
Gustavo Volpato Mello, ex-sócio do Grupo Hygea, revelou que empresa pagou propina ao vereador em contratos com os municípios de Colombo, São José dos Pinhais e Araucária. Vereador não se manifestou. Delator diz que vereador de Curitiba recebia propina
O empresário Gustavo Volpato Mello, ex-sócio do Grupo Hygea, revelou em delação premiada que a empresa pagou propina ao vereador de Curitiba Pier Petruzziello (PP) em diversos contratos na área da saúde com prefeituras da região metropolitana.
Os municípios citados na deleção são Colombo, São José dos Pinhais e Araucária.
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O depoimento, obtido pela RPC, afilada da TV Globo no Paraná, detalha supostos repasses mensais em dinheiro vivo entregues diretamente ao parlamentar ou por meio de assessor.
Os depoimentos foram dados ao então chefe da Divisão de Combate a Corrupção (Decor), da Polícia Civil do Paraná (PC-PR), e acompanhado pelo Ministério Público do Paraná (MP-PR), que deu aval ao acordo já homologado pela Justiça.
Leia, abaixo, detalhes da delação:
Pagamentos em espécie e contratos milionários
Participação do vereador em contratos de outros municípios
Ligação com a UPA da CIC e a Polícia Federal
O que dizem os citados
Pagamentos em espécie e contratos milionários
Segundo o delator, os pagamentos começaram por volta de 2014, quando ele passou a atuar na área financeira do Grupo Hygea, responsável por contratos com os municípios de Colombo, São José dos Pinhais e Araucária.
A partir deste período, contou que começou a identificar movimentações suspeitas na contabilidade do grupo e que todas eram ordenadas por Tiago.
Gustavo afirma ainda que os saques suspeitos eram identificados com a sigla de cada município e anotados como “participação nos lucros”.
“Por exemplo, solicitava saque em espécie. Tiago assinava um cheque e dizia: ‘Saca lá pra mim e traz’. E todo cheque que ele fazia, ele botava a sigla do município, e a partir disso, eu fui fazendo um controle à parte […] porque nesse período eu comecei a ter uma certa desconfiança da operação que ele estava transcorrendo e fiz isso pra uma segurança minha. Esses saques eram feitos não só no CNPJ da Hygea, eram várias empresas”, contou.
O delegado perguntou ao delator se entre os destinatários dos saques suspeitos estavam políticos e outros agentes públicos. Gustavo confirmou que sim, pois os valores eram mensais e que alguns recebimentos ocorriam no escritório e, em outros casos, eram levados até a pessoa que era destinatário.
Gustavo Volpato Mello e Pier Petruzziello
Reprodução/RPC e Rodrigo Fonseca/CMC
Gustavo passou, então, a detalhar contratos que a Hygea assinou com as prefeituras de Colombo, São José dos Pinhais e Araucária.
No caso de Colombo, o valor original do contrato para prestação de serviços de saúde, entre 2013 e 2015, era de R$ 8,4 milhões, e recebeu um aditivo de R$ 4,2 milhões.
Parte do dinheiro, segundo Gustavo, era entregue em envelopes na sede da empresa, com destino ao vereador. Pier, na época, estava no primeiro mandato.
O delegado disse a Gustavo que, pelas anotações e cálculos, o valor era de cerca de R$ 384 mil e perguntou se ele se recorda dos fatos.
“Recordo sim. Esses saques eram muito próximos do percentual fixo do contrato, que era 10% . Então, era feito todo final de fechamento de contrato mensal a apuração de resultado e, desse resultado, sempre era incluído na conta ‘gerente’ esse percentual, que automaticamente era feito um cheque pra fazer um saque bancário. O vereador tinha uma participação também financeira nesse contrato”, revelou.
Atualmente, Pier Petruzziello está no quarto mandato.
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Pier Petruzziello
Reprodução/RPC
Participação do vereador em contratos de outros municípios
O delator afirma que Petruzziello aproximava os empresários das prefeituras e intermediava os contratos.
“Ele ia lá e buscava o município e apresentava pro Tiago. A forma como eles arquitetavam como vai ser a contratação, isso era lá com o Tiago, a gente não participava disso. Aí só chegava depois ao nosso conhecimento: ‘Olha, saca isso aqui que vai ser lá pra Colombo e isso aqui o Pier vai passar pra pegar ou alguém vai passar pra pegar aqui'”, disse.
Em planilhas entregues por Gustavo aos investigadores, apontou o suposto pagamento de propina em, pelo menos, 11 contratos que somavam mais de R$ 30 milhões, firmados entre a Hygea e empresas do mesmo grupo e a prefeitura de São José dos Pinhais, entre 2013 e 2015.
Nas planilhas também anotou os saques suspeitos que, segundo ele, entravam na contabilidade oficial do grupo como “participação nos lucros”.
Segundo o delator, um assessor era o responsável pela logística de entrega do dinheiro vivo para Pier e outros agentes públicos envolvidos.
“Quando começou a aumentar o volume do contrato e, consequentemente, o valor em espécie, o Tiago já não queria fazer essa entrega também, aí que veio a opção do assessor do Pier fazer isso. Pegava o envelope, recebia R$ 2 mil, pegava o envelope e deixava na secretaria de administração. E a parte do Pier, ou o vereador passava pra pegar ou era entregue pro assessor”, falou.
Gustavo Volpato Mello
Reprodução/RPC
Em Araucária, os contratos com a Hygea ultrapassaram os R$ 25 milhões, também entre 2013 e 2015. O vereador também recebeu propina em dinheiro vivo, segundo o delator.
“Só vinha o valor pra ser sacado e tinha a anotação que era de Araucária. Sei que quem fez o intermédio disso foi o vereador Pier. No início, desde o primeiro contrato emergencial, houve esse favorecimento e, desde então, ele recebia uma quantia mensal que ele ou o assessor buscavam no escritório. Era um valor um pouquinho maior que os outros contratos”, disse.
Servidores e intermediários que lidavam com a rotina dos contratos e das licitações também foram beneficiados, mas o delator informou que, por não ter contato direto, não saberia dizer os nomes.
Ligação com a UPA da CIC e a Polícia Federal
Em 2017, a Câmara Municipal de Curitiba aprovou uma mudança na lei que permitiu a contratação de organizações sociais para cuidar de parte dos serviços públicos de saúde da capital.
O projeto do executivo tramitou em regime de urgência, a pedido de Pier. Na época, ele era o líder do prefeito na Câmara. No ano seguinte, amparado por essa mudança na lei, o Instituto Nacional de Ciências da Saúde (INCS), passou a cuidar da gestão da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Cidade Industrial de Curitiba (CIC).
UPA CIC
Reprodução/RPC
O contrato, de mais de R$ 1,5 milhão por mês, chamou a atenção da Polícia Civil, que também virou alvo da Polícia Federal.
Em dezembro de 2024, uma operação feita em conjunto com a Receita Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU), a PF cumpriu 16 mandados de busca em Curitiba, região metropolitana e cidades do interior de São Paulo.
Para a PF, que investigava os contratos do INCS, o instituto produziu números falsos para desviar dinheiro do Sistema Único de Saúde (SUS) e, no caso da UPA da CIC, o instituto contou com a participação do grupo Hygea.
No interrogatório da delação, Gustavo Volpato afirmou que, quando o INCS foi selecionado pra cuidar da UPA da CIC, foi o vereador Petruzziello quem deu a notícia aos empresários ligados às empresas.
“O vereador Pier ligou para avisar ao Tiago o resultado antes da publicação, então ele teve acesso direto ao resultado”, disse.
O delegado perguntou se Pier estava acompanhando pessoalmente o resultado e Gustavo disse que sim.
O destino do inquérito que apura as possíveis fraudes expostas pelo delator está com o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PT).
O TJ precisa definir se a investigação vai ficar com um juiz de primeira instância ou se passa às mãos de um desembargador do tribunal, já que envolve prefeituras e a possível envolvimento de agentes públicos que possuem foro privilegiado.
Justiça Federal do Paraná
Reprodução/RPC
O que dizem os citados
O vereador Pier Petruzziello não se manifestou sobre as acusações até a publicação desta reportagem.
Em nota, a Prefeitura de São José dos Pinhais informou que o Grupo Hygea prestou serviços entre 2012 e 2017 e que desde então não há mais vínculo. Disse desconhecer investigações e que não foi notificada.
A Prefeitura de Colombo confirmou contratos por dispensa de licitação entre 2013 e 2015 na gestão anterior, mas disse que na atual administração não há relação com a empresa.
A Prefeitura de Araucária declarou que o grupo Hygea não presta serviços ao município desde 2018.
A Prefeitura de Curitiba afirmou que todos os contratos têm cláusulas anticorrupção e que o contrato com o INCS (entre 2018 e 2022) foi feito via chamamento público, fiscalizado e acompanhado por comissões.
O TJ-PR afirmou que nenhum processo com o nome da empresa Hygea foi localizado e, quanto às investigações que envolvem agentes público, reafirmou que não comenta processo em trâmite.
A Secretaria Municipal da Saúde de Curitiba disse que todos os contratos firmados entre a Prefeitura e empresas ou organizações privadas têm cláusulas anticorrupção, baseadas em normas legais.
A Secretaria da Saúde reiterou ainda que manteve contrato com o INCS entre 2018 e 2022, e que o contrato foi feito via chamamento público, fiscalizado e acompanhado por comissões.
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