Autor de bandeira retirada de festival no RJ diz que obra censurada está em livro e já atravessou a Marquês de Sapucaí em 2023


Instalação artística é removida por determinação de autoridades em Itaipava
O autor da obra com releitura da bandeira nacional que foi retirada do Festival Sesc de Inverno em Petrópolis, na Região Serrana do Rio, disse ao g1 que a instalação nunca havia sido censurada até então.
Matheus Ribs explicou que a bandeira, que traz o texto “KilomboAldeya”, está no livro “Terra – Antologia afro-indígena” e já atravessou a Marquês de Sapucaí, em 2023, pelo enredo Brava Gente, da Beija-Flor de Nilópolis.
O Sesc, organizador do festival, disse que a instalação foi retirada por determinação de autoridades, com base na Lei 5.700 de 1971, que dispõe sobre o uso dos símbolos nacionais.
Para o artista visual, “houve uma grave violação das liberdades individuais”. Ele acredita que o motivo principal para a remoção da obra não se tratou de uma descaracterização do patrimônio nacional, como alegado.
“A alegação genérica de ‘descaracterização do patrimônio nacional’, baseada numa legislação herdada do regime militar e anterior à Constituição de 1988, não se sustenta como justificativa legal legítima para a censura ou remoção da obra. Fica evidente que o verdadeiro incômodo reside no teor crítico da criação, uma defesa contundente das comunidades tradicionais indígenas e afro-brasileiras, exposta em uma cidade historicamente marcada por uma ideologia colonial e escravocrata”, disse.
Bandeira foi utilizada em um dos carros alegóricos da Beija-Flor no carnaval de 2023 e Matheus Ribs foi convidado a desfilar
Reprodução Redes sociais
Ele lembrou ainda que a bandeira nacional já foi usada por diferentes autores como forma de expressão do pensamento. No caso da obra “KilomboAldeya”, Matheus Ribs explicou que “é uma ideia viva, um convite a imaginar outros projetos de Brasil, enraizados nas matrizes indígenas e afro-brasileiras, nos territórios de resistência e nos saberes historicamente silenciados”.
“Não sou o primeiro a realizar uma releitura de símbolos nacionais: basta lembrar os trabalhos de Abdias Nascimento, Cildo Meireles, Nuno Ramos, entre tantos outros que, em diferentes contextos, também tensionaram os sentidos da bandeira brasileira”.
Segundo o artista, a bandeira foi retirada no sábado (26), sem a presença dele, um dia depois de ter sido instalada no distrito de Itaipava. Ele conta que foi a Guarda Municipal que chegou com a determinação, apresentando um suposto alvará, que, até então, ele não teve acesso, nem por meio do Sesc. A instituição emitiu nota lamentando o ocorrido e se solidarizando com o artista.
O g1 fez contato com o Sesc para saber se há algum registro do suposto alvará apresentado e aguarda retorno. O g1 também procurou a Prefeitura de Petrópolis, mas não conseguiu resposta até a última atualização desta reportagem.
A editora Ubu e a revista Piseagrama compartilharam nota de repúdio nas redes sociais, mencionando que uma reprodução em papel da obra de Matheus Ribs integra o livro “Terra – Antologia afro-indígena”.
“Não é coincidência que uma obra que questiona o apagamento de negros e indígenas na história do Brasil tenha sido alvo de censura. A Ubu se solidariza com Matheus Ribs e reforça: seguiremos trabalhando para que o Brasil seja, cada vez mais, KilomboAldeya”, disse o texto da postagem.
Bandeira do autor estampa página do livro Terra – Antologia afro-indígena, publicado em 2023
Reprodução/Site Piseagrama
“O que está em questão aqui não é um símbolo estatal, mas uma obra de arte — e a arte tem o direito de dialogar criticamente com os signos da nação. Produções artísticas são, por natureza, espaços de reinterpretação simbólica”.
Obra “KilomboAldeya” fazia parte da programação do Festival.
Arquivo Pessoal | Matheus Ribs
Entidades ligadas à cultura e à defesa da liberdade artística têm se pronunciado nas redes sociais em apoio ao artista e cobrando explicações sobre a remoção da obra.
Um coletivo de Petrópolis levou o caso ao Ministério Público do Rio de Janeiro neste domingo (27). O g1 fez contato com o órgão e aguarda um retorno.
Nota enviada pelo Sesc
“O Sesc RJ entende que a Constituição Federal de 1988 assegura a liberdade de expressão e considera que a diversidade de manifestações artísticas é fundamental para estimular o diálogo e a reflexão sobre temas relevantes para a sociedade. Reafirmamos nosso compromisso com a promoção da cultura e da democracia e expressamos nossa solidariedade ao artista”, disse a instituição.
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