Lorde lança seu álbum mais íntimo e quase nos convence de que a conhecemos de verdade


‘Virgin’ tem relatos honestos sobre transtorno alimentar, sexo, traumas e problemas com a mãe. São narrativas que ajudam a traduzir angústias de geração confusa; leia crítica. Lorde surge mais honesta do que nunca em álbum ‘Virgin’
Título: “Virgin”
Artista: Lorde
Nota: 8/10
Lorde é um tipo raro de artista pop. Em suas músicas, ela se expressa bem ao ponto de quase nos convencer de que a conhecemos de verdade. Agora, no álbum “Virgin”, lançado nesta sexta-feira (27), mais do que nunca.
Desde que estourou em 2013 com o hit anticapitalista “Royals”, a neozelandesa se destacou pelo olhar original sobre a indústria do pop. Lorde tinha 16 anos na época e quem parou de acompanhar talvez não saiba que, nos anos seguintes, ela lançou discos aclamados pela crítica e se tornou uma das compositoras mais influentes dessa geração.
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Mas, se no primeiro sucesso a cantora criticava o mundo de ostentação dos medalhões do pop, depois ela mesma se moldou a alguns padrões desse universo. Aliou-se ao produtor Jack Antonoff, parceiro de nomes como Taylor Swift, Sia e Lana Del Rey, e passou a vender — embora mantendo um bom nível criativo — reflexões um tanto enlatadas.
Lorde para a música ‘What Was That’, de 2025
Divulgação
Na melancolia de “Melodrama” (2017) e nos tons vibrantes de “Solar Power” (2021), os discursos romantizados ficaram com cara de desabafos feitos para o Instagram. Bem escritos, sim, mas sem aquele que algo que tornam os relatos realmente íntimos.
É por isso que “Virgin”, seu quarto disco, é uma virada tão poderosa. Se Lorde é nossa amiga, paramos de acompanhar sua vida pelo Instagram e passamos a conversar com ela na mesa de bar. A capa mostra a radiografia da região pélvica de alguém usando um DIU. A mensagem é clara: ela quer se mostrar até os ossos, mas isso não é só papo de identidade visual.
No trabalho, a cantora — agora aos 28 anos — fala com franqueza sobre transtorno alimentar: “Passei o verão fazendo contas, perder peso exigiu tudo que eu tinha”, ela conta em “Broken glass”. Também fala de sexo e desejos num ponto de vista encantadoramente biológico: “O asfalto está quente, o Sol está em Mercúrio. Não sei se é por causa do amor ou da ovulação”, diz em “Hammer”. Há até um relato sobre o absurdo emocional de fazer um teste de gravidez: a música se chama “Clearblue”.
“Virgin” também é um álbum de memórias. Algumas músicas dão a sensação de ouvir alguém que está ficando mais velho repassar as lembranças da juventude enquanto percebe novas perspectivas sobre essas histórias.
Em “Favourite daughter”, a cantora filosofa sobre todas as suas conquistas serem, na verdade, resultados do esforço contínuo para impressionar sua própria mãe — que, aliás, é personagem central do disco, cheio de reflexões sobre traumas geracionais.
São narrativas que ajudam a traduzir as angústias e anseios de uma geração confusa, como em outros trabalhos da artista. Mas Lorde nunca havia feito isso de forma tão madura e profunda.
Lorde em sessão de fotos para o disco ‘Virgin’
Thistle Brown/Divulgação
Musicalmente, “Virgin” também acompanha essa mudança. Lorde resgata o pop de sintetizadores que é marca do álbum “Melodrama”, mas constrói agora arranjos mais densos e texturizados. Há um equilíbrio melhor entre as batidas eletrônicas e o som orgânico dos instrumentos.
Em “Shapeshifter”, uma música eletrônica de batidas cruas vai ganhando mais e mais camadas melódicas à medida que a cantora acumula experiências amorosas na letra. O registro de sua voz também vai ficando mais complexo, indo dos sussurros aos sons super agudos no final. Aqui, a produção ajuda a enriquecer a experiência sensorial, que ela propõe nos discursos.
É possível que o “Virgin” não emplaque nenhum mega hit? Sim. Dessa vez, as músicas talvez não se encaixem tão bem nos posts de redes sociais. O disco também não é revolucionário, não traz elementos inéditos, não inaugura uma nova era do pop. Mas é um grande momento de uma grande artista. e isso já é ótimo.
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