
Bolsonaro e o discurso de cerceamento
O ex-presidente Jair Bolsonaro está em prisão domiciliar desde a noite desta segunda-feira (4), por descumprir ordem judicial de não usar redes sociais. Para Rafael Mafei, professor da Faculdade de Direito da USP e da ESPM, Bolsonaro tem desafiado a justiça e, por isso, a decisão de Alexandre de Moraes se fez necessária.
“[Bolsonaro] está demonstrando uma certa intenção em desafiar essas determinações da Justiça, em sempre fingir incompreensão para depois tumultuar a partir daquilo e dizer: ‘puxa, mas eu não tinha entendido que eu não podia fazer isso'”, opina Mafei.
O professor analisa que o ex-presidente desafiou uma decisão do STF ao divulgar mensagens com “claro conteúdo de incentivo e instigação a ataques ao Supremo Tribunal Federal e apoio ostensivo à intervenção estrangeira no Poder Judiciário brasileiro”.
“Foi nitidamente um ato de desafio, principalmente depois daquela primeira situação na qual ele fez aquela série de manifestações, exibiu a tornozeleira, se permitiu filmar amplamente, sabendo que quando ele produz aquilo, aquilo vai tomar conta das redes sociais, que é justamente aquilo que a decisão queria que deixasse de acontecer”, afirma.
Para Mafei, a atitude de Bolsonaro e dos filhos é uma estratégia para escalar o conflito. “Apostando que isso vai forçar um recrudescimento do Supremo e isso vai melhorar as condições para que eles consigam reagir a essa eminência da chegada de uma decisão condenatória contra Bolsonaro, tanto reanimando sua base interna, quanto buscando coação externa para tentar emparedar os ministros e o Supremo”, diz o professor.
“Não tenho nenhuma dúvida de que nesse momento, Eduardo Bolsonaro está com a nova decisão de Alexandre de Moraes debaixo dos braços, rodando os Estados Unidos, tentando falar com autoridades para buscar mais sanções para Moraes, talvez mais sanções para outros ministros do Supremo, talvez ainda para outras autoridades”, continua.
A jornalista Andreia Sadi complementa as ideias de Mafei. Para ela, o ex-presidente não age com ingenuidade. “O ex-presidente não faz nada sem estratégia, sem tática. Então, esse embate com o ministro Moraes tem esse método de não só escalar a crise, mas de desgastar e desmoralizar o judiciário”, comenta. “Bolsonaro usa o embate com Moraes para atingir todo o Supremo”, complementa.
Ainda para a a jornalista, a estratégia de Bolsonaro é insuflar a base enquanto espera o julgamento da trama golpista. “Ele queria exatamente entregar essa munição para a sua base de apoio para mobilizar essa tropa de choque e dizer ‘sou um perseguido político, eles estão tentando me censurar'”, explica. “Mas isso não passa de um discurso político porque o processo que importa para o ex-presidente é o que vai acontecer nos próximos meses”, pontua Sadi, lembrando que os julgamentos da trama golpista, que devem começar em setembro.
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Wilton Junior/Estadão Conteúdo