Existe um centro no Universo? Por que essa questão científica desafia os limites da nossa imaginação


Nossos cérebros foram projetados para pensar separadamente no tempo e no espaço. Mas, no Universo, ambos estão entrelaçados em um único tecido, chamado “espaço-tempo”. O espaço tem quatro dimensões: comprimento, largura, altura e tempo.
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Cerca de um século atrás, os cientistas lutavam para conciliar o que parecia ser uma contradição na teoria da relatividade geral de Albert Einstein (1879-1955).
Publicada em 1915 e já amplamente aceita na época por físicos e matemáticos de todo o mundo, a teoria considerava que o Universo é estático — constante, imóvel e imutável.
Resumidamente, Einstein acreditava que o tamanho e a forma atual do Universo seriam mais ou menos os mesmos que sempre foram.
Mas, quando os astrônomos observavam galáxias distantes no céu noturno, com potentes telescópicos, eles encontravam indicações de que o Universo não tinha estas características. As novas observações sugeriam exatamente o oposto — que ele, na verdade, estaria se expandindo.
Os cientistas logo perceberam que a teoria de Einstein, na verdade, não afirmava que o Universo precisaria ser estático. Ela poderia também sustentar um Universo em expansão.
E, de fato, usando as mesmas ferramentas matemáticas fornecidas pela teoria de Einstein, os cientistas criaram novos modelos que demonstraram que o Universo, na verdade, é dinâmico e está em evolução.
Passei décadas tentando entender a relatividade geral, incluindo durante meu emprego atual, como professor de Física, responsável por ministrar cursos sobre este tema.
Sei que tentar envolver sua cabeça com a ideia de um Universo em expansão contínua pode parecer assustador. E parte deste desafio é superar a sua intuição natural sobre como as coisas funcionam.
É difícil, por exemplo, imaginar algo tão grande como o Universo sem que ele tenha um centro, mas os físicos afirmam que esta é a realidade.
O espaço entre as galáxias
Vamos começar definindo o que representa “expansão”.
Na Terra, “expansão” significa que algo está ficando maior. E, em relação ao Universo, é parcialmente verdade.
Expansão também pode significar que “tudo está se afastando de nós”, o que ocorre em relação ao Universo. Se você apontar um telescópio para galáxias distantes, todas elas irão parecer estar se movendo para longe de nós.
Além disso, quanto mais distantes estivermos, maior parece ser sua velocidade de movimentação.
Aquelas galáxias também parecem estar se movendo em relação às demais. Por isso, é mais correto dizer que tudo no Universo está se afastando de todo o resto, em um só movimento.
Esta é uma noção sutil, mas fundamental.
É fácil pensar na criação do Universo como a explosão de fogos de artifício. Tudo começa com um big bang e, depois, todas as galáxias do Universo voam em todas as direções, a partir de um ponto central.
Mas esta analogia é incorreta. Ela supõe erroneamente que a expansão do Universo teria se iniciado em um único ponto, o que não é verdade. E ainda sugere que as galáxias é que estão se movendo, o que não é bem assim.
Não é que as galáxias estejam se movendo em relação as demais. Na verdade, o espaço entre as galáxias — o tecido do próprio Universo — está sempre se expandindo com o passar do tempo.
Em outras palavras, não são as galáxias que estão se movendo pelo Universo. O próprio Universo é que as carrega para mais longe, à medida que se expande.
Existe uma analogia comum. Imagine colar alguns pontos na superfície de um balão.
Conforme você sopra ar no balão, ele se expande. Mas, como os pontos estão fixos sobre a sua superfície, eles ficam mais distantes.
Pode parecer que eles se movem, mas os pontos, na verdade, ficam exatamente onde você os colocou. A distância entre eles é que fica maior, simplesmente porque o balão se expandiu.
Um ponto de partida para entender a expansão do Universo é compará-lo com um balão repleto de pontos.
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Agora, pense nos pontos como galáxias e no balão como o tecido do Universo. Você começará a ter uma ideia deste quadro.
Esta analogia é um bom começo, mas, infelizmente, também não oferece todos os detalhes.
A quarta dimensão
Como em qualquer analogia, é importante compreender suas limitações.
Algumas de suas falhas são óbvias. O balão é suficientemente pequeno para que você possa pegá-lo nas mãos — e o mesmo não acontece com o Universo.
Existe outra falha mais sutil. O balão tem duas partes: a superfície de látex e seu interior, cheio de ar. E, na linguagem da matemática, as duas partes do balão são descritas de forma diferente.
A superfície do balão é bidimensional. Se você andasse sobre ela, você poderia se mover para frente, para trás, para a esquerda ou para a direita, mas não conseguiria se movimentar para cima ou para baixo sem sair da superfície.
Pode parecer que estamos indicando aqui quatro direções: para frente, para trás, para a esquerda e para a direita. Mas estes são apenas movimentos ao longo de dois trajetos básicos, lateral e longitudinal. É o que forma uma superfície bidimensional: comprimento e largura.
Já o interior do balão é tridimensional. Por isso, você conseguiria se mover livremente em qualquer direção, incluindo para cima ou para baixo (no comprimento, largura e altura).
É aqui que reside a confusão. O que pensamos ser o “centro” do balão é um ponto qualquer no seu interior, no espaço cheio de ar abaixo da superfície.
Não são as galáxias que se afastam umas das outras, mas o espaço entre elas, o tecido do próprio Universo, que se expande com o passar do tempo.
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Mas, nesta analogia, o Universo se parece mais com a superfície de látex do balão.
O interior do balão, cheio de ar, não tem correspondente no nosso Universo. Por isso, não podemos usar esta parte da analogia. Apenas a superfície interessa.
Por isso, perguntar “qual é o centro do Universo?” é como questionar “onde está o centro da superfície do balão?”. Simplesmente, ele não existe.
Você pode viajar ao longo da superfície do balão em qualquer direção, pelo tempo que quiser, sem nunca encontrar um local que poderá chamar de centro. Na verdade, você nunca irá sair da superfície.
Da mesma forma, você pode viajar em qualquer direção pelo Universo e nunca encontrará o seu centro, já que, como na superfície do balão, simplesmente não há um ponto central no Universo.
Parte desta dificuldade de compreensão vem da forma em que o Universo é descrito na linguagem da matemática.
A superfície do balão tem duas dimensões e o interior tem três, mas o Universo existe em quatro dimensões. Não se trata apenas de como tudo se move no espaço, mas de como as coisas se movimentam no tempo.
O Universo existe há 13,7 bilhões de anos e continua a se expandir. Os cientistas ainda tentam entender os motivos.
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O nosso cérebro foi configurado para pensar no tempo e no espaço separadamente. Mas, no Universo, eles estão interligados em um único tecido, chamado “espaço-tempo”.
Esta unificação altera a forma de funcionamento do Universo, em relação ao que espera a nossa intuição.
Mesmo com esta explicação, não chegamos sequer a começar a responder à pergunta de como algo pode se expandir indefinidamente. Os cientistas ainda estão tentando descobrir o que alimenta esta expansão.
Por isso, quando perguntamos sobre o centro do Universo, estamos confrontando os limites da nossa intuição.
A resposta que encontramos — tudo se expande, em toda parte, tudo de uma vez — é um vislumbre de como o nosso Universo é estranho e belo.
* Rob Coyne é professor de Física da Universidade de Rhode Island, nos Estados Unidos.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em inglês).
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