
Conheça ‘vila esquecida’ em Piracicaba que guarda histórias da cidade
Conhecida pelo famoso rio de mesmo nome e o sotaque de “R” puxado, a cidade de Piracicaba, no interior de São Paulo, completou 258 anos nesta sexta-feira (1º). No lado oposto de seus cartões de visita, espaços que marcaram gerações passadas resistem ao tempo após perderem população.
Um deles é uma vila localizada próxima do limite da cidade com Iracemápolis (SP), conhecida como bairro da Divisa. Afastada dos grandes prédios da região central, a área rural perdeu população ao longo das décadas, tem a única escola desativada, mas ainda tem raros e tradicionais moradores mantendo sua história viva.
Cercada por canaviais, a pequena vila se destaca pela paisagem. Há algumas casas, a capela, o bar e a escola.
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Vila resiste em área rural entre Piracicaba e Iracemápolis
Wesley Almeida/ EPTV
Atrás de uma mata, fica a unidade de ensino desativada. Edson Carrara, que hoje é taxista, estudou no local quando era criança, há 60 anos.
“Desde os 8 anos ele não pisava aqui. Eu lembro perfeitamente. Eu vinha a pé até a escola aqui, as crianças correndo em volta, o pessoal sentado aqui, aqueles que estavam comendo alguma coisa, tomando lanche, sentado nessa muretinha aqui […] Quando eu vi isso aqui, fiquei emocionado”, recorda Edson.
A saudade está por todo o canto, em cada lembrança.
“Caminhando até em casa, três, quatro quilômetros daqui, e a gente ia comendo os doces e bala que a gente comprava. Meu pai tinha uma conta no bar ali, comprava, o homem marcava num caderninho ali, e todo mês meu pai vinha pagar”, detalha o taxista.
Escola desativada em vila de Piracicaba
Wesley Almeida/ EPTV
Bar resiste ao tempo
Hoje, o dono do bar da comunidade, Geraldo Augusto de Melo, volta e meia abre para quase ninguém. No estoque, muitas histórias do passado.
“Os cavaleiros traziam o gado sem cabeça. Ficava amoitado pra cá, descansava. No outro dia, cedo, ia embora. Aí tinha esse berrante aqui. Um senhor deu pra mim. Eu não toco igual eles, mas eu tento”, conta Geraldo.
Mas o fôlego não é mais o mesmo. Seu Geraldo morou a maior parte da vida aqui. Para tratar as complicações do diabetes, teve que se mudar para a cidade no ano passado.
“Rapaz, eu não queria nem sair. O meu pé estava uma bola, sabe? E eu precisei sair meio forçado”.
“Para mim não é [um bairro] fantasma. Eu sou acostumado. Para mim é a mesma coisa, sempre foi assim. Dependendo de mim, se eu ganhar algum… eu até ajudaria a ajeitar tudo aí”, garante o comerciante.
Geraldo Augusto de Melo resiste com seu bar em vila
Wesley Almeida/ EPTV
Industrialização levou a êxodo rural
Comunidades como essa começaram a surgir no século 18 no interior de São Paulo, com o crescimento das fazendas de cana-de-açúcar e, depois, de café. Dois séculos se passaram, e nas cidades já formadas teve início o processo de industrialização, na década de 60.
“Com a industrialização, esse modo de vida está comprometido porque a gente começa a ter um grande êxodo rural. As pessoas começam a abandonar essas regiões do campo e vir para as cidades. Muitas delas contra a vontade, muitas delas por uma questão de sobrevivência, porque viver no campo tinha se tornado muito difícil. Viram lugares fantasmas, muitos lugares desaparecem”, explica o historiador Fabrício Medeiros.
Igreja centenária ainda celebra missas
Quem não sumiu ali perto segue com fé para não ter o mesmo destino do vizinho. Perto da vila, está o bairro de Água Santa, também marcado pela resistência dos moradores que enchergam na zona rural de Piracicaba um bom lugar para se viver. A história do bairro começou em uma praça com uma igreja, em 1919.
“É o primeiro [prédio] que aparece e a gente cuida para que seja dessa maneira. Então, uma vez por semana, nós temos missas, nós temos celebrações, e uma vez por semana estamos aqui reunindo o povo, e buscando, inclusive, dinâmicas para que este povo esteja aqui”, explica o padre Edvaldo de Paula Nascimento.
Quase tudo foi mantido como no passado. O piso, a composição do altar e a conexão com o povo. “É, de alguma maneira, uma dinâmica de sobrevivência”, afirma o pároco.
Igreja no bairro Água Santa ainda tem missas semanais
Wesley Almeida/ EPTV
‘Aqui eu tenho tudo’
Vizinha da igreja, é na lida com os animais que a oficial de Justiça Teresa Pissinato se realiza. Quando não está cuidando dos bichos, entra em ação a artista, que retrata a natureza viva do quintal. Os quadros enfeitam a casa onde nasceu.
“Eu gosto de fazer isso, eu gosto de pintar. Eu não sou uma pintora, mas gosto de ficar brincando com o pincel. Eu gosto do lugar, gosto da paz, da tranquilidade, eu não sei explicar, mas eu sei que eu me sinto conectada com Deus aqui. Eu tenho a impressão que aqui eu tenho tudo”, conta a moradora.
A oficial de justiça já usou outro talento para defender a própria história. Nos anos 90 escreveu para jornais, alertava os moradores para se unirem. A angústia daquele tempo foi ver o bairro vizinho desaparecer.
“Além das colônias que tinham próximas, ali também tinha uma escola. Pra acabar com o movimento, eles acabaram com as escolas. Eu tava tentando fazer um local pra encontro do pessoal do bairro. A prefeitura pediu pra que eu fizesse um planejamento do que seria, como seria, o que teria, e o que não teria. Mas não adianta você ter projeto, se você não tem quem ajude a bancar aquele projeto”, lamenta.
Teresa Pissinato, moradora do bairro
Reprodução/EPTV
Resistência pela música
Resistência que vem pela fé, pela escrita, pela rima e, por que não, numa canção. Aos 86 anos, o aposentado Antônio Pissinato é cantor e eterno apaixonado pela cidade. Ele ficou conhecido como Piracicaba.
“Quando eu mudei aqui, eu já deixei lá na igreja um banco com meu nome. Eu tinha 16 anos. Levaram todos as bancos da igreja. Aquele banco nunca levaram. Ainda encontra o meu nome até agora lá. Então, eu tenho que ficar por aqui”, revela.
E ele elenca uma série razões para permanecer no local. “A terra é boa, água é boa, então, tem tudo de bom aqui o bairro. E boa amizade também, né? Porque isso ajuda muito”.
Banco com nome do aposentado Antonio Pissinatto, o Piracicaba
Wesley Almeida/ EPTV
Igreja no bairro da Divisa
Reprodução/EPTV
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