Um ano após desastre ambiental no Rio Piracicaba, usina suspeita de poluição segue sem licença e multa milionária não foi paga


Usina apontada pela Cetesb como origem de poluição que matou 235 mil peixes recorreu contra multa e o recurso segue em análise. Para retomar licença, empresa precisa realizar adequações. Mortandade na APA do Tanquã é a maior registrada, segundo pescadores
Jefferson Souza/ EPTV
Um ano após um desastre ambiental matar 235 mil peixes em um santuário de animais no Rio Piracicaba, a multa de R$ 18 milhões aplicada à Usina São José (USJ), apontada pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) como a origem do poluente que desencadeou a mortandade, ainda não foi paga.
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A empresa entrou com recurso contra a multa aplicada em agosto de 2024, mas ele segue sob análise.
A companhia ambiental explicou que a empresa tem garantidas as seguintes possibilidades de defesa:
Recurso administrativo de primeira instância;
Recurso administrativo hierárquico;
Recurso no âmbito judicial.
“A Cetesb cobra administrativamente as multas após 30 dias da ocorrência do trânsito em julgado administrativo [quando não é mais possível recorrer]. Se o débito não for quitado, é inscrito no Cadin [Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal], protestado e inscrito na dívida ativa. […] Na dívida ativa, acontece a ação judicial onde pode ocorrer até a penhora de bens”, detalhou o órgão.
O g1 questionou a Cetesb sobre o motivo da análise do recurso se estender desde agosto de 2024, mas não houve resposta em relação a isso.
ARQUIVO: imagens aéreas mostram milhares de peixes mortos no Tanquã após despejo irregular, em julho de 2024
Licença segue suspensa
A companhia ambiental também informou que a licença de operação da Usina São José, localizada em Rio das Pedras (SP), permanece suspensa após a identificação de falhas estruturais e operacionais no sistema de tratamento de efluentes industriais.
“Para a regularização da atividade, a Companhia determinou a execução de um plano técnico de adequações, que prevê a reforma de tubulações e bombas, instalação de medidores em todos os pontos de lançamento, construção de um novo sistema de tratamento, entre outras intervenções. As ações estão em fase final de implantação e vêm sendo acompanhadas de forma direta pela equipe técnica da Cetesb”, acrescentou.
Imagem em relatório da Cetesb aponta que poluente partiu de usina e atingiu ribeirão
Reprodução/ Cetesb
Monitoramento na região
A Cetesb ainda afirmou que reforçou o monitoramento ambiental na região impactada.
“Ao ponto fixo já existente em Artemis, somou-se a instalação de uma nova sonda automática em Monte Alegre, ambas operando 24 horas por dia para o acompanhamento contínuo da qualidade da água. Também houve intensificação das fiscalizações conduzidas pela Agência Ambiental de Piracicaba, em articulação com a Prefeitura, o Ministério Público e o Comitê de Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ)”, detalhou.
Tanquã é considerado um santuário de animais
Edijan Del Santo/ EPTV
Usina fala em acusações ‘indevidas e injustas’
Em nota, a Usina São José (USJ) reiterou que “as acusações de responsabilidade sobre o incidente de mortandade de peixes ocorrida no dia 08/07/2024 são indevidas e injustas”.
A empresa apontou que a mortandade de peixes é um problema crônico na bacia do Rio Piracicaba, e que é decorrente da “má qualidade histórica e documentada das águas na região, agravada por diversas fontes de poluição locais até hoje existentes e completamente ignoradas”.
“O processo de investigação, ao contrário do que a boa técnica exige, não foi conduzido a partir da análise dos fatos, mas sim com uma busca precipitada por um suposto culpado, o que resultou na aplicação de uma multa desproporcional contra a USJ, a partir de uma legislação inaplicável ao caso concreto. A empresa contestou veementemente essa penalidade e apontou inconsistências jurídicas e técnicas na autuação”, acrescentou.
A USJ sustentou que todos os documentos e provas que apresentou até o momento não foram devidamente analisados pelas autoridades.
“A empresa defende o respeito ao princípio da presunção de inocência, constitucionalmente garantido, e reitera que todas as acusações devem ser provadas antes de qualquer julgamento definitivo. A USJ seguirá com sua defesa nos canais administrativos e confia que a verdade prevalecerá, respeitando o devido processo e as garantias legais. E, ciente de suas responsabilidades, reafirma seu compromisso com o meio ambiente e com as boas práticas de gestão ambiental”, concluiu.
Milhares de peixes mortos no Rio Piracicaba
g1
Raio x do desastre
253 mil peixes mortos: A estimativa é da Cetesb. Em peso, a agência fiscalizadora estima que são, pelo menos, 50 toneladas de peixes.
Nível zero de oxigênio: Análises da Cetesb constataram nível zero de oxigênio dissolvido na água (OD) ou próximo de zero, o que torna impossível a sobrevivência de animais aquáticos.
Forte odor, espuma e água escura: Entre as características na água, estão um forte odor característico de materiais industriais orgânicos, coloração escura da água e presença de espuma.
70 quilômetros de extensão: De acordo com relatório da Cetesb, a mortandade de peixes se estendeu por um trecho de 70 quilômetros, desde a foz do Ribeirão Tijuco Preto até a Área de Proteção Ambiental (APA) Rio Piracicaba-Tanquã.
10 dias de duração: A Cetesb detalha que os efeitos da carga poluidora no Rio Piracicaba foram percebidos por cerca de dez dias.
APA atingida equivale a 14 mil campos de futebol: A área de proteção do Tanquã, onde foi registrado o maior número de peixes mortos, ocupa uma área de 14 mil hectares, equivalente a 14 mil campos de futebol, nas cidades de Anhembi, Botucatu, Dois Córregos, Piracicaba, Santa Maria da Serra e São Pedro, no interior de São Paulo.
Santuário tem ao menos 735 espécies: Segundo o professor de ecologia da Esalq/USP Flávio Bertin Gandara, a APA do Tanquã é um santuário de animais porque eles encontram nela alimento e abrigo para se reproduzir. Também há mais de 300 espécies de plantas.
50 pescadores afetados: Entre Piracicaba e São Pedro, a colônia de pescadores tem cadastrados pouco mais de 50 pescadores que dependem do rio para viver, segundo representante do grupo.
R$ 18 milhões em multa: Além de ser considerada a poluição das águas e a mortandade dos peixes, no cálculo da multa, segundo a Cetesb, também foi considerado que empresa deixou de comunicar a ocorrência e que houve danos em uma área de proteção ambiental.
9 anos para recuperação: Segundo o analista ambiental Antonio Fernando Bruni Lucas, serão necessários até nove anos para a recuperação da quantidade de peixes no Rio Piracicaba.
Pescadores relatam reflexos de mortandade de peixes na APA Tanquã, em São Pedro
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