Startups de impacto geram riqueza com foco socioambiental


Gerar riqueza, mas atrelada a uma questão social ou ambiental. A formalização de negócios de impacto vem se desenvolvendo em Santa Catarina, mesmo que o estado ainda não esteja incluído no Simpacto, um sistema nacional criado no ano passado para fomentar iniciativas com este objetivo. Capacitar e conectar pessoas negras e indígenas ao mercado digital ou transformar a diversidade cognitiva em vantagem competitiva para empresas estão entre as alternativas oferecidas por startups de impacto criadas em território catarinense.
Gerar impacto, mas com estabilidade, está entre os principais desafios, pois um negócio de impacto não se sustenta apenas com trabalho voluntário e doações. Neste cenário, a empresária Rosângela Menezes, amazonense residente em Florianópolis, fundou em 2021 a Awalé. Em meio à pandemia, o objetivo era combater as estatísticas de desemprego da população negra, sobretudo das mulheres negras, tendo em vista que mais de um milhão de mulheres perderam seus empregos e muitas empreendedoras tiveram que fechar seus negócios.
– A Awalé nasceu dessa inquietude de fazer algo para além de doar dinheiro para quem já estava ajudando essa população. Como jornalista, eu tinha uma rede de contatos gigante e pensei que poderia usá-la para formar mulheres para trabalhar como redatoras freelancers ou ajudar a digitalizar seus negócios – conta a empreendedora.
A startup Awalé capacita pessoas negras e indígenas para atuar no marketing digital, promovendo inclusão e protagonismo no mercado de trabalho
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Aos poucos, a empresa expandiu a atuação para outras áreas do marketing, como branding, conteúdo e performance, oferecendo ainda mentorias coletivas, workshops mensais e fortalecendo uma comunidade. Desde 2021, a empresa disponibilizou sete turmas em cursos de média duração, impactando positivamente a vida de quase 200 pessoas negras e indígenas, e, por meio de parcerias, possibilita que as alunas compareçam à eventos de Marketing, Vendas e Inovação. No total, cerca de 700 pessoas já foram impactadas pelos cursos e workshops.
– E o que mais gosto de ressaltar é que o impacto que a gente gera reverbera em muitas gerações. Temos alunas que passaram por nossos cursos, atuaram como freelancers com a gente por um tempo, conseguiram bolsas em formações de liderança em marketing com nossos parceiros e hoje são gerentes de marketing em startups. Antes de entrar para a nossa comunidade, essa mulher só havia feito um estágio. E, hoje, com certeza é referência para sua família e inspiração para muitas mulheres da comunidade – completa Menezes.
A empreendedora conta que, agora, o principal objetivo agora é ampliar as fontes de receita para conquistar a sustentabilidade financeira da operação. No ano passado, a Awalé lançou uma plataforma de educação, conexão e empregabilidade, disponibilizando um ambiente próprio, onde as aulas ficam gravadas, e as pessoas podem se conectar por meio de fórum e as empresas podem divulgar suas vagas na área de marketing. A empresa atua hoje em todo o país e busca criar programas regionais, principalmente em locais onde possui maior número de estudantes.
A empresa passou pela aceleração Future Females UK-Brazil Tech Hub, Inspulso da Ambev e Empreendedoras Tech, além de ter conquistado uma série de premiações: Top 3 no Prêmio Impactos Positivos, Transformadora Educacional no Digital Transformation Awards, Top 100 People 2025, Feedz by Totvs, Top 100 profissionais digitais, da Cloudez, e Mentes que transformam o Markeitng, da RD Sation.
Outra iniciativa que busca a inclusão e o fortalecimento de uma comunidade é da startup Stardust Zone, que promove ações em prol de maior empregabilidade, crescimento e educação profissional para adultos neurodivergentes. A Stardust Zone nasceu aliada a uma visão estratégica sobre o futuro do trabalho, inteligência artificial e diversidade cognitiva, tendo como aceleradores e apoiadores Impact Hub, JICA, Quintessa, J-WINGS e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Com sede no município de Palhoça, mas atuação nacional e internacional, os serviços são disponibilizados em português, inglês e espanhol. A inquietação surgiu a partir de uma lacuna sobre a falta de inclusão de pessoas neurodivergentes no mercado de trabalho, com índices elevados de desemprego e rotatividade.
Com sede em Palhoça, a Stardust Zone desenvolve soluções para empregabilidade de adultos neurodivergentes, combinando tecnologia, ciência e inclusão
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Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) citados pela empreendedora indicam que em torno de 85% das pessoas neurodivergentes adultas estão desempregadas ou apresentam alta rotatividade nos empregos. A fundadora da empresa, Sarah F. Fernn, afirma que todos os sócios na Stardust são neurodivergentes tardiamente diagnosticados, que perceberam uma falta de soluções globalmente realmente tecnológicas e educativas para resolver esse problema.
– Nossa soluções se dividem entre tecnológicas e de natureza de consultoria, inspiradas por pesquisas em neurociência, inovação social e tecnologias de ponta, e com isso nos tornamos uma socialtech, uma empresa que une impacto social, ciência e tecnologia para transformar realidades – detalha Fernn.
Desde então, a empresa vem atuando para a criação de soluções tecnológicas inclusivas que respeitam diferentes perfis cognitivos como o NeuroSpark, visando possibilitar um match de talentos neurodivergentes e empresas. Além disso, mais de 3 mil pessoas passaram por treinamentos diretos em organizações de todo o mundo, incluindo Disney e Google, além de outras 14 mil de forma indireta por meio de eventos como Deficiência Tech, TDC e conferências especializadas da Organização das Nações Unidas (ONU).
Outros impactos contemplam a formação de líderes e instituições mais conscientes sobre neurodiversidade, assim como a condução de projetos especializados em educação corporativa no Brasil, Jamaica, Chile, EUA e Canadá, participação em missões de Negócio, prêmios de impacto e inovação no Japão, Canadá e Brasil.
– Atuamos com o compartilhamento e geração de oportunidades de trabalho e pertencimento para pessoas neurodivergentes no setor privado e empreendedor e crescimento da comunidade cadastrada, que hoje possui pouco mais de 400 neurodivergentes cadastrados. Além disso, enxergamos o crescimento do reposicionamento da neurodiversidade como um ativo estratégico para empresas, governos e ecossistemas de inovação e crescimento da ordem de magnitude dos contratos – conclui.
Entre os reconhecimentos de 2024, estão premiações do Japan International Cooperation Agency (JICA), Woman Tech Entrepeneurs, além de conquista da fase semifinal em premiação da Intel. A partir de agora, entre as principais metas, a Stardust Zone quer escalar a tecnologia e a metodologia em nível nacional e internacional, especialmente em ambientes corporativos, educacionais e de políticas públicas, com foco inicial em países da América Latina, aumentando impacto mensurável em empregabilidade, saúde mental, inovação e direitos de pessoas neurodivergentes, além da receita anual e maior acesso a blended capital.
Incentivos à economia de impacto em SC
A economia de impacto fomenta soluções para problemas sociais e ambientais, gerando inclusão, renda, bem-estar social, inovação e desenvolvimento econômico, tendo como impulso alternativas chamadas de aceleradoras, no caso das startups de impacto.
As duas startups citadas acima tiveram em comum a aceleração do Impact Hub Floripa, que fomenta microempreendedores individuais (MEIs) e startups de impacto em estágio inicial. Em Santa Catarina, 54 empresas passaram pelos programas de aceleração executados pelo Impact Hub.
Aceleradoras como o Impact Hub Floripa impulsionam startups lideradas por mulheres e empreendedores sociais, fortalecendo a economia de impacto em SC
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– Quando a gente tem um desafio de jovens da periferia acessarem o mercado de trabalho, de inovação, de tecnologia, um empreendedor social pode olhar para isso e entender que, ao desenvolver os jovens de periferia, atende uma dor das empresas de tecnologia, que é do mercado de trabalho. Isso caracteriza um negócio de impacto social, movimentando a economia através da mobilidade social, trazendo mais possibilidades de emprego e renda para jovens periféricos – explica Marcio Cabral, sócio diretor do Impact Hub Floripa.
Na aceleradora de startups, o Impact Hub pretende elevar o faturamento das empresas em até quatro vezes, sendo um instrumento de mobilidade social, principalmente para o público feminino, tendo em vista que 70% dos negócios são liderados por mulheres. Ainda, o programa Inovativa de Impacto, realizado junto ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) do governo federal, permite, com auxílio de mentorias, elevar em até 100% o impacto gerado pelas startups contempladas.
Nos programas de aceleração, o impacto gerado é levado em consideração como critério de escolha, e as métricas avaliadas posteriormente vão além do crescimento do faturamento e número de clientes, incluindo, por exemplo, redução de emissões de gás carbônico na atmosfera, ou número de jovens retirados da periferia para entrar no mercado de trabalho, a depender do foco da startup.
Segundo o especialista, o poder público tem olhado com atenção para o significado e sucesso da economia de impacto e tem estimulado cada vez mais que negócios olhem para o que geralmente importa. O desafio seria encontrar uma forma que permita que esses negócios gerem valor, continuem produzindo riquezas, mas atendendo as urgências socioambientais.
– Falta entender, dentro do próprio mercado, novos padrões de sucesso. A ressignificação do que é sucesso na economia é muito importante para que a gente possa desenvolver uma nova economia, uma economia com novas bases que entendam que há limites e que a gente precisa também, através dos negócios, solucionar as questões das nossas relações dentro da sociedade.
A meta do setor seria criar estratégias para fazer parte do Simpacto, um sistema nacional criado pelo MDIC em 2024 visando o alinhamento das legislações de estados e municípios brasileiros com as diretrizes da Estratégia Nacional de Economia de Impacto (Enimpacto). Para que façam parte do Simpacto, estados e municípios precisam ter legislação aprovada e vigente sobre o tema, além de comitê de economia de impacto constituído e grupos de articulação e coletivos atuantes em nível local. Assim, essas iniciativas poderiam acessar recursos de investimento, voltados ao desenvolvimento desses negócios, com um mercado mais maduro, como o de São Paulo, em sua visão.
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