Na contramão do Brasil, São Paulo tem o maior crescimento de mortes cometidas por policiais do país em 2024


Protesto contra a violência policial em frente ao Theatro Municipal de SP nesta quinta (5)
Reprodução/Frente Povo Sem Medo
Enquanto o Brasil registrou queda de 3,1% nas Mortes Decorrentes de Intervenção Policial (MDIP), o estado de São Paulo teve um importante crescimento, de 61%, nas mortes cometidas por policiais, em 2024, de acordo com a 19ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgada nesta quinta-feira (24).
👉 O aumento foi o maior dentre todas as 27 unidades da federação. Se em 2023, 504 pessoas foram mortas por policiais militares e civis em serviço ou de folga, 813 foram vítimas no ano passado. O número de policiais mortos passou de 29 para 32.
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Para Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o crescimento da letalidade policial é um dos motivos que levou o estado a registrar aumento no total de mortes violentas intencionais, também na contramão do Brasil, que teve queda de 5,4%. Apenas cinco estados registraram crescimento nas mortes violentas no ano passado.
SP teve o maior crescimento da letalidade policial do Brasil em 2024
Arte/g1
São Paulo teve aumento de 7,5% no total de mortes violentas intencionais em 2024, que incluem:
homicídio doloso
latrocínio
lesão corporal seguida de morte
morte decorrente de intervenção policial
policiais vítimas
Os homicídios dolosos tiveram queda. O estado tem a menor taxa de mortes violentas do Brasil: 8,2 por 100 mil habitantes.
“Em São Paulo, cresceram os latrocínios, cresceram as lesões corporais seguidas de morte, mas cresceram muito mais as mortes por intervenções da polícia. É essa categoria que eles usam para colocar todos esses casos, como o de Paraisópolis, deste ano, em que a gente vê pelas imagens das câmeras corporais, os policiais chegando e executando os suspeitos já rendidos com as mãos para cima e o do policial civil, um homem negro, que estava dentro de uma favela, a trabalho numa operação e que foi executado por policial da Rota, que, diga-se de passagem, a corporação defendeu a ação dizendo que a operação tinha sido correta”, diz.
No caso de Paraisópolis, Zona Sul da capital paulista, os policiais foram presos por atirar e matar um homem que já havia se rendido, em 10 de julho deste ano, como mostraram as câmeras corporais. No caso do policial civil morto por um PM da Rota, na região de Campo Limpo, também na Zona Sul, o policial está afastado das atividades operacionais. A polícia chegou a dizer que o PM agiu dentro do protocolo.
É o segundo ano consecutivo de aumento de mortes praticadas por policiais militares. Tanto em 2024 quanto em 2023, a Polícia Militar realizou operações na Baixada Santista. Elas foram consideradas as mais letais desde o massacre do Carandiru, com 56 mortos, no ano passado, e 28, em 2023.
Um ano antes, em 2022, sob gestão do governador Rodrigo Garcia (DEM), com a ampliação do programa Olho Vivo, das câmeras acopladas nos uniformes dos PMs, o estado de São Paulo registrou o menor número de mortes por PMs em serviço na história. A redução da mortalidade de adolescentes em intervenções policiais chegou a 80,1% naquele ano.
Ao alcançar 813 mortes em 2024, o estado voltou para o patamar anterior à introdução das câmeras corporais. Se comparado com 2022, antes do governo Tarcísio, o aumento no número de mortes praticadas por policiais militares aumentou 91%.
No início de dezembro, após uma série de casos de violência policial, o governador admitiu que “tinha uma visão equivocada” sobre o uso de câmeras corporais na farda dos policiais militares e disse que estar “completamente convencido de que é um instrumento de proteção da sociedade e do policial”.
Apesar disso, Tarcísio não demitiu o secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite.
“Todo esse crescimento mostra o descontrole da Polícia Militar em relação ao uso da força, mas que a gente sabe que vem sendo legitimado pela política, tanto pelo governador, como pelo secretário da Segurança. Acho que a manutenção do secretário da Segurança depois de tudo que aconteceu no ano passado na Operação Verão e todos os excessos, os abusos que a gente assistiu desde então, aquelas imagens absurdas, do policial arremessando um homem de cima da ponte. Tantos casos de execução que são tratados como desvios individuais de conduta, são na prática o resultado de uma política que tem legitimado a violência policial”, diz Samira.
“Então, infelizmente, casos como esses vão continuar sendo frequentes enquanto a gente não tiver, enfim, um Ministério Público atuando de forma mais contundente ou uma própria mudança do secretário da Segurança”, completa.
Veja o que muda no uso de câmeras corporais por policiais militares após acordo no STF
Câmeras
Após acordo no Supremo Tribunal Federal (STF), a Polícia Militar começou a implantar, em junho, as novas câmeras nas fardas dos agentes em São Paulo, com a distribuição de 2.955 câmeras em 19 batalhões. Eles não gravam ininterruptamente, como os primeiros equipamentos (leia mais abaixo).
Até o fim do ano, 12 mil novas COPs devem ser implementadas no estado “com foco em regiões de maior risco, conforme matriz técnica elaborada pela corporação”.
As outras 3 mil câmeras que constam em um aditivo de contrato também serão incluídas nesse cronograma.
Oficialmente, a PM afirma que toda a substituição das COPs de gravação ininterrupta (Axon) para a de gravação intencional (Motorola) será concluída até o fim de dezembro. A Motorola também confirma que vai fazer a entrega das 15 mil COPs ainda este ano.
Em maio de 2024, o governo de São Paulo já tinha contratado novas câmeras que não gravavam ininterruptamente. Naquela ocasião, especialistas em segurança pública afirmaram que a mudança poderia dificultar investigações de atos de violência policial porque deixaria a decisão sobre ligar ou não o equipamento a cargo dos agentes.
No mesmo mês, o Ministério da Justiça e da Segurança Pública publicou uma portaria que padronizou o uso de câmeras corporais por agentes de segurança pública. A portaria estimula a gravação ininterrupta das imagens, mas não garante que todas as ocorrências envolvendo a Polícia Militar sejam gravadas.
As novas câmeras já estavam em fase de testes quando, em dezembro de 2024, a Defensoria – em parceria com as ONGs Justa e Conectas – conseguiu uma decisão favorável do ministro Luís Roberto Barroso condicionando a mudança no sistema de gravação à comprovação técnica da eficiência no novo modelo.
Os novos equipamentos foram testados em São José dos Campos e o governo do estado apresentou os resultados.
Após uma série de audiências, o acordo foi firmado em maio deste ano.
Veja como eram as câmeras antes e como ficaram:
▶️ ANTES
Gravação ininterrupta
As câmeras registravam tudo durante o turno, com gravação contínua, sem possibilidade de desligamento manual.
10 mil câmeras em uso
O programa contava com cerca de 10.025 dispositivos, sem priorização de áreas mais violentas.
Distribuição sem critério de risco
Parte das câmeras era destinada a batalhões de trânsito, enquanto regiões com altos índices de letalidade policial continuavam desassistidas.
Sem obrigatoriedade em operações críticas
O uso não era exigido em grandes operações ou ações em comunidades vulneráveis e após ataques a policiais.
Acionamento manual
O funcionamento dependia apenas do policial
Transparência limitada
Não havia dados públicos consolidados sobre a alocação das câmeras, e o acesso às imagens dependia de autorização judicial.
✅ AGORA (com o novo acordo homologado pelo STF)
Gravação deixa de ser ininterrupta
O novo modelo não grava continuamente. Em vez disso, conta com acionamento remoto e automático pelo COPOM, com gravação retroativa garantida pelo sistema.
Mais câmeras: de 10 mil para 15 mil
O total de dispositivos aumentará para 15 mil, com 80% alocados em batalhões de alta e média letalidade, como os BAEPS e unidades da Baixada Santista.
Uso obrigatório em operações de risco
A gravação será obrigatória em:
Operações de grande envergadura;
Incursões em comunidades vulneráveis;
Ações em resposta a ataques contra policiais.
Tecnologia de ponta: acionamento automático e por Bluetooth
As câmeras podem ser ativadas remotamente pelo COPOM;
Também se acionam por proximidade via Bluetooth (raio de 10 metros);
Se desligadas manualmente, voltam a gravar automaticamente em até 1 minuto, preservando o conteúdo anterior.
Acesso direto e transparente às imagens
A Defensoria Pública e o Ministério Público terão acesso extrajudicial às gravações.
O portal da SSP divulgará quais batalhões estão equipados, número de dispositivos e normas aplicáveis.
Disciplina e fiscalização mais rígidas
Policiais que não acionarem corretamente as câmeras poderão ser punidos.
Relatórios sobre infrações serão publicados semestralmente.
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