PT escolhe novo presidente em meio ao desafio da popularidade e das eleições de 2026


Quase três milhões de petistas vão às urnas para definir direções partidárias em todo o país. Candidatos elencam disputa do próximo ano como principal tarefa da sigla. Mulher agita bandeira do PT durante protesto em 2016, em Belo Horizonte (MG)
Cristiane Mattos/Futura Press/Estadão Conteúdo
O Partido dos Trabalhadores (PT) vai às urnas neste domingo (6) para eleger novas direções em todo o país.
A disputa interna — qualquer que seja o resultado — abrirá um novo capítulo nos 45 anos de história da sigla. Após quase uma década sob a gestão de Gleisi Hoffmann, o PT terá um novo comandante nacional pelos próximos quatro anos.
Quase três milhões de filiados poderão depositar seus votos em urnas espalhadas por todos os estados e até mesmo no exterior. Em eleição direta, vence o candidato a presidente que alcançar mais de 50% dos votos válidos no primeiro turno.
O partido registrou quatro candidaturas ao maior cargo da estrutura interna. Cada candidato representa uma corrente diferente dentro do PT.
O eleito será responsável por conduzir os rumos da sigla nas eleições de 2026, avaliada internamente como uma das mais complexas e desafiadoras dos últimos anos. Entre todos os candidatos, há a defesa de que o partido precisa focar na campanha à reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Petistas também têm defendido que, além da candidatura de Lula, o futuro presidente do PT precisará se dedicar a reconectar a sigla com suas bases, fortalecer novas lideranças e preparar a legenda para uma era sem o seu principal nome.
Sem conseguir urnas eletrônicas, o partido fará as eleições internas em cédulas de papel, com contagem manual e individualizada nos municípios. Há expectativa de que haja uma prévia do resultado na noite de domingo. Mas os dados consolidados devem ser conhecidos apenas na manhã de segunda-feira (7).
Cédula de votação das eleições internas do PT
Reprodução
Candidatos
O candidato favorito ao comando nacional da legenda é o ex-prefeito de Araraquara (SP) Edinho Silva, ligado à ala Construindo Um Novo Brasil (CNB). Dominante do partido, a CNB é formada por nomes como Gleisi e Lula.
Edinho é visto pelos pares como um petista de perfil moderado e defensor da ampliação das pontes de diálogo do partido com outras alas da política nacional.
Ex-tesoureiro da campanha de Dilma Rousseff e ex-ministro, ele tem defendido uma modernização do PT. Edinho Silva também tem avaliado que a sigla se distanciou de suas bases e que o partido precisa corrigir a estratégia.
O ex-prefeito de Araraquara, Edinho Silva (PT)
Reprodução/EPTV
A candidatura de Edinho ganhou corpo e foi maturada ao longo de meses. O ex-ministro do governo Dilma foi alvo de resistência dentro da CNB e enfrentou obstáculos para consolidar uma unidade em torno de seu nome.
A fervura interna só baixou em abril, com dedo do próprio presidente Lula — um dos maiores entusiastas de Edinho Silva — e a retirada de candidatura do prefeito de Maricá (RJ), Washington Quaquá.
Para o ex-prefeito de Araraquara, o partido terá como prioridade clara em 2026 a reeleição de Lula.
“O maior desafio do PT é a reeleição do presidente Lula, e a construção de uma política de alianças que deve ser trabalhada estado por estado, considerando a realidade política de cada território. Além disso, precisamos fazer um debate franco e honesto com a sociedade brasileira”, avalia ao g1.
Além de Edinho, as eleições internas do PT também terão como candidatos a presidente:
Romênio Pereira — atual secretário de Relações Internacionais do partido e representante da Movimento PT;
Rui Falcão — deputado federal, ex-presidente da sigla e membro da corrente Novo Rumo;
e Valter Pomar — ex-vice-presidente do PT, dirigente nacional e integrante da Articulação de Esquerda.
Nesta disputa, o trio representa alas mais à esquerda do partido, com diferentes posicionamentos dentro deste espectro. Não é raro ouvir entre petistas que, enquanto Edinho Silva é o candidato da “continuidade”, as outras candidaturas cumprem um papel de pressionar a sigla a tomar posições mais radicais.
Romênio Pereira, Rui Falcão e Valter Pomar.
Divulgação, Bruno Spada/Câmara dos Deputados e Reprodução TvPT
Um sinal do descompasso entre essas forças, aponta uma liderança do partido, foi a divulgação nesta semana de uma carta que afirma que legendas da base aliada de Lula estão “tentando sufocar o governo”.
O documento, que criticava a derrubada de decretos sobre a alta do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), também incitava o Planalto a “substituir ministros cujos partidos fazem o jogo da direita e preparam uma candidatura bolsonarista contra Lula”. O texto não foi endossado por Edinho Silva.
Conjuntura de inclinação à esquerda
Candidatos participaram de debate interno no último dia 27 de junho.
Divulgação
Lincoln Secco, professor da Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro “História do PT”, avalia que o favoritismo de Edinho deve se confirmar nas eleições deste domingo.
Segundo ele, as quatro décadas da sigla mostram uma tendência a candidatos mais ao centro do espectro petista. Secco afirma que, por isso, o resultado do pleito interno será “previsível”.
Ele diz, no entanto, que o vitorioso deverá encontrar um partido e uma conjuntura política favorável a uma inclinação mais à esquerda.
“O PT, depois que se tornou partido de governo, ele não faz guinada — ou seja, uma mudança brusca. Ele faz uma inclinação a depender da conjuntura. E eu acho que a conjuntura aponta para uma inclinação leve à esquerda. E qualquer que seja o candidato eleito, essa inclinação leve à esquerda vai acontecer na campanha do próximo ano porque isso não depende só do PT e do governo. O lado de lá está radicalizado”, afirma Secco.
Ex-presidente do PT, Tarso Genro avalia que as bases do partido estão fundamentadas em conceitos históricos que não se aplicam mais ao mundo atual. Ele afirma que o partido tem reconhecido esse desafio, mas ainda não encontrou um “termo para unificar em cima de um novo projeto”.
“Essa eleição vai mudar um pouco, mas não vai mudar muita coisa. Até porque partidos são estruturas dinâmicas, grandes e complexas. Mas a verdade é que ninguém ainda entendeu de maneira integral como reestruturar o pensamento crítico e propor uma ideia de sociedade pós-socialismo tradicional e pós-capitalismo histórico. Acho que [a eleição] vai ser um marco para o partido, colocando-o mais próximo de uma solução”, diz o político.
Rui Falcão, Romênio Pereira e Valter Pomar têm feito críticas ao terceiro mandato de Lula e à demora interna do PT em embarcar na disputa de 2026. Candidato de Lula, Edinho tem minimizado as críticas.
Novo presidente do partido comandará a legenda para o período da sucessão do presidente Lula.
Pedro Kirilos/Estadão Conteúdo
Pomar defende que a eventual eleição de um nome dos campos de oposição à ala majoritária poderá aumentar as chances de o PT vencer as eleições de 2026. “Precisamos de um presidente e de um diretório nacional que tenham disposição de enfrentar a coalizão de direita e extrema-direita que já se formou contra nós”, afirma.
Rui Falcão avalia que o partido enfrenta “ilusões” com resultados de pesquisas que apontam preferência do eleitorado a Lula. Já Romênio Pereira argumenta que o PT precisa mudar e se atualizar para atender aos anseios de uma sociedade mais digital.
Edinho Silva diz defender não uma caminhada do partido ao centro, mas que que a sigla “amplie e fortaleça” o diálogo com aliados históricos e com as “forças políticas que garantiram a eleição do presidente Lula em 2022”.
“O que eu penso é que o PT precisa compreender a complexidade do momento que estamos vivendo. Primeiro, precisamos ampliar e fortalecer nossa capacidade de diálogo com os nossos aliados históricos. Precisamos retomar o diálogo com as forças políticas que garantiram a eleição do presidente Lula em 2022. Ou seja, criar um campo democrático de diálogo permanente, para que possamos garantir avanços para o país, para que possamos colocar os interesses do Brasil acima de quaisquer interesses”, diz.
Representatividade e sucessão
‘O sucessor de Lula é o PT, diz José Dirceu
A escolha do novo comando não representa apenas mais uma etapa da vida partidária no PT. A decisão vai colocar nos colos do eleito a responsabilidade de capitanear o partido nas disputas de 2026.
O escolhido tomará posse no encontro nacional da sigla, que ocorrerá nos primeiros dias de agosto. Desta reunião, deve sair um documento com a conjuntura e táticas eleitorais para o próximo ano.
As eleições de 2026 são colocadas como o maior desafio dos postulantes ao cargo de presidente nacional do PT. O partido defende a candidatura à reeleição ao Planalto de Lula, mas teme uma derrota.
Pesquisas recentes do Datafolha apontam que 57% dos brasileiros acham que Lula não deveria tentar se reeleger no próximo ano. O atual presidente da República lidera em todos os cenários mapeados pelo instituto no primeiro turno, mas reduziu sua vantagem em simulações de segundo turno. Na sexta-feira (4), o presidente afirmou que pretende disputar a reeleição.
Em agenda no Rio de Janeiro, o presidente Lula afirmou na sexta (4) que pretende governar por mais um mandato
Reprodução/Canal Gov
Dentro do partido, há uma avaliação compartilhada de que a sigla perdeu força junto a setores da sociedade e fundamentais para a legenda. Filiados também apontam que o partido não foi capaz de acompanhar as mudanças do mundo do trabalho e modernizar a sua comunicação.
“A margem de manobra do governo Lula é muito pequena, o espaço de diálogo é muito pequeno. Então, se o PT quer ganhar a eleição, ele vai ter que, de alguma forma, apelar um pouco para sua base social histórica, para suas bandeiras históricas”, afirma Lincoln Secco.
O professor da USP avalia que o PT está em uma “situação difícil” a longo prazo, com obstáculos para se conectar com a nova classe média. Hoje, segundo ele, o partido se mantém forte no eleitorado por uma “inércia”, pelo apelo histórico e por uma quase uníssona defesa de direitos sociais entre os partidos brasileiros.
“O PT tinha algum apoio de setores médios no início da sua história, mas perdeu. E ele não consegue compreender que existe uma parte da classe média, expressiva, que é de trabalhadores e renda média, é a classe trabalhadora, que paga imposto, que tem salário”, diz.
“O partido está numa situação muito difícil a médio prazo. A curto prazo, ele se mantém por essa inércia. Ele é um partido historicamente com apoio social dos trabalhadores mais pobres. Mas, a médio prazo, ele tem a dificuldade de lidar com os trabalhadores em renda média e de aprender a se comunicar com as novas formas. Saber o que comunicar e a forma de comunicar, isso atualmente ele não sabe”, acrescenta.
Diferente de outros momentos históricos em que o partido precisou combater escândalos, Tarso Genro acredita que, agora, a sigla tem como maior desafio resolver o “enigma” da sociedade atual.
“Houve uma mudança social em uma velocidade extraordinária. Acho que parte do PT não acompanhou. O partido precisa entender e saber combinar a condição de governo e ser de luta e movimento. Essa é a dinâmica. Precisa compreender o novo mundo do trabalho, as novas ansiedades do novo mundo, que vai sobrepujar o velho mundo social”, avalia o ex-governador do Rio Grande do Sul.
Reconexão com as bases
Os candidatos a presidente do PT têm defendido um realinhamento de estruturas internas para melhorar a interlocução com movimentos sociais e setores considerados como basilares para a sigla.
Favorito na disputa, Edinho Silva reconhece que a legenda passa por “dificuldades” e que houve um afastamento de setores sociais em relação ao partido. Para ele, a sigla tem de reconstruir pontes e “priorizar o diálogo com o Brasil real”.
Ele menciona que o partido precisa discutir novos modelos sociais e avançar em debates econômicos, como a redução da carga tributária e cortes em isenções e benefícios fiscais. Edinho também avalia que o PT precisa ter uma proposta própria para a segurança pública, um dos temas apontados como centrais nas eleições de 2026.
“Precisamos de uma orientação clara da direção partidária para que possamos retomar o trabalho de base, retomar a política de nucleação e voltar a disputar corações e mentes junto à base da sociedade, especialmente nas periferias, que sempre deram sustentação política às mudanças que o PT defende para a sociedade brasileira. Essa relação precisa ser fortalecida onde ela ainda existe e precisa ser reconstruída onde o partido se afastou”, afirma.
Pomar afirma que, entre os desafios da sigla, está a luta por um “Brasil soberano, democrático, com igualdade e bem estar social, desenvolvido, industrializado, integrado à América Latina e Caribe, comprometido com outra ordem mundial, um país socialista”.
O dirigente petista também defende que o partido tome lado em uma disputa de “pobres contra ricos”. “Vamos ganhar se desde agora estivermos do lado dos pobres contra os ricos, que vão apoiar outra candidatura em 2026”, diz.
Romênio Pereira afirma que o partido precisa se reencontrar com suas “raízes” e que a sigla tem como desafio atrair e mobilizar a militância. O atual secretário de Relações Internacionais da sigla argumenta que a sigla precisa fortalecer conexões com movimentos sociais e atualizar o seu discurso.
Ex-presidente do PT, o deputado Rui Falcão defende que o partido precisa fortalecer suas bases ideológicas e evitar discursos que empurrem a sigla para o centro — o oposto do que tem defendido Edinho Silva. Ele também afirma que a sigla tem de voltar a ser um partido de “massas”, com capilaridade em setores religiosos.
Adicionar aos favoritos o Link permanente.