PF identificou mais de 60 mil consultas ilegais feita pela ‘Abin paralela’ entre 2019 e 2021 que usava vulnerabilidade de aparelhos de celular


Relatório da PF mostra uso clandestino de sistema de geolocalização pela Abin sem ordem judicial; buscas atingiram autoridades, jornalistas e opositores. Relatório da PF aponta que ex-presidente e seu filho definiam alvos de espionagem ilegal em esquema da Abin
A Polícia Federal (PF) identificou que 60.734 consultas ilegais de geolocalização foram realizadas pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) entre 2019 e 2021. As buscas usaram o sistema “First Mile”, adquirido por dispensa de licitação por R$ 5,7 milhões, sem autorização judicial.
O sigilo do inquérito foi derrubado nesta quarta-feira (18) pelo ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo o relatório final entregue ao Supremo, o sistema foi operado de forma clandestina para rastrear a localização de celulares em tempo real, inclusive de figuras públicas como o próprio ministro, de Gilmar Mendes, de Jean Wyllys e do jornalista Leandro Demori.
Segundo a PF, parte das consultas ilegais serviram para proteger e blindar integrantes do chamado “núcleo político” do governo de Jair Bolsonaro (PL), que era integrado, entre outros, pelo próprio ex-presidente e pelo filho e vereador Carlos Bolsonaro. O
O relatório aponta que a estrutura paralela de inteligência da Abin foi usada para atender interesses pessoais, políticos e eleitorais desse grupo, inclusive com ações voltadas a monitorar opositores e obter informações sigilosas de investigações sensíveis.
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A PF identificou 34 perfis de acesso, ligados a servidores da Abin. O principal operador foi responsável por 33.225 consultas — mais da metade do total.
As buscas foram feitas com login pessoal e sem registro em ordens oficiais de operação. A maioria dos nomes está ligada ao chamado “núcleo da estrutura paralela de inteligência” montado na agência, segundo a PF.
As buscas ocorreram entre fevereiro de 2019 e abril de 2021. O uso mais intenso foi registrado em outubro de 2020, mês eleitoral, segundo laudo pericial da PF.
A Polícia aponta que o sistema foi usado para:
monitorar opositores do governo Bolsonaro;
acompanhar a movimentação de ministros do STF e do TSE;
identificar jornalistas e servidores públicos;
proteger o chamado “núcleo político” da gestão federal à época.
O Instituto Nacional de Criminalística, segundo o inquérito, fez engenharia reversa no sistema e concluiu que ele permitia invasões de dados protegidos por sigilo constitucional, como a localização em tempo real de celulares.
“Trata-se de um sistema de vigilância clandestina, que violava a reserva de jurisdição e burlava mecanismos legais de controle”, diz o relatório.
Quais crimes cometidos
A Polícia Federal aponta indícios de crimes como:
organização criminosa;
interceptação clandestina;
invasão de dispositivo informático;
violação de sigilo funcional;
e embaraço à investigação.
Como funcionava o First Mile
O “First Mile” foi desenvolvido pela empresa israelense Verint Systems e comercializado no Brasil pela Suntech. A tecnologia explorava brechas técnicas no protocolo SS7 — uma vulnerabilidade em redes de telefonia — para acessar, sem conhecimento das operadoras, a localização de qualquer dispositivo móvel.
Essa forma de atuação, segundo a PF, viola o princípio constitucional da reserva de jurisdição, que exige ordem judicial para acesso a dados protegidos por sigilo. Mesmo assim, o sistema foi amplamente utilizado para fins diversos e fora do controle institucional.
A ferramenta permitia:
identificar a célula de telefonia em que o aparelho estava;
montar rotas e padrões de deslocamento;
configurar alertas de proximidade (“geofencing”);
cruzar movimentações de múltiplos alvos.
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