
Falta de transparência, desconhecimento do processo legislativo e cultura política centrada no Executivo estão entre os fatores que explicam o descompasso. Enquanto o Congresso Nacional assume cada vez mais protagonismo nas decisões políticas e no controle do orçamento público — com maior influência sobre pautas estratégicas e sobre a destinação de verbas —, a cobrança da sociedade sobre a atuação dos parlamentares continua tímida.
Especialistas ouvidos pelo g1 apontam que, apesar do avanço do poder e do volume de recursos sob responsabilidade do Legislativo, ainda há um descompasso entre essa centralidade e o nível de fiscalização por parte da população e dos mecanismos de controle social.
Entre os motivos para essa desconexão estão a falta de transparência na distribuição das emendas parlamentares, a complexidade do sistema político e o sentimento de baixa representatividade.
Para o coordenador do Mestrado e Doutorado em Gestão e Políticas Públicas da FGV EAESP, Marco Antônio Teixeira, o problema vai além da transparência. Ele destaca o desconhecimento generalizado sobre o funcionamento do processo legislativo.
“A população, às vezes, espera rapidez em situações que não podem ser rápidas, porque há todo um procedimento, como, por exemplo, o trâmite de um projeto de lei”, afirma Teixeira.
A cientista política Beatriz Rey, pós-doutoranda na Universidade de São Paulo e pesquisadora associada à Fundação POPVOX, nos Estados Unidos, reforça:
“Temos uma carência muito grande de educação política no país. Nosso sistema federativo tem responsabilidades divididas entre União, estados e municípios. Além disso, o Congresso é bicameral — com Câmara e Senado. São muitas camadas de informação.”
Congresso aprova Orçamento 2025 com 50 bilhões de reais para emendas parlamentares
Segundo ela, a cultura presidencialista no Brasil faz com que os cidadãos cobrem ações e medidas diretamente do presidente, mesmo quando a responsabilidade é do Congresso.
“O eleitor brasileiro cobra o presidente da República. Isso historicamente fazia sentido, mas o equilíbrio de forças mudou. Hoje, o Congresso tem um peso decisivo, e os parlamentares precisam ser responsabilizados pelo que aprovam.”
O tamanho do Congresso também é um fator. Para o cientista político Leonardo Barreto, as decisões acabam diluídas entre muitos nomes, o que dificulta a cobrança individual.
“As medidas são divididas e pulverizadas naquele mar de gente. Fica mais fácil para a população visualizar e responsabilizar o Executivo. Essa é uma questão clássica da ciência política brasileira”, afirma.
Congresso ganha fatias do Orçamento
Nos últimos anos, o volume de recursos controlados diretamente por deputados e senadores aumentou significativamente, especialmente por meio das emendas parlamentares — individuais, de bancada e de comissão. Esses recursos são direcionados a obras e projetos nos redutos eleitorais dos parlamentares.
“Antes, o governo negociava a liberação das emendas, mas nem sempre executava. Agora, além do orçamento impositivo, há várias modalidades de emenda. O Legislativo ganhou mais poder — e mais responsabilidade”, diz Marco Antônio Teixeira.
Congresso Nacional ganhou peso na República nos últimos anos, com maior acesso ao Orçamento
Jornal Nacional/ Reprodução
Neste ano, cerca de R$ 50 bilhões foram reservados para emendas parlamentares. Desse total, R$ 39 bilhões são de pagamento obrigatório (emendas impositivas). Em 2015, o valor total era de R$ 9,7 bilhões.
🔎 As emendas individuais e as de bancada são impositivas — ou seja, o governo é obrigado a executá-las no ano.
🔎 Já as emendas de comissão não têm execução obrigatória e podem ser contingenciadas, caso o governo avalie que não conseguirá cumprir a meta fiscal.
Para Beatriz Rey, a ampliação do poder orçamentário do Congresso exige maior vigilância da sociedade.
“Temos um Congresso mais ativo, que precisa ser cobrado. Os parlamentares não podem ter esse nível de controle de recursos públicos sem prestar contas à população.”
Desde o ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem suspendido a execução de emendas que não permitem rastreio. A corte determinou que os critérios para distribuição dos recursos devem ser mais claros, para que seja possível saber quem fez o repasse, onde o dinheiro foi aplicado e se houve desvio.
O papel da população
Especialistas defendem o fortalecimento dos mecanismos de participação e fiscalização como forma de equilibrar o novo protagonismo do Legislativo.
“A melhor maneira de cobrar é acompanhar o parlamentar que você elegeu. Isso pode ser feito inclusive de forma remota, por e-mail, redes sociais, plataformas cívicas. É preciso ocupar esses canais”, afirma Marco Teixeira.