pode haver pouca transparência em torno de muitos produtos comerciais à base de cogumelos, o que pode ter consequências perigosas.
Química e toxicologia dos cogumelos psicoativos
Os principais componentes psicoativos dos cogumelos “mágicos” tradicionais, encontrados no gênero Psilocybe, são a psilocibina e a psilocina. Essas duas pequenas moléculas são alcaloides que ativam receptores no cérebro para desencadear os principais efeitos psicoativos dos cogumelos mágicos.
Tanto a psilocibina quanto a psilocina têm um alto índice terapêutico – o que significa que geralmente não são tóxicas para os seres humanos, pois a quantidade que deve ser ingerida para ser fatal ou perigosa é mais de 500 vezes a dose na qual se mostrou ser terapeuticamente eficaz. Portanto, os cogumelos que contêm psilocibina são geralmente considerados como tendo um baixo potencial de toxicidade aguda em humanos, a ponto de se acreditar que é quase impossível atingir uma dose tóxica pelo consumo oral.
Demanda gera diversificação de cogumelos
Com o crescimento da popularidade dos cogumelos psicodélicos, empresas têm procurado maneiras de atender à demanda dos consumidores. E, em alguns casos, isso significou encontrar cogumelos que não contêm psilocibina e, portanto, não são restringidos pela FDA. O resultado foi um aumento na oferta de produtos que não envolvem complicações legais, o que significa que existem produtos que podem conter outros tipos de cogumelos, incluindo juba de leão, chaga, reishi, maitake e um gênero de cogumelos chamado Amanita, que pode ser alucinógeno.
Os Amanita são cogumelos venenosos com manchas brancas e “chapéu” vermelho por excelência — a imagem estereotipada de um cogumelo. Esses fungos contêm compostos muito diferentes em comparação com os cogumelos Psilocybe, como muscarina e ácido ibotênico. Esses compostos funcionam de maneira diferente no cérebro e, embora também sejam capazes de produzir experiências psicodélicas, são geralmente considerados mais tóxicos.
Produtos nootrópicos e outros produtos à base de cogumelos são frequentemente encontrados como comestíveis, incluindo chocolates e jujubas. No entanto, há pouca fiscalização em relação à rotulagem dos ingredientes desses suplementos alimentares; os produtos que têm uma mistura patenteada de ingredientes geralmente não precisam informar os ingredientes individuais ao nível da espécie. Isso protege os segredos comerciais relativos a misturas exclusivas de ingredientes, mas também pode obscurecer a composição real de alguns produtos nootrópicos comestíveis e de microdosagem. E isso pode ter consequências perigosas.
Aumento nos casos de efeitos adversos
A explosão na oferta de produtos nootrópicos à base de cogumelos levou ao surgimento de uma grande variedade de produtos no mercado que podem conter quantidades de cogumelos muito diferentes, muitas vezes com misturas de várias espécies de cogumelos. E com poucas diretrizes de rotulação em vigor, pode ser difícil saber exatamente o que você está tomando.
Um estudo de caso no estado americano da Virgínia envolveu cinco pessoas que foram hospitalizadas após ingerirem jujubas de diferentes marcas nootrópicas rotuladas como contendo muscarina, muscimol e ácido ibotênico, todos compostos encontrados nos cogumelos Amanita.
Uma análise de acompanhamento de marcas de jujubas disponíveis localmente que continham ingredientes “nootrópicos de cogumelos” revelou a presença de psilocibina, mas também de cafeína, do estimulante efedrina e de mitraginina, um analgésico potente encontrado em produtos vegetais do sudeste asiático, como o kratom. Nenhum desses ingredientes estava listado no rótulo do produto. Portanto, o coquetel de cogumelos e substâncias a que essas pessoas foram expostas não estava necessariamente refletido no rótulo no momento da compra.
O aumento do uso de outros cogumelos potencialmente tóxicos em produtos vendidos sem receita médica tem se refletido nos casos de envenenamento relatados nos Estados Unidos. Em 2016, dos mais de 6.400 casos de intoxicação relacionados a cogumelos nos EUA, apenas 45 foram causados por cogumelos do gênero Amanita.
Nos últimos anos, desde que certos estados começaram a descriminalizar a psilocibina, os EUA viram um aumento nas chamadas e denúncias aos centros de controle de intoxicações de pessoas sentindo náuseas e apresentando vômitos, convulsões, sintomas cardiovasculares e outros efeitos adversos após ingerir produtos comestíveis à base de cogumelos, como chocolates e jujubas. Isso levou a uma investigação em vários estados iniciada em 2023, que revelou mais de 180 casos em 34 estados de pessoas que haviam ingerido uma marca específica de produtos comestíveis à base de cogumelos, a Diamond Shruumz.
Um recall em 2024 exigiu que as lojas removessem esses produtos de suas prateleiras. E, no final de 2024, a FDA divulgou um alerta para consumidores e fabricantes sobre os perigos associados aos cogumelos Amanita, afirmando que eles “não atendem ao padrão de Geralmente Reconhecido como Seguro (GRAS, na sigla em inglês), e que os cogumelos Amanita são aditivos alimentares não aprovados”. Apesar desse alerta, tais produtos ainda estão disponíveis.
Mesmo quando um produto é rotulado com os ingredientes relevantes, os cogumelos são notoriamente fáceis de serem erroneamente identificados quando coletados. Inúmeras espécies de cogumelos têm formas, cores e hábitos semelhantes.
Mas, apesar de suas semelhanças visuais, esses diferentes cogumelos podem ter composições químicas e toxicidades drasticamente diferentes. Isso afeta até mesmo os coletores de cogumelos comestíveis, com centenas de visitas a prontos-socorros devido à identificação incorreta de fungos todos os anos nos Estados Unidos.
Atualmente, há pouca regulamentação ou supervisão para a identificação das espécies presentes em suplementos alimentares ou produtos comestíveis à base de cogumelos vendidos sem receita médica, deixando os consumidores à mercê dos produtores em listarem com precisão todos os materiais e ingredientes crus nos rótulos.
Joshua Kellogg não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.
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