
Aliados de Jair Bolsonaro que ocuparam a Congresso querem colocar em votação um projeto que tira das cortes superiores processos contra políticos no exercício do mandato.
O acordo para votar o fim do foro especial foi desenhado durante as negociações que acabaram na desocupação das mesas das presidências da Câmara e do Senado.
Na quarta-feira, o ex-presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas), foi chamado para ajudar. Ele fez, pelo menos, duas reuniões: uma com os líderes do PL, Sóstenes Cavalcante, e do Progressistas, Doutor Luizinho, além do vice-líder do União Brasil, Rodrigo de Castro. Lira também recebeu lideranças do Senado.
Ficou acordado que os aliados de Bolsonaro deixariam a mesa do plenário Em troca, União Brasil e Progressistas apoiariam o PL em duas votações: a da anistia aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro, que não conta com o apoio da maioria para tramitar, e a proposta de emenda constitucional com o fim do foro especial — que vem ganhando força inclusive na base governista.
O foro privilegiado tem suas raízes no Império, quando o Brasil se escrevia com Z. Daí em diante, as Constituições foram reduzindo ou aumentando o alcance ao longo de dois séculos, até chegar à carta de 1988.
Em um dos artigos, está escrito: “Compete ao Supremo Tribunal Federal – processar e julgar o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República”. Outros cargos, como governadores e prefeitos, seguem para o Superior Tribunal de Justiça ou segunda instância.
O espírito do foro por prerrogativa de função é proteger as próprias autoridades julgadas e os juízes das instâncias inferiores de possíveis pressões. Hoje, no STF há 45 inquéritos e seis ações penais contra parlamentares e ex-parlamentares.
No caso dos inquéritos públicos, há investigações contra políticos do: PL, PT, MDB, União Brasil, Progressistas, Solidariedade e Avante. Pelo menos 25 estão sob sigilo e envolvem investigações de supostos desvios de emendas parlamentares – recursos destinados por deputados e senadores para as bases eleitorais.
No caso dos inquéritos públicos, há investigações contra políticos do: PL, PT, MDB, União Brasil, Progressistas e Avante. Pelo menos 25 investigações estão sob sigilo envolvendo emendas.
Jornal Nacional
Neste ano, o STF decidiu que, mesmo após o mandato, o processo pode seguir no Supremo, sem ir para instâncias inferiores, desde que o crime investigado tenha sido cometido durante o exercício do cargo. O que, em tese, torna o processo mais rápido, porque só existe possibilidade de recurso no próprio STF.
No Congresso, a proposta mais avançada que trata do fim do foro privilegiado foi aprovada pelo Senado em 2017 e foi para uma comissão na Câmara, onde está parada. O texto afirma que “é vedada a instituição de foro especial por prerrogativa de função”.
Isso tiraria processos do STF e os levaria para a primeira instância, com mais possibilidades de recursos, na segunda instância, no Superior Tribunal de Justiça e no próprio Supremo, o que poderia adiar por anos possíveis condenações.
A mudança, se aprovada, abrangeria deputados federais e senadores – e manteria no Supremo somente presidente da República, o vice, e os presidentes da Câmara, do Senado e do próprio STF.
Mas, nos bastidores, partidos da oposição pressionam para mudar o texto e incluir o fim do foro para crimes cometidos durante a presidência da República. Os processos contra Jair Bolsonaro entrariam nessa categoria. Ele é alvo de investigações na Corte e réu na ação penal do golpe de Estado, que deve ser julgada em setembro.
A PEC não trata de outros pontos que fazem parte do acordo desenhado, como a exigência de permissão do Congresso para que parlamentares possam ser processados e que só há prisão em flagrante para crimes inafiançáveis. A oposição poderia incluir esses temas na PEC do foro ou fazer tramitarem projetos separados.
Na quinta-feira (7), o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos), negou qualquer acordo para pautar projetos em troca do fim do motim. Mas aliados já admitem que ele pode aderir à parte do acordo e fazer andar a PEC do foro. O texto não está na pauta, mas já há requerimentos para votá-lo na próxima semana.
Procurados, Hugo Motta, Arthur Lira e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, não quiseram falar.
O líder da oposição no Senado defendeu as propostas em discussão: “hoje, há um desequilíbrio e há uma intervenção – uma espécie de invasão de competência de um poder sobre um outro poder -. Hoje, o Supremo Tribunal Federal, que deveria ter uma ação específica, ultrapassou os seus limites e passou a ter um poder excessivo sobre o parlamento. O que desequilibra […] A gente não propõe, que ninguém seja, fique acima da lei. Todo mundo pode e deve ser alcançado pela lei na hora que comete algum ato que desabone a sua conduta. Agora, o foro deve voltar a ser ou como era até março de 2025, pelo exercício do cargo em função de atividades inerentes ao cargo”.
O líder do PT na Câmara disse que as mudanças negociadas premiam a impunidade.
“Já existe um texto da PEC que foi aprovada no Senado, que foi aprovada numa comissão especial lá atrás. Agora, as versões que circulam de mudanças dessa PEC são muito graves, é quase uma anistia para tudo o que é parlamentar, é a suspensão de todo o processo contra parlamentar que existe no Supremo. Gente, é como se os deputados tivessem fora, não pudessem ser investigados. Qualquer coisa, até psra abrir um inquérito, teria que começar com autorização do parlamento. Estou falando de inquéritos criminais. Isso é inaceitável, é inconcebível. Eu acho que estão subestimando a reação da sociedade brasileira”,