
Unidade da Fundação Casa de Campinas.
Pedro Torres/EPTV
Dois adolescentes foram apreendidos por suspeita de matar Nicolly Fernanda Pogere, de 15 anos, cujo corpo foi encontrado no dia 18 de julho, às margens de uma lagoa em Hortolândia (SP). A jovem foi esfaqueada e esquartejada em um crime com “requintes de crueldade” e “violência extrema”, de acordo com a Polícia Civil.
Um dos suspeitos apreendidos é um adolescente de 17 anos, namorado da vítima. Uma menina de 14 anos, que mantinha um relacionamento com o jovem, também foi apreendida. A apreensão aconteceu no dia 20 de julho, no Paraná. Os dois tiveram internação provisória decretada e foram levados a uma unidade da Fundação Casa, em Campinas (SP).
Segundo Beatriz Ferruzzi Sacchetin, vice-presidente da comissão de Direito Processual Penal da OAB Campinas e doutoranda em Ciências Criminais pela PUC-RS, depois que um educando sai da Fundação Casa, não é feito nenhum tipo de acompanhamento.
“É uma falha muito grande que a gente não pensa em segurança pública a longo prazo”, afirma.
A advogada explicou ao g1 como funciona a internação de adolescentes na Fundação Casa e o que acontece após o cumprimento da medida. Confira abaixo.
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O que é a internação?
Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), adolescentes que cometem atos infracionais podem receber diferentes medidas socioeducativas, conforme decisão da autoridade competente. As medidas possíveis incluem:
advertência
obrigação de reparar o dano
prestação de serviços à comunidade
liberdade assistida
inserção em regime de semiliberdade
internação em estabelecimento educacional
A internação é a medida mais restritiva, com privação de liberdade – ou seja, de regime fechado. No estado de São Paulo, ela é executada pela Fundação Casa.
Nesses casos, o adolescente pode realizar atividades externas, desde que autorizadas pela equipe técnica da unidade, exceto se houver determinação contrária da Justiça.
Antes de decidir pela internação na Fundação, o juiz ou juíza podem determinar uma internação provisória, de até 45 dias.
Segundo Sacchetin, nesse período são feitos procedimentos necessários para averiguar a responsabilidade diante do ato infracional, a defesa e as provas são apresentadas e, então, a Justiça define qual medida socioeducativa será cumprida.
Em casos com bastante violência, em regra, a medida de internação é aplicada e pode durar no máximo três anos, com uma reavaliação do caso a cada seis meses. Dependendo da reavaliação, a Justiça pode determinar que a internação seja prorrogada por mais seis meses ou que o adolescente seja liberado.
“A lógica da medida socioeducativa é diferente. Ela tem um caráter, na verdade, ambíguo. Por um lado, ela é uma pena, porque é uma internação em uma instituição fechada, que tem diversas regras, diversos limites a serem estabelecidos. Ao mesmo tempo, ela tem outros requisitos voltados para a questão educacional. São questões de acompanhamento psicológico, de assistência social. Três anos para um adolescente é muito diferente de três anos para um adulto”, explica Sacchetin.
A internação é permitida até os 21 anos de idade. Por exemplo, um adolescente que é condenado por um ato infracional com 17 anos, 11 meses e 29 dias, cumprirá a medida socioeducativa e poderá ficar na Fundação Casa por até três anos, mesmo depois da maioridade.
“Continua cumprindo normalmente. A única questão é que, fez 21 anos, não pode mais estar lá dentro. Até porque 21 seria os três anos depois dos 18”, diz a advogada.
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Como é feita a reavaliação?
De acordo com o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), a reavaliação é feita com base em um relatório elaborado pela equipe do programa de atendimento socioeducativo – a Fundação Casa.
A lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) define que a equipe deve ser interdisciplinar, composta por, no mínimo, profissionais das áreas de saúde, educação e assistência social.
No estado de São Paulo, a equipe de referência da Fundação Casa é formada por profissionais das seguintes áreas:
psicologia
serviço social
pedagogia
saúde
segurança
A reavaliação acontece por decisão judicial, baseada no parecer dessa equipe, mas também considerando as manifestações do Ministério Público e de advogado de defesa.
São considerados aspectos disciplinares, psicológicos, sociofamiliares e pedagógicos. São eles:
Disciplinares
comportamento do educando, obediência e interação com os pares
Psicológicos
criticidade, empatia, arrependimento
Sociofamiliares
interação com a família e o meio de origem, imposição de limites e respaldo familiar
Pedagógicos
participação do educando nas atividades da agenda do centro de internação e evolução de competências
A gravidade do ato infracional pode ser um indicativo das demandas a serem trabalhadas, mas, sozinha, não fundamenta a manutenção de uma medida de internação, segundo o TJSP.
“A internação já é, de acordo com o que está estabelecido no ECA, uma medida excepcional. Existem alguns requisitos para que ela possa ser aplicada, quando tem violência ou grave ameaça, se já teve uma infração grave. Na prática, ela acaba não sendo usada com tanta excepcionalidade. Então, acaba que a gente tem essa sensação de que não está sendo feito nada a mais”, comenta Sacchetin.
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E depois?
De acordo com Sacchetin, depois que o educando sai da Fundação Casa, não é feito nenhum tipo de acompanhamento. “A partir do momento que a pessoa sai da instituição, você não fornece mais nenhum tipo de amparo”, afirma.
Ela aponta que a responsabilização dos atos é necessária e precisa ser feita de uma forma garantida por lei, mas que é preciso pensar em políticas de segurança pública a longo prazo.
“A gente fala muito pouco sobre política pública de segurança. Às vezes é uma iluminação no bairro que você coloca que era o que estava faltando para promover a segurança. É uma falha muito grande que a gente não pensa em segurança pública a longo prazo”, avalia a advogada.
Nicolly Fernanda Pogere, 15 anos.
Arquivo Pessoal
Apreensão dos suspeitos de matar Nicolly
O casal de adolescentes estava estava escondido na casa da avó do garoto, em Cornélio Procópio (PR). Eles foram encontrados e apreendidos no dia 20 de julho e afirmaram que fugiram com medo de não serem encontrados pela polícia.
Os dois suspeitos tiveram internação provisória decretada e foram encaminhados para a Fundação Casa Andorinhas, em Campinas.
“Eles disseram que a avó não sabia e apenas relataram para elas que tinham sido expulsos de casa. Eles vão responder por ato infracional, e o prazo da internação é de 45 dias. Depois, o promotor da vara da infância avalia se prorroga”, afirmou José Regino Melo Lages Filho, delegado titular do 2º Distrito Policial de Hortolândia e responsável pela investigação.
Ainda segundo o delegado, para encerrar as investigações faltam os resultados dos laudos periciais, que devem demorar aproximadamente 30 dias para serem concluídos.
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