
Irmãos Vinícius e Guilherme Teixeira
Reprodução/Instagram
A Justiça de São Paulo absolveu sumariamente o comediante Vinícius Teixeira Lima da acusação de injúria racial em razão de falas ditas durante uma transmissão ao vivo na internet, mas manteve réu seu irmão, Guilherme Teixeira Lima, que também participou da live e responderá por crime previsto na Lei do Racismo. O caso aconteceu em outubro de 2024.
O Ministério Público apontou que os irmãos teriam proferido ofensas contra duas pessoas com base em raça e cor. O MP denunciou ambos pelo crime de injúria racial em contexto ou intuito de descontração, diversão ou recreação, previsto na Lei do Racismo.
O juiz André Luiz Rodrigo do Prado Norcia, da 3ª Vara Criminal de São Bernardo do Campo, no entanto, afastou a aplicação do artigo 20-A — que trata justamente do aumento de pena por manifestações com tom humorístico — e destacou que o Estado não pode criminalizar o humor.
O magistrado apontou que a arte, ainda que polêmica ou ácida, não pode ser cerceada pelo direito penal, e que a responsabilização deve ocorrer apenas quando houver evidência da intenção de ofender.
“Não pode o Estado, através do direito penal, diminuir o direito à liberdade de expressão. Opiniões não podem ser criminalizadas. A arte não pode ser censurada. A criminalização de peças teatrais, roteiros, livros, shows, filmes, em suma, de quaisquer manifestações artísticas e/ou culturais vai de encontro à proteção constitucional. Seja o humor ou o drama, o amparo do ordenamento jurídico à liberdade de manifestação deve ser o mesmo”, justificou.
Em nota, o advogado Gilmar Francisco Campos da Rocha, que representa os irmãos, disse que recebe com respeito a decisão da Justiça. A defesa também afirmou que seguirá vigilante durante a fase de instrução do processo contra Guilherme (leia íntegra abaixo).
Absolvição de Vinícius
A sentença aponta que, durante a live, Vinícius fez diversas referências ao fato de ele e seu irmão serem negros, além de ter proferido inúmeras ofensas contra outras pessoas.
O juiz, no entanto, entendeu que as falas do comediante se enquadram como ofensas comuns, que devem ser tratadas na esfera da ação penal privada. Na prática, isso significa que cabe às próprias vítimas, e não ao Ministério Público, decidir se querem processá-lo criminalmente.
“Restou evidente a falta de dolo específico por parte do réu Vinícius, apto a caracterizar a ofensa racial”, escreveu o magistrado. Por esse motivo, ele foi absolvido sumariamente com base no artigo 397, inciso III, do Código de Processo Penal, já que o juiz não viu crime na conduta.
Guilherme se torna réu
Ainda de acordo com a decisão judicial, na mesma live, Guilherme disse: “Eu transo com essa macaca preta”.
“No mesmo momento, inclusive, causou constrangimento para Vinícius, que respondeu: ‘Não, não. Eu não vou rir disso… Como se o problema dela fosse a cor'”, apontou o juiz.
Para o magistrado, essa fala ultrapassou os limites do humor e exige apuração mais profunda: “Necessária a instrução processual para a apuração do animus injuriandi e mais a presença do dolo específico exigido pelo tipo descrito na inicial acusatória”.
Com isso, a Justiça manteve Guilherme como réu no processo por injúria racial.
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O que diz a defesa de Vinícius e Guilherme
Em nota, o advogado Gilmar Francisco Campos da Rocha, que representa os irmãos, disse:
“A defesa dos irmãos Guilherme Teixeira e Vinícius Teixeira recebe, com absoluto respeito ao Poder Judiciário, a decisão proferida pela 3ª Vara Criminal de São Bernardo do Campo que, com sólida precisão técnica, decretou a absolvição sumária de um dos acusados.
Tal pronunciamento evidencia a firme atuação do magistrado na tutela dos direitos fundamentais e reafirma a exigência constitucional de justa causa para o prosseguimento de qualquer ação penal.
A decisão reconhece, desde logo, o entendimento de que o exercício legítimo da liberdade de expressão – sobretudo quando veiculado no campo artístico e humorístico – não pode ser criminalizado em um Estado Democrático de Direito.
Destacamos que a arte, por sua natureza provocativa e crítica, ocupa posição central na salvaguarda do pluralismo de ideias.
Criminalizá-la seria retroceder a cenários de censura incompatíveis com os valores consagrados na Constituição Federal.
Durante a fase de instrução probatória permaneceremos vigilantes e proativos, e buscaremos confirmar a inexistência de qualquer ilicitude. Confiamos que o conjunto probatório se consolidará nesse sentido.
Por fim, em tempos de polarização e intolerância, é necessário que a Justiça siga firme na proteção à livre manifestação do pensamento — inclusive aquele que nos convida ao riso, à reflexão e ao diálogo.”