Carga, passageiros e turismo: futuro da antiga ferrovia Sorocabana depende de solução para a Malha Oeste


São 319 quilômetros de linha enferrujando entre Mairinque (SP) e Bauru (SP) e mais 1.306 da antiga Noroeste até Corumbá (MS) enquanto contrato de concessão, que vence em 1º de julho de 2026, não é relicitado. Iniciada há 150 anos, ferrovia Sorocabana vive de passado glorioso e marcas do abandono
Atualmente inativa em grande parte de sua extensão, a malha ferroviária da antiga Sorocabana é cobiçada para diferentes projetos de transporte de carga, passageiros e transportes turísticos. A federalização e concessão da antiga Ferrovia Paulista S.A. (Fepasa), no final dos anos 1990, dividiu a antiga EFS em corredores de transporte de carga no interior e litoral, enquanto os trilhos na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) ficaram dedicados ao transporte metropolitano de passageiros das atuais linhas 8 e 9.
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A linha Mairinque-Santos, com aproximadamente 150 quilômetros, compõe o maior corredor de exportação do agronegócio brasileiro e liga o norte e o centro-oeste do Brasil ao Porto de Santos (SP). O que contrasta com os 319 quilômetros de linha enferrujando entre Mairinque (SP) e Bauru (SP), no interior de São Paulo.
Eles fazem parte da chamada Malha Oeste, que passa por Sorocaba (SP) e Botucatu (SP) e era utilizada para o transporte de celulose entre o Mato Grosso do Sul e o Porto de Santos até 2022 pela empresa Rumo.
Trecho Mairinque-Bauru da atual Malha Oeste origina-se na antiga Estrada de Ferro Sorocabana (EFS)
Arte/g1
O contrato de concessão termina em 1º de julho de 2026 e já em 2020 a concessionária protocolou, junto à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), um pedido de adesão ao processo de relicitação (devolução) da concessão. No processo, a ANTT constatou que a infraestrutura da Malha Oeste, incluindo sua via permanente, encontra-se depreciada.
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Durante anos, a concessionária realizou investimentos em patamares insuficientes para a sua manutenção, o que acarretou perda da capacidade de transporte. Os últimos trens de celulose que passavam por Sorocaba vinham trafegando com velocidades abaixo do potencial, entre 15 km/h e 25 km/h, com grande limitação do volume de carga.
Trens de celulose desenvolviam velocidades baixas por má conservação de linhas
Eric Mantuan/g1
A consultoria contratada pela ANTT estima que sejam necessários R$ 18 bilhões em investimentos para recapacitar a ferrovia, que tem um total de 1.625 km de extensão, sendo 1.306 correspondentes à antiga linha-tronco da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (NOB), que liga Bauru a Corumbá. O novo contrato de concessão terá vigência por 60 anos.
“O processo de relicitação da Malha Oeste segue em desenvolvimento, conforme recomendação do Tribunal de Contas da União (TCU). A previsão é que o novo leilão ocorra em 2026. A medida visa garantir que a transição para um novo contrato não comprometa o transporte ferroviário na região, assegurando a continuidade dos serviços até a conclusão do novo processo de concessão”, informou o Ministério dos Transportes, em nota.
Malha Oeste tem infraestrutura depreciada segundo a ANTT
Eric Mantuan/g1
Entretanto, fontes ouvidas sob condição de sigilo pelo g1 alteram para o risco do leilão não ter interessados, em razão do alto investimento necessário para a recapacitação da ferrovia – que, na prática, é uma reconstrução, com alargamento de bitola (distância entre os trilhos, de 1 metro para 1,60 metro) e aquisição e locomotivas e vagões novos.
Nesse cenário, a concessão da Malha Oeste em trechos pode ser uma saída. “Ainda não há definição sobre o modelo do projeto a ser leiloado”, afirma o Ministério dos Transportes. Também estão sendo apurados os ativos e passivos da vigência do contrato de concessão, o que pode determinar uma indenização, a ser paga pela Rumo à União, pela depreciação da infraestrutura da malha.
Transporte de carga no trecho Mairinque-Bauru foi encerrado em 2022
Arte/g1
Alternativas
Transporte de passageiros turístico ou regular pode ser opção para a Malha Oeste
Desconsiderados no atual modelo de concessão do transporte ferroviário, que privilegia unicamente o transporte de cargas, os trens de passageiros e de turismo podem ajudar na viabilização da Malha Oeste em São Paulo desde que não encontrem entraves jurídicos com o novo concessionário.
É o que pensa Ewerton Henrique de Moraes, autor de tese sobre multicritérios para novos trens turísticos pela Universidade Federal do ABC (UFABC) e bolsista do CNPq em estágio de pós-doutorado na Universidade de Sevilha.
48% das linhas de bitola métrica no País estão sem circulação, segundo pesquisa
Arte/g1
Segundo sua pesquisa, que utiliza dados disponibilizados pela ANTT, 48% da malha ferroviária nacional de bitola métrica (1,00m) está sem tráfego e requer soluções. É o caso da Malha Oeste e, especialmente, dos 80 dos 319 quilômetros da ex-EFS onde se pretende implantar trens turísticos: os roteiros Sorocaba – Iperó, Laranjal Paulista – Boituva e Botucatu, que constam do Plano de Turismo Ferroviário do Estado de São Paulo, recentemente lançado pela Secretaria de Turismo e Viagens do Estado.
“O turismo é um caminho, mas precisa encontrar condições jurídicas favoráveis e infraestrutura viável. O tempo e a morosidade são o principal desafio. A cada dia sem circulação, as condições da via pioram, e maiores serão os custos para uma eventual retomada”, pontua, lembrando que casos de invasões de faixa de domínio e furtos de trilhos tem se agravado com a paralisação do tráfego.
Ewerton Henrique de Moraes, autor de tese sobre multicritérios para novos trens turísticos
Arquivo pessoal
“Desde 2010 se falam em trens turísticos nessa região. Naquele momento, a carga ainda circulava, diferente da paralisação vivida desde 2022. Contudo, o cenário legal sempre foi complexo, um desafio para as iniciativas. A legislação do setor exige primeiro um acordo com o concessionário, o Contrato Operacional Específico (COE), e só depois o projeto avança. O poder está desequilibrado”, aponta.
O governo estadual também considera outras possibilidades de uso para a Malha Oeste enquanto transporte de passageiros de alto carregamento, com o uso de 11,5 quilômetros de linha em Sorocaba pelo Trem Intercidades – Eixo Oeste (São Paulo – Sorocaba) e um serviço de Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT) entre Brigadeiro Tobias (bairro de Sorocaba) e Iperó, com 25 quilômetros de extensão.
O projeto mais avançado é o do TIC Oeste, com demanda projetada de 50 mil passageiros por dia e investimento estimado de R$ 11,9 bilhões que o estado tentará levantar com Parceria Público-Privada (PPP) mediante concessão por 30 anos. Conforme a Secretaria de Parcerias e Investimentos (SPI), a estimativa é publicar o edital e realizar o leilão no último trimestre de 2025, com assinatura do contrato no início de 2026.
Rafael Benini, secretário de Parcerias e Investimentos de SP
Bruna Sampaio/Alesp
“A consulta pública ocorreu durante o mês de maio e foi importante porque recebemos demandas da população local, como paradas do trem em Alumínio e Mairinque, onde vamos estudar a demanda e rever os estudos para inclui-las, assim como mudanças na estação de São Roque e uma parada em Barueri. Agora voltamos à prancheta para estudar isso melhor e explicar porque tomamos a decisão”, diz o secretário estadual de Parcerias e Investimentos, Rafael Benini.
Conforme o Ministério dos Transportes, as soluções de faixa de domínio para o futuro do projeto de passageiros, sejam elas de uso compartilhado, segregado ou exclusivo, serão discutidas “em momento oportuno entre os entes”, ou seja, os governos federal e estadual. Além dos 11,5 quilômetros de linha da Malha Oeste, o projeto do TIC Oeste também prevê a utilização do Complexo Ferroviário de Sorocaba pelo concessionário do serviço de passageiros.
Projeto do Trem Intercidades Oeste tem trecho de 11,5 km sobreposto ao da Malha Oeste em Sorocaba
Eric Mantuan/g1
Malha Sul
Ministério dos Transportes e ANTT discutem futuro da concessão da Malha Sul, que vence em 2027
Reprodução
Já os trechos da antiga Sorocabana entre Botucatu (SP) e Presidente Epitácio (SP), com 563 quilômetros, e Iperó (SP) a Pinhalzinho (PR), com 282 quilômetros, foram transferidos, nos anos 2000, para a Malha Sul, que também é explorada pela Rumo e encontra-se em fase de discussões para renovação contratual por mais 30 anos.
O g1 teve acesso a uma apresentação do Ministério dos Transportes que considera o trecho entre Botucatu e Presidente Epitácio como “sem viabilidade”. Nesse caso, é prevista a “redestinação de áreas e trechos economicamente inviáveis para trens turísticos, parques lineares, projetos de reurbanização e demais iniciativas de interesse público”.
Já o trecho entre Iperó e Pinhalzinho está sendo considerado para integrar o chamado “Corredor Mercosul”, uma alternativa para promover maior participação do Brasil na carga geral, por intermédio de parceria público-privada que recupere a ferrovia, a qual se conecta com o Uruguai em Uruguaiana, no Rio Grande do Sul.
A assessoria de imprensa da Rumo respondeu que o Governo Federal está revisando as concessões ferroviárias e definindo os próximos passos para o setor. “A Malha Oeste está em processo de relicitação, uma vez que o contrato atual termina em 2026. Já a Malha Sul, cujo contrato termina em 2027, está em fase de discussões com o Governo Federal sobre os próximos passos para o futuro da ferrovia.”
Pátio de manobras da Malha Oeste em Botucatu (SP)
Eric Mantuan/g1
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