
Professor da Unicamp diz que modelo atual beira o colapso, e defende investimento e retomada da confiabilidade do transporte coletivo para desafogar trânsito. Veja números da frota na metrópole. Frota de Campinas supera 1 milhão e especialista alerta para risco de colapso
A frota de Campinas (SP) superou a marca de 1 milhão de unidades. São carros, motos, picapes, ônibus e caminhões que pressionam cada vez mais um modelo que, na avaliação do professor da Unicamp, Creso de Franco Peixoto, beira o colapso e não pode ser comemorado. “Onde nós vamos colocar todos esses veículos?”, questiona.
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Um levantamento do g1 a partir de dados da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) mostra que a metrópole contava com 464,5 mil veículos na frota há 20 anos, menos da metade dos números mais atualizados, de abril de 2025.
Com 1.000.403 veículos, Campinas se aproxima da paridade de um para cada habitante, por exemplo – segundo o Censo 2022, a metrópole do interior tem 1,1 milhão de moradores.
Desse total, os automóveis representam a maior parcela dos veículos, com 645 mil unidades. Já as motocicletas são 141 mil. A lista ainda tem 20,4 mil caminhões, 17,4 mil utilitários e 5,4 mil ônibus.
Os dados do Senatran apresentam todos os veículos registrados na cidade, como ciclomotores (570), triciclos (198), e até bonde, com apenas um registrado.
Como efeito de comparação, o professor da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC-FAU) destaca que, nos anos 1960, o Brasil apresentava uma proporção de um veículo para 230 habitantes.
Em 2020, essa marca atingiu a marca de um veículo para cada dois habitantes. E rapidamente já chegou na unidade em grandes centros, próximo a paridade de “um para um”.
“É um número assustador. Nós temos um quadro de clássica extinção de capacidade de circulação viária nas vias principais, nos momentos de pico”, explica o professor.
Mas o que fazer diante desse cenário? 🤔
Segundo Peixoto, várias ações precisam ser discutidas, desde o fortalecimento do transporte público, com investimento em transporte de massa, mudanças culturais, como a retomada por deslocamentos a pé ou com biciletas, e até a urbanização das cidades, em que moradias estejam mais próximas dos locais de trabalho.
O professor ressalta que o sistema viário de Campinas, em grande parte já consolidado (a estrutura das principais vias pouco mudou nas últimas décadas), dificilmente comportará grandes expansões.
Creso compara a situação a um funil: mesmo que se alargue a entrada, a capacidade de escoamento continuará limitada pelos gargalos existentes.
“Engana-se quem pensa que a solução reside apenas na construção de novas vias. Los Angeles fez isso com vias expressas de múltiplas faixas e, mesmo assim, enfrenta paradas diárias”, exemplifica.
Carros, trânsito, Campinas
Reprodução/EPTV
Metrô, VLT, BRT…
Ao falar sobre transporte de massa, o professor destaca que o metrô mostra-se como solução, mas não para Campinas, por conta do custo para implantação e viabilidade do sistema.
Nesse cenário, Creso defende eventuais discussões sobre a adoção do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), em moldes diferentes do já tentados em Campinas no final dos anos 1980, ou mesmo a plena implantação do BRT, com possibilidade de interligações com outros modais (ciclovias, por exemplo).
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‘Esperamos que venhamos a ter mesmo em Campinas o sistema de BRT, que a distância entre os veículos seja pequena em termos de tempo, para dar confiabilidade que a pessoa vai chegar lá e não vai ficar muito tempo parada. E se o veículo vai mesmo, que tenhamos uma integração com bicicleta, como ocorre em algumas cidades europeias”, diz.
O professor da Unicamp defende que é preciso pensar em um sistema em que os moradores confiem. “Precisamos criar uma sensação de segurança e eficiência para que as pessoas voltem a acreditar e a ter vontade de deixar o carro em casa.”
Confiança na nova licitação
Vinicius Riverete, presidente da Emdec, crê que assim que o BRT estiver em pleno funcionamento, em especial após a conclusão da nova licitação do transporte público, isso trará o passageiro de volta.
Riverete lembra que o transporte público de Campinas já foi responsável por movimentar mais que o dobro dos atuais 400 mil usuários por dia, em média.
“A previsibilidade vai trazer confiança ao sistema. Você vai passar a confiar naquele serviço, ele vai passar, eu vou chegar no horário no meu trabalho, vai funcionar o ar-condicionado, o elevador da cadeira de rodas, a porta vai abrir. É tudo uma questão de eficiência, por isso a grande necessidade da licitação”, diz.
Nova licitação do transporte público de Campinas: veja ponto a ponto o que prevê o edital
O processo licitatório da metrópole está atrasado desde 2016, e o novo edital pode ser consultado até 2 de julho. Após o prazo para a realização das consultas e, consequentemente, de eventuais sugestões da população, o edital será consolidado e publicado. As empresas e consórcios terão, a partir disso, 45 dias para elaborarem a proposta. Depois, os envelopes serão abertos.
Foto de arquivo do trânsito em Campinas
Reprodução/EPTV
Urbanização
Ao citar os grandes deslocamentos da população para o trabalho, necessários em grandes centros como Campinas, o professor da Unicamp defende uma ideia de cidades com “sistemas celulares”, com concentrações de moradias próximas a locais de oferta de emprego.
Aliado a isso, Creso prega a necessidade de mudanças culturais e incentivo para uso de outros modais, como a bicicleta.
Riverete pontua que em Buenos Aires, capital da Argentina, o trabalho de uma década fez com 30% da sociedade passasse a usar a bicicleta. “Não sei se isso vai acontecer aqui”, diz.
Questionada sobre ações do governo municipal para melhorar a estrutura urbana e promover mudanças culturais, a Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Urbano destacou, por nota, que o Plano Diretor de Campinas “se pautou no Desenvolvimento Orientado pelo Transporte (DOT), e estabeleceu a prioridade do pedestre, meios de mobilidade ativa (ex: ciclista) e transporte coletivo”.
“[O Plano Diretor] também estableceu que as áreas mais indicadas para adensamento populaional de média capacidade é ao longo dos eixos de mobilidade. Assim, a população a se instalar nos enpreendimentos estará próxima dos eixos de transporte coletivo, estimulando o seu uso”, informou a nota assinada pelo secretário Marcelo Coluccini.
Ainda de acordo com a pasta, a análise de novos loteamentos é feita de forma colegiada, através do Grupo de Análise de Loteamentos (GAL). Veja a nota:
“Fazem parte deste grupo as diversas Pastas da Prefeitura, incluindo as autariquias Sanasa e Emdec, para que a análise seja feita de forma intersetorial e integrada.
A análise da localização de áreas públicas, das diretrizes viárias que se configurarão novas vias públicas e do desenho do loteamento tem esse olhar, buscando aprimorar o desenho urbano e estabelecer ligações importantes com a malha urbana consolidada.
Para além da análise dos loteamentos, é importante destacar que empreendimentos de maior impacto devem apresentar o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) e Relatorio de Impacto no Trânsito (RIT), que também passam por análise colegiada.”
Campinas (SP) implanta duas novas linhas BRT a partir desta sexta-feira (26)
Prefeitura de Campinas/Divulgação
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