Apostila separada, auxiliar e terapias: a rotina do menino laudado com superdotação aos 6 anos e aceito em ‘clube’ de alto QI


Menino de dois anos forma sílabas sozinho em Sorocaba
Embora estejam matriculados em escolas regulares, alguns alunos com características específicas têm direito a enriquecimento curricular e podem precisar de terapias para o desenvolvimento socioemocional. Este é o caso de 28 estudantes com superdotação registrados na Secretaria Escolar Digital (SED) de Sorocaba (SP).
Entre eles, o pequeno Lucian Rafael Geraldo Ribeiro, de sete anos, que recentemente foi aceito na unidade brasileira da Mensa, uma sociedade que reúne pessoas de alto QI do mundo todo.
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Aluno do 2º ano do ensino fundamental na rede municipal de educação, Lucian apresenta sinais de adiantamento no desenvolvimento desde muito cedo, como explica a mãe do menino, a psicomotricista, fonoaudióloga e especialista em Transtorno do Espectro Autista (TEA) e Transtornos da Fala e Aba Soraia Aparecida Ramos Geraldo, de 42 anos.
“Aos três meses de vida, ele já balbuciava. Aos seis meses, já pedia água, e você chamava ele e ele falava: ‘Que é?’. Aos nove meses, já formava frases. Com um ano, saiu correndo no aniversário. A gente percebia que ele tinha um vocabulário diferente, mais desenvolvido para a idade”, relata.
Com dois anos, segundo a mãe, Lucian passou a falar todo o alfabeto e a juntar sílabas sozinho. Aos três anos, a família descobriu que ele já sabia ler e escrever. “Eu estava fazendo cadastro em uma escola e ele leu ‘secretaria’. Foi uma surpresa. Deste dia em diante, começamos a observar mais ele, acompanhar seu raciocínio, que é muito rápido, e procurar especialistas”, relata.
Lucian Rafael Geraldo Ribeiro, de Sorocaba (SP), foi aceito na Mensa Brasil
Arquivo pessoal
Aos cinco anos, Lucian escreveu uma equação com adição, subtração, multiplicação e divisão. “Ah, e não posso deixar de falar que ele, um dia, simplesmente virou para mim e disse: ‘Mamãe, você sabe o que é benevolência, né?’. E aí ele responde: ‘Ah, mamãe, não acredito que você não sabe que benevolência é ter piedade. Lucian, na creche, já lia, e lia os livros para os colegas.”
A avaliação neuropsicológica do menino ficou pronta quando ele completou seis anos. O profissional responsável chamou Soraia em sua sala e disse: “Senta, mãe, que precisamos conversar”. Lucian foi identificado com superdotação/altas habilidades e dupla excepcionalidade.
“Justamente porque o resultado foi além do que imaginávamos. Lucian é o Asperger [Síndrome de Asperger], que agora é autista suporte 1 devido à mudança da lei no ano passado. Inclusive, tivemos o relatório da geneticista que o acompanha relatando justamente isso. Quando a avaliação neuropsicológica dele ficou pronta com os resultados, o profissional me orientou sobre e comecei a pesquisar sobre.”
Foi aí que Soraia conheceu a Mensa Brasil. “Eles me pediram toda a avaliação dele na íntegra, e ele foi aceito na sociedade. É uma associação muito séria, e agradeço muito pela aceitação do meu pequeno.”
Além da Mensa, a mãe entrou em contato com a Secretaria da Educação de Sorocaba (Sedu) e, após uma conversa com representantes da pasta, identificou que Lucian era a única criança da idade dele laudada com superdotação/altas habilidades e dupla excepcionabilidade na rede municipal na época.
Filhos de Soraia têm Transtorno do Espectro Autista (TEA)
Arquivo pessoal
Rotina adaptada
Após o laudo, Soraia começou a observar com mais atenção as necessidades do filho e, por meio de ordem judicial, conseguiu um auxiliar exclusivo para ele na escola. “Tudo acaba se tornando frustrante para ele. Ele termina as atividades na sala de aula muito rápido e acaba que ter a ‘pâciencia’ ao esperar é ruim. A resistência ao ‘não’ também é grande”, relata a mãe.
“Tentamos acompanhar esse raciocínio rápido dele, propondo atividades que o estimulem. Tudo ele pergunta, e não são perguntas simples, ele sempre quer ir além. Exemplo: ele pegou meu livro de anatomia e queria não só saber sobre os músculos e ossos, mas como funcionava tudo no organismo: veias, artérias, digestão e etc.”
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Lucian com a mãe, o pai e o irmão mais novo
Arquivo pessoal
Soraia explica que, desde o 1º ano do ensino fundamental, foi feita uma apostila separada para Lucian na escola, mas reclama da ausência de um projeto voltado especificamente para essas crianças com superdotação/altas habilidades na rede municipal de Sorocaba.
“Eu fui justamente até a Secretaria da Educação em busca, mas saí de lá infelizmente com esta informação. E tem outras crianças na rede laudadas maiores que ele. Mesmo assim, não temos nenhum projeto. O motivo eu não sei. Precisamos deste incentivo a eles com atividades voltadas para eles: cursos de xadrez por exemplo (aliás, que Lucian já sabe jogar), robótica, informática.”
Fora da escola, o pequeno é apaixonado por videogame e já “zerou” jogos como “Minecraft”, “Mário”, “Cuphead”, “Homem-Aranha”, “Trackmania”, “It Takes Two” e “God of War”. Além disso, faz a mãe estudar cada vez mais para conseguir acompanhá-lo.
“São aprendizados diários com ele. Como mãe, sinto um orgulho imenso. Isso é dele, porém a minha maior preocupação é com relação às oportunidades que preciso que sejam oferecidades a ele para impulsioná-lo cada vez mais e não frustá-lo”, reforça.
Fora da escola, o pequeno é apaixonado por videogame e já ‘zerou’ alguns jogos
Arquivo pessoal
Lucian tem um irmão de seis anos, Sebastian, que está no Espectro Autista com suporte 2. O caçula ainda é considerado não verbal, mas, principalmente do ano passado para cá, vem se desenvolvendo mais e já está falando algumas frases.
“Ambos fazem terapias desde os dois anos e estão em uma clínica da cidade fazendo psicóloga, fonoaudiológa, terapeuta ocupacional, fisioterapia, musicoterapia, psicomotricidade e psicopedagogia. A equoterapia foi cortada pelo estado, mas eu recorri e estou aguardando. Enquanto o poder público não entender que terapias são de extrema necessidade aos autistas e crianças com deficiências, continuaremos nesta luta desgastante diária por direitos.”
Conforme a mãe, este ano Sebastian apresentou hiperfoco em letras e números, o que ligou um alerta na família. “De repente, descobrimos que ele sabia letras em hebraico, russo e mandarim. Ele busca vídeos de desenhos nestas línguas. Recentemente, aprendeu as letras das Línguas dos Sinais, e muito rápido. Vamos começar o processo de investigação com ele agora também”, conta.
Características de altas habilidades/superdotação estão presentes desde a infância
Pixabay
Laudo de dupla excepcionalidade
Ao g1, a coordenadora nacional de psicologia da Mensa Brasil, Priscila Zaia, explica que o laudo de dupla excepcionalidade indica que a pessoa possui dois quadros associados, ou seja, ocorrendo ao mesmo tempo.
“Um deles indica áreas de potencialidade, nas quais essa pessoa possui facilidades e desenvolvimento acima do esperado para a sua idade cronológica (altas habilidades/superdotação). Já o outro quadro se refere às áreas do desenvolvimento nas quais a pessoa apresenta dificuldades, alterações, prejuízos”, comenta.
Ainda segundo Priscila, as características de altas habilidades/superdotação estão presentes desde a infância. Crianças pequenas, ainda não alfabetizadas, já podem demonstrar alguns sinais, como curiosidade intensa, fazendo perguntas sobre tudo que está ao redor de forma aprofundada; capacidade de memorizar muitas informações, associadas aos assuntos do seu interesse; aprendizagem rápida; sensibilidade emocional; senso de humor e criatividade.
À medida que crescem, essas características podem ficar mais evidentes, fazendo com que as pessoas se destaquem em atividades nas quais se envolvam – escolares ou não. “É importante esclarecer que essas características podem não se apresentar da mesma forma nas pessoas, sendo importante um olhar individualizado para a identificação”, continua.
Público-alvo da educação especial
A coordenadora ressalta que, como não há escolas específicas segmentadas para esse público, os alunos com altas habilidades/superdotação devem estar matriculados em escolas regulares, no entanto, passam a ter direito de receber enriquecimento curricular com suplementação de conteúdo, pois são público-alvo da educação especial.
“Alguns podem se beneficiar da aceleração de série e/ou frequentar salas de recursos específicas, no contraturno escolar de escolas públicas.”
Além disso, de acordo com a especialista, é importante considerar o desenvolvimento do superdotado como um todo, ou seja, os aspectos não cognitivos, como o desenvolvimento socioemocional, também precisam ser considerados.
“Dessa forma, podem se beneficiar de psicoterapia para fortalecimento emocional e construção da identidade. Pode também ser importante a psicomotricidade para cuidar da assincronia do desenvolvimento – quando os aspectos desenvolvimentais ocorrem em ritmo diferente da idade cronológica e do desenvolvimento cognitivo, que é mais acelerado”, completa.
Grupo em teste realizado pela Mensa Brasil em 2022
Mensa Brasil/Divulgação
O que diz a Prefeitura de Sorocaba
Questionada pelo g1, a Prefeitura de Sorocaba informou que, para cada aluno com superdotação, é elaborado um Plano de Desenvolvimento Individual (PDI) na cidade.
Além disso, essa pessoa tem direito ao Atendimento Educacional Especializado (AEE), na Sala de Recursos Multifuncionais (SRM), e ao ensino colaborativo.
“No PDI, docentes elaboram um Plano de Desenvolvimento Individual, que culmina em um Plano de Ensino personalizado às necessidades de cada estudante. O AEE é ofertado para os estudantes, na Sala de Recursos Multifuncionais, no contraturno escolar ou no contexto do ensino colaborativo, no turno de aula do estudante”, esclarece.
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