Condenado a 98 anos de prisão, Paulo Cupertino deve cumprir apenas 27 a partir da sentença e poderá ser solto em 2052


Especialistas ouvidos pelo g1 explicam que, como crime foi cometido antes da sanção do Pacote Anticrime, tempo máximo da pena não pode passar de 30 anos. Cupertino foi capturado e preso em maio de 2022 e condenado por triplo homicídio na sexta (30). Paulo Cupertino gesticula durante seu interrogatório
Reprodução
Paulo Cupertino foi condenado a 98 anos de reclusão em regime fechado por matar a tiros o ator Rafael Miguel e os pais dele, João e Miriam, em junho de 2019. Houve comemoração dos familiares das vítimas após a leitura da sentença, que aconteceu ao fim do julgamento na sexta-feira (30).
Ele foi condenado por triplo homicídio duplamente qualificado — por motivo torpe e recurso que impossibilitou a defesa das vítimas. O crime também foi agravado porque o assassino fugiu do local.
No entanto, apesar de ter recebido uma pena de quase 100 anos, Cupertino poderá ser solto daqui a 27, no ano de 2052.
Isso porque, no Brasil, o tempo máximo de cumprimento de pena era de 30 anos até a sanção do Pacote Anticrime, em dezembro de 2019;
Essa nova legislação aumentou o limite para 40 anos;
Como Cupertino cometeu o crime em junho de 2019, antes da sanção da Lei 13.964/2019, deve-se aplicar a lei mais benéfica ao réu, conforme o princípio da irretroatividade da lei mais grave;
Como o assassino do ator Rafael Miguel foi capturado e preso em maio de 2022, ele já cumpriu 3 anos da pena, restando 27 para o cumprimento total.
“Como o artigo 75 do Código Penal limitava o cumprimento de pena, à época, a 30 anos, ele teria que sair com 30 anos de cumprimento, ou seja, antes de qualquer progressão de regime”, explicou o advogado criminalista Leonardo Massud, já que, para progredir para o semiaberto, ele deveria cumprir dois quintos da pena total, o que ultrapassa 30 anos.
Dessa forma, Cupertino deve passar todo o período da prisão em regime fechado, sem progressão.
Pacote anticrime
O Pacote anticrime é uma legislação que altera dispositivos do Código Penal, do Código de Processo Penal e da Lei de Execuções Penais. Entre elas, regras sobre progressão de regime e início de cumprimento da pena.
Caso o crime tivesse sido cometido após essa lei entrar em vigor, ele poderia ficar até 40 anos preso;
O criminalista Ricardo Yamin explica que, nessa hipótese, por se tratar de crime hediondo (homicídio qualificado), Cupertino poderia progredir de regime após dois quintos da pena total;
“Desta forma, para progredir de regime, ele deveria cumprir 39 anos e 4 meses em regime fechado para que pudesse progredir ao semiaberto”, apontou o advogado.
“Esse cálculo está respaldado no entendimento que prevaleceu nos nossos tribunais, pois a Súmula 715 do Supremo Tribunal Federal (STF) considera que deve ser levado em conta o total da pena para o cálculo de benefícios. A nosso ver, porém, a correta interpretação do dispositivo constitucional que garante a individualização das penas, inclusive na fase executória, deveria contar apenas o limite máximo de prisão permitido, ou seja, todo o cálculo de progressão em cima dos 30 anos e não de 98”, ponderou Massud, que é sócio da Massud, Sarcedo e Andrade Sociedade de Advocacia.
Julgamento de Cupertino
A sentença do juiz Antonio Carlos Pontes de Souza, da 1ª Vara do Júri da Capital, foi dada a partir da decisão majoritária dos quatro homens e três mulheres que foram jurados.
Ao menos quatro dos sete jurados o condenaram pelos três assassinatos em todos os quesitos. Quando a votação atinge a maioria do júri, a Justiça para de contar os votos.
O júri popular ocorreu nos dias 29 e 30 de maio, no Fórum da Barra Funda, em São Paulo.
O advogado da família das vítimas, Fernando Viggiano, afirmou, à saída do julgamento, que “a tese de defesa de negativa de autoria [de Cupertino] foi rechaçada pelos jurados”. “Imaginávamos que ele tomaria qualquer outro caminho, dada a robustez das provas constantes dos autos”, destacou.
E emendou: “O cuidado que tivemos foi primordial para que não houvesse nenhuma nulidade. A todo momento havia questões referentes a nulidade processual, não efetivamente à tese, porque sabíamos que havia provas robustas para a condenação”.
O juiz entendeu que nenhum dos pedidos de nulidade feitos pela defesa de Cupertino deveriam ser atendidos.
Segundo o Ministério Público (MP), Cupertino matou o artista e a família da vítima com 13 tiros por não aceitar o namoro do rapaz com a sua filha Isabela Tibcherani, que tinha 18 anos à época. Rafael estava com 22. Câmeras de segurança gravaram o crime na frente da casa da jovem e a fuga do assassino.
Rogério Zagalo, promotor do MP-SP, disse ter se surpreendido com a pena: “Porque o Brasil tem uma cultura chamada cultura da pena mínima, e o Judiciário tem que começar a pensar como esse juiz que jogou essa causa hoje, nós temos que fazer condenações pensando entre outras coisas também, nas consequências do ato ilícito. E nesse caso específico, da mesma família, foram eliminadas três vidas, então é um caso que realmente é muito grave”.
O empresário, no entanto, negou o crime quando foi interrogado no primeiro dia de júri.
“Impossível eu ter cometido esse crime. Não tinha motivo, nunca existiu crime premeditado”, chegou a dizer no plenário. “Nunca na minha vida tive conhecimento do Rafael, João e Miriam. Como posso ter cometido o crime se nunca tive acesso a eles.”
O que Cupertino disse no interrogatório:
No alto, da esquerda para a direita: Eduardo Jose Machado, Paulo Cupertino Matias e Wanderley Antunes Ribeiro Senhora. Os três são réus no processo que apura os assassinatos de Rafael Henrique Miguel e dos pais dele, João Alcisio Miguel e Miriam Selma Silva Miguel
Reprodução/TV Globo e Arquivo pessoal
Cupertino negou o crime, dizendo que saiu da casa e viu os três corpos (de Rafael e dos pais) na rua;
⁠negou que a silhueta de um vídeo de câmera de segurança que mostra um homem e as três vítimas é a dele;
⁠que viu ainda “vagabundos” fugindo, sugerindo que eles cometeram os assassinatos;
⁠que se arrepende de não ter ido atrás deles;
que não os denunciou na delegacia por medo do que poderia acontecer com a sua família;
que a imagem de outra câmera que mostra ele fugindo ocorreu mesmo e é ele porque estava com medo dos “vagabundos”;
falou ainda que não fugiu e nem se escondeu. E que estava trabalhando
Após os assassinatos, o empresário se escondeu em outros estados e países. Ele só foi preso quase três anos depois do crime, em 2022.
Além de Cupertino, também foram interrogados na quinta-feira (29) outros dois réus no processo: Wanderley Antunes e Eduardo Machado, acusados de ajudado a fugir e se esconder após o crime. Eles respondem em liberdade a acusação de favorecimento pessoal por terem ajudado o empresário a fugir e se esconder após o crime. Os dois também se disseram inocentes.
Isabela Tibcherani e Rafael Miguel eram namorados até o pai dela matar o ator a tiros em 2019
Reprodução/Redes sociais
Foram ouvidas sete testemunhas no total. Entre elas, Isabela e Vanessa Tibcherani, respectivamente, a filha e a ex-esposa de Cupertino. As duas contaram que não viram como Rafael, Miriam e João foram baleados, mas disseram na audiência que quem os matou foi Cupertino.
“Foi muito rápido, questão de segundos. Ouvi os disparos, me abaixei e comecei a gritar ‘não, não e fui para fora’”, disse Isabela.
“O que posso dizer é que ele assassinou as três pessoas a sangue frio”, contou Vanessa no julgamento.
Cupertino chegou algemado, acompanhado por dois policiais militares, e começou a ser interrogado por volta das 18h30 de quinta, já sem algemas. O primeiro dia de julgamento foi encerrado às 22h30. O réu só respondeu às perguntas da defesa, feitas por suas advogadas.
E avisou ao juiz que não queria responder aos questionamentos da acusação. Por isso o Ministério Público não o indagou sobre o crime. O MP foi representado pelos promotores Thiago Marin e Rogério Leão Zagallo.
Plenário onde ocorre o julgamento de Paulo Cupertino
Divulgação/Assessoria de Imprensa/Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP)
Na fase final do julgamento de Paulo Cupertino, nesta sexta-feira (30), a defesa questionou a falta de provas concretas apresentadas pelo Ministério Público. As advogadas Juliane Oliveira e Miriam Souza afirmaram que não há testemunha ocular, que a denúncia é baseada em suposições e que Cupertino é um cidadão comum. Disseram ainda que ele fugiu por medo de linchamento midiático e circulou por dez estados e dois países. Criticaram também a ausência de análise pericial das cápsulas encontradas no local do crime.
Durante a tréplica, Cupertino permaneceu calado ao lado das advogadas e se emocionou ao saber que a filha retirou seu sobrenome. Em determinado momento da argumentação, ele abaixou a cabeça e esfregou as mãos no rosto. A defesa mostrou uma carta escrita pela sobrinha dele dizendo o quanto o Cupertino era amoroso, além de imagens da prisão, alegando comemoração indevida por parte da polícia.
O primeiro julgamento de Cupertino em 2024 foi anulado pela Justiça e remarcado para essa semana após o réu demitir seu advogado ainda no plenário.
Julgamento de Paulo Cupertino acontece no Fórum Criminal da Barra Funda.
Lucas Jozino/TV Globo
O ator era conhecido na mídia por ter interpretado o personagem Paçoca na novela “Chiquititas”, do SBT, e trabalhado em um famoso comercial de TV em que uma criança pede brócolis à mãe. Ele também atuou em novelas da Globo, como “Pé na Jaca”, “Cama de Gato” e o especial de fim de ano “O Natal do Menino Imperador”.
Cupertino está preso preventivamente no Centro de Detenção Provisória (CDP) de Guarulhos, na Grande São Paulo.
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