
Com mais de 300 espécies, Brasil lidera em biodiversidade, mas carece de investimento para evitar desaparecimento desses insetos. Bruno Uehara durante visita na Escola de Vagalumes, em Okazaki
Bruno Uehara
Logo depois do pôr do sol, enquanto Kanagawa, uma das províncias mais urbanizadas do Japão, se acalma, o artista gráfico paulista Bruno Uehara coloca a lanterna de cabeça e segue para margens de pequenos rios. Ali, ele registra cada ponto luminoso que vê.
“Quando me mudei para a cidade de Isehara, na província de Kanagawa, em 2023, não havia praticamente nenhum dado sobre vagalumes na plataforma iNaturalist. Hoje já contribuí com mais de duas mil observações”, conta.
O esforço de Bruno não é hobby: ele quer mostrar que, mesmo cercadas de concreto, as cidades ainda podem abrigar esses besouros bioluminescentes, e que pequenos gestos de cidadania científica podem fazer diferença.
Inspirado pelo modelo japonês, Bruno passou a registrar sistematicamente a biodiversidade noturna usando o iNaturalist, rede global de ciência cidadã
Bruno Uehara
A preocupação faz sentido. Estudos recentes mostram que muitas populações de vagalumes estão em declínio ao redor do mundo, sobretudo por causa da urbanização desordenada, do uso de pesticidas e da poluição luminosa e de rios.
“Os vagalumes necessitam de locais escuros para serem notados por seus parceiros. Nos ambientes urbanizados isso se torna um desafio, já que eles não conseguem competir com nossas luzes artificiais. Eles acabam sendo ofuscados, e como consequência seu sucesso reprodutivo nesses locais é drasticamente prejudicado”, explica Bruno.
Outra forma de poluição que, mesmo sendo menos abordada, também gera grande impacto, é a poluição de rios e áreas alagadiças como os brejos.
Os vagalumes são estudados desde a antiguidade
Getty Images via BBC Brasil
De acordo com Bruno, as larvas de várias espécies de vagalumes estão diretamente associadas a esses ambientes aquáticos e não toleram certos níveis de contaminação, como os gerados através do despejo de esgoto, de resíduos industriais e até mesmo de agrotóxicos.
“Eles são bioindicadores, ou seja, onde há vagalumes, há água limpa e vegetação preservada. Perder esse brilho é um recado de que perdemos bem mais”, alerta.
A geração que pode crescer sem vagalumes
Nos anos 1960, a cidade de Nabari, na província de Mie, quase perdeu seus vagalumes por conta do avanço da urbanização. O morador Masao Yoshioka, então com 50 anos, iniciou sozinho um programa de recuperação que, duas décadas depois, contabilizava 30 mil indivíduos por temporada.
Histórias de sucesso assim convivem com alertas sombrios. Crianças nascidas após 2010 em grandes centros podem nunca ver um vagalume ao vivo se a degradação continuar.
As espécies de vagalumes estão muito vulneráveis pela destruição dos seus habitats.
Keystone
“Já encontro jovens que só conhecem vagalumes por desenho animado. É um sinal de que estamos falhando”, diz Bruno.
Do fascínio de infância à escola dos sonhos
Nascido na Zona Leste de São Paulo, Bruno chegou ao Japão em 2017, em busca de melhores oportunidades de trabalho e qualidade de vida. Ele trabalha numa multinacional de autopeças durante o dia, mas sempre carregou a fascinação pelos insetos.
“Nunca fui entomólogo profissional, mas desde criança eu ficava hipnotizado pela luz dos vagalumes”, lembra.
O contato mais profundo de Bruno com os vagalumes veio em Okazaki, onde descobriu uma Escola de Vagalumes chamada Hotaru Gakkō
Bruno Uehara
O contato mais profundo veio em Okazaki, onde descobriu uma Escola de Vagalumes chamada Hotaru Gakkō, que é mantida pela prefeitura desde 2012.
“Foi a primeira vez que vi um centro inteiro dedicado a ensinar sobre esses insetos. Aquilo me mostrou o poder da educação ambiental bem-feita”, diz.
Ciência cidadã
Inspirado pelo modelo japonês, Bruno passou a registrar sistematicamente a biodiversidade noturna usando o iNaturalist, rede global de ciência cidadã.
Os dados vão muito além da fotografia bonita. Como vagalumes aparecem só por algumas semanas ao ano, o olhar de voluntários espalhados aumenta a chance de descobrir novas populações ou perceber declínios.
Laboratório da Escola de Vagalumes
Bruno Uehara
“Só um pesquisador não conseguiria cobrir dezenas de pontos ao mesmo tempo. Quando cidadãos se envolvem, o alcance se multiplica”, explica.
Vagalume-Genji: a espécie mais popular do Japão
A espécie-símbolo do Japão é o vagalume-Genji (Nipponoluciola cruciata). As larvas vivem submersas em rios limpos, alimentando-se de pequenos caramujos.
Os adultos aparecem entre maio e junho e sincronizam flashes esverdeados que rendem fotos de longa exposição espetaculares.
A espécie-símbolo do Japão é o vagalume-Genji (Nipponoluciola cruciata)
Bruno Uehara
“Eles precisam de água pura e pouca luz artificial. Encontrá-los em plena região metropolitana mostra que ainda há bolsões de natureza resiliente”, diz Bruno.
Ele também observa o vagalume-Heike (Aquatica lateralis), ligado a canais de arrozais, e o vagalume-Hime (Luciola parvula), de ciclo totalmente terrestre em bosques.
Em diversas regiões do Japão, onde há populações significativas e estáveis de vagalumes próximas a áreas urbanizadas, iniciativas das comunidades locais instalam placas alertando que a iluminação pública será reduzida ou desligada durante a temporada reprodutiva e pedem que os visitantes não capturem os insetos.
Em diversas regiões do Japão, iniciativas locais instalam placas alertando que a iluminação pública será reduzida ou desligada durante a temporada reprodutiva e pedem que os visitantes não capturem os insetos
Bruno Uehara
A placa diz: “não leve os vagalumes para casa. Os vagalumes daqui são protegidos por toda a comunidade local. Quando adultos, eles vivem apenas de 1 a 2 semanas. Para que possamos vê-los novamente no próximo ano, por favor, não os capture nem os leve embora”.
“Foi a primeira vez que vi sinalização alertando sobre a nossa ameaça aos insetos, e não o contrário”, destaca Bruno.
Gigante em biodiversidade, pequeno em apoio
Comparar números dá dimensão do desafio brasileiro. O Japão tem cerca de 50 espécies catalogadas, mas investe pesado em pesquisa e educação.
O Brasil registra mais de 300 espécies, espalhadas por biomas como Amazônia e Cerrado, mas com poucos projetos de longo prazo.
O Japão tem cerca de 50 espécies catalogadas e investe pesado em pesquisa e educação
Bruno Uehara
“Se o Brasil tem dez vezes mais espécies, o Japão parece ter dez vezes mais investimento”, aponta Bruno.
Como reacender o brilho dos vagalumes no Brasil
Bruno acredita que a mudança começa na escolha de representantes políticos comprometidos com a agenda ambiental, mas há gestos simples: reduzir luz externa desnecessária, preservar vegetação de quintal, apoiar mapeamentos de biodiversidade e compartilhar registros em redes de ciência cidadã.
“As pessoas só protegem o que conhecem. Precisamos levar a história dos vagalumes para além dos círculos acadêmicos”, diz.
Os vagalumes são um grupo de besouros que ocorrem em todo o mundo
Ruiruito/ Getty Images
Ele sonha em ver iniciativas semelhantes às que ocorrem no Japão se multiplicarem no Brasil. “Se uma única pessoa, bem orientada, conseguiu recuperar milhares de vagalumes aqui, por que não poderíamos fazer o mesmo aí?”, indaga.
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