Nada de pré-ocupação


Sanhaço-de-encontro-amarelo
Rudimar Narciso Cipriani/ TG
Já notou como a cantoria da passarada aumentou nos últimos dias? Bem-te-vis, sabiás, sanhaços, tico-ticos e muitos outros estão totalmente afinados com a primavera. Nessa época em que se inicia a fase de reprodução, as cantorias são de amor e também de demarcação de território.
A vida no mundo das aves começa a se renovar. Isso é cíclico e se repete em todas as primaveras. Mas nem toda primavera é igual a outra. Na região Sudeste, por exemplo, a forte seca é uma dificuldade para a passarada. A falta de chuva significa menos insetos, ou seja, menos alimento disponível para os filhotes que chegarão. Mas nem por isso as aves estão deixando de se reproduzir.
Vamos supor que nossos amigos alados pensassem como nós… Será que estariam construindo ninhos para a reprodução dentro de um cenário tão pouco otimista por causa da falta de chuva? Creio que não, pois nós, humanos, quando prevemos dificuldades decidimos sempre esperar por melhores prognósticos. Nossa mente a qualquer sinal de problema é temerária, pessimista, e eu diria, até, medrosa.
Bem-te-vi. Pitangus sulphuratus (Linnaeus, 1766).
Sebastião Salvino
Já as aves seguem o instinto. E a primavera é o comando misterioso que determina o momento de se reproduzir.
Ao observar alguns passarinhos trabalhando na construção dos ninhos e outros já chocando os ovos ou alimentado filhotes recém-nascidos, percebo que aqueles que nunca ouviram falar em fé exercem essa qualidade de uma forma natural, com muito mais facilidade que nós.
É bem provável que estejam tendo mais dificuldade para encontrar alimento. Nem por isso, no entanto, deixaram de seguir o curso da vida.
Hoje em dia nós estamos bem preocupados frente a tantas análises econômicas pessimistas que pintam 2015 como um ano provavelmente negro. E o que mais escuto são pessoas adiando planos, à espera de melhores notícias. Quase todo mundo gasta boa parte do tempo tentando adivinhar o que irá acontecer, ou seja, as pessoas se “pré-ocupam”. E enquanto permanecem assim, o tempo passa e quase nada é feito, pois a maioria não se ocupa, e sim se preocupa.
O sabiá-laranjeira (Turdus rufiventris) geralmente constrói o ninho entre setembro e janeiro
Rudimar Cipriani
Ah, as aves sempre têm o que nos ensinar. E basta observá-las para podermos aprender. Saber que só podemos agir no hoje, no agora, é sempre um ensinamento delas. O difícil é aprendermos isso. Tanto que embora já tenha escrito outras vezes sobre o viver o presente, insisto em voltar ao tema, até porque ouço sempre essa lição, mas não consegui até agora aprendê-la totalmente.
Do lado de fora de onde estou escrevendo, ouço um sabiá cantando sem parar. Ele já encontrou sua parceira que está chocando os ovos no ninho, em uma árvore ao lado de minha janela. Logo os filhotes vão nascer e serão alimentados. Com certeza isso exigirá mais esforço dos pais, ou não, se a chuva resolver chegar e a quantidade de insetos, fonte de proteína necessária para os filhotes, aumentar.
Sejam quais forem as condições, uma coisa é certa: a vida irá se renovar. E enquanto as condições do clima não se definem e as projeções econômicas e políticas também não, outra coisa também é certa: vou continuar ouvindo o canto do sabiá com cada vez mais atenção. Uma hora dessas, quando menos esperar, vou entender, aprender e viver o agora. Tenho certeza que ainda vou ganhar esse presente.
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