
Arlindo Cruz
Divulgação / Washington Possato
O cantor e compositor Arlindo Cruz, que morreu nesta sexta-feira (8) aos 66 anos, deixou um legado que vai muito além dos inúmeros hits que marcaram o samba. Entre eles, está “O Meu Lugar”, canção que se transformou em um hino afetivo de Madureira e símbolo da exaltação ao subúrbio carioca.
Com versos que retratam as ruas, os bares, as escolas de samba e a identidade popular da região, a música tornou-se uma das marcas de sua carreira, unindo emoção e pertencimento.
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Lançada originalmente em 2007 e regravada em 2012 para a trilha sonora da novela Avenida Brasil, “O Meu Lugar” embalou cenas do bairro fictício Divino, mas com imagens reais do subúrbio do Rio.
O impacto foi imediato: a canção voltou às paradas, reforçando a imagem de Arlindo como cronista musical da vida suburbana.
“O Arlindo Cruz representa a vocação do subúrbio do Rio, a geografia do Rio. O homem que canta Madureira, que vem de Piedade. Você tem o subúrbio do Rio de Janeiro marcado na música popular”, relembrou o historiador Fábio Fabato na Globonews.
“É fundamental toda a carreira e toda a história dele”, afirmou o pesquisador de samba.
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Para Fabáto, a força de Arlindo estava na capacidade de unir sofisticação e simplicidade.
“Arlindo foi um poeta ultra-sensível que conseguiu, ao exacerbar o ‘carioquismo’ na vastíssima obra, atingir todos os corações — populares e os mais eruditos. Sua capacidade única de misturar sofisticação e simplicidade em letras e melodias o transformaram num dos maiores artistas da Música Popular Brasileira. Ele conseguiu elevar o samba a um patamar de drible desconcertante nos preconceitos históricos com relação ao gênero. Gênio não é exagero, é definição perfeita de quem reinventou a percepção do brasileiro para as coisas nossas”, reforçou Fábio Fabato.
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Em 2013, durante o lançamento do DVD Batuques do Meu Lugar, Arlindo explicou ao g1 que sua música era fruto de influências múltiplas, mas com raízes no subúrbio.
“O trabalho retrata a minha música, que sofre influências do Brasil inteiro. Por isso se chama ‘Batuques do Meu Lugar’ e traz muita coisa da Zona Sul e Zona Norte do Rio, além do samba urbano e suburbano. Tem ainda o samba de Madureira, que é do meu lugar, onde nasci”, contou na época.
Icone do subúrbio
A ligação entre Arlindo Cruz e o subúrbio carioca atravessa toda a sua obra e trajetória. Para o jornalista e crítico musical Mauro Ferreira, é impossível dissociar a vida e a arte do sambista do cenário cultural e afetivo do Rio de Janeiro.
“A obra do Arlindo Cruz, ela sempre esteve ligada ao Rio de Janeiro. É difícil, inclusive, imaginar a obra do Arlindo se ele não tivesse nascido na cidade. Isso ficou explícito a partir de 2006, com o sucesso do samba O Meu Lugar, mas, na realidade, vem desde sempre”, comentou Mauro Ferreira.
Antes da fama, Arlindo percorreu as rodas de samba e pagodes dos subúrbios, especialmente na Zona Norte. Segundo Mauro Ferreira, ele construiu sua base musical cantando em bairros como Abolição e frequentando espaços que se tornariam marcos da renovação do samba.
“O Arlindo circulou muito pelos subúrbios cariocas. Antes de conquistar a fama, ele criou os pagodes dele, cantou muito na Abolição e outros bairros. Ele e Zeca Pagodinho circulavam pelo Rio de Janeiro de ônibus, fazendo sambas, indo a rodas de samba. E, sem falar que, a presença dele na quadra do Cacique de Ramos foi fundamental”, recordou o jornalista.
Arlindo Cruz, no Fundo de Quintal
Nem de Tal/Estadão Conteúdo
Foi no Cacique de Ramos que Arlindo deu um dos passos mais importantes da carreira. Mas foi entre 1981 e 1992, que Arlindo despontou. Durante esse período, ele fez parte do grupo Fundo de Quintal, considerado um divisor de águas no samba.
Com o grupo, Arlindo consolidou o uso do banjo no gênero, instrumento que se tornaria sua marca registrada.
“O Fundo de Quintal é um samba essencialmente carioca. Todo esse pagode carioca dos anos 80 rompeu ali, mas foi revelado antes, no disco De Pé no Chão, da Beth, em 78”.
“O banjo era um instrumento que o Almir Guineto criou, mas o Arlindo acabou desenvolvendo. Ele ficou uma espécie de herdeiro. Quando o Almir saiu do Fundo de Quintal, o Arlindo entrou meio no lugar dele, assumiu o banjo e o banjo ficou na vida do Arlindo até o final”, contou Mauro Ferreira.
Para o jornalista, a geografia afetiva e cultural do subúrbio está entranhada na música de Arlindo Cruz, da primeira à última composição.
Parceria que virou hino
A música “O Meu Lugar” foi composta em parceria com Mauro Diniz, que relembrou o processo criativo em entrevista ao Brito Podcast, em 2022.
Mauro contou que recebeu do amigo uma fita com a primeira parte da música, para que completasse a letra.
“Eu morava no Méier e o Arlindo deixou uma fita pra mim com a primeira parte. Quando fui ouvir, comecei a viajar nas coisas que vivi. Eu nasci em Oswaldo Cruz, morei em Madureira, então tudo aquilo estava na minha memória. ‘Em cada esquina um pagode, um bar, Império e Portela também são de lá’”, relembrou.
Segundo Mauro, o samba rapidamente foi reconhecido como um retrato fiel da região.
“É um dos sambas mais elogiados, que muitos chamam de ‘Madureira’. Todas essas coisas vêm de onde? Vêm do Pai, das luzes, é Ele que nos dá inspiração. Me deu inspiração no jeito que eu toco e com muita satisfação passo meu conhecimento para as pessoas”, contou Mauro Diniz.
Arlindo Cruz
Alexandre Durão/G1
Letra de ‘O meu lugar’
“O meu lugar
É caminho de Ogum e Iansã
Lá tem samba até de manhã
Uma ginga em cada andar
O meu lugar
É cercado de luta e suor
Esperança num mundo melhor
E cerveja pra comemorar
O meu lugar
Tem seus mitos e seres de luz
É bem perto de Oswaldo Cruz
Cascadura, Vaz Lobo, Irajá
O meu lugar
É sorriso, é paz e prazer
O seu nome é doce dizer
Madureira, la-la-iá
Madureira, la-la-iá
O meu lugar
É caminho de Ogum e Iansã
Lá tem samba até de manhã
Uma ginga em cada andar, cada andar
O meu lugar
É cercado de luta e suor
Esperança num mundo melhor
E cerveja pra comemorar
O meu lugar
Tem seus mitos e seres de luz
É bem perto de Oswaldo Cruz
Cascadura, Vaz Lobo, Irajá
O meu lugar
É sorriso, é paz e prazer
O seu nome é doce dizer
Madureira, la-la-iá (vai)
Madureira, la-la-iá
Ah, que lugar
A saudade me faz relembrar
Os amores que eu tive por lá
É difícil esquecer
Doce lugar
Que é eterno no meu coração
E aos poetas traz inspiração
Pra cantar e escrever
Ai, meu lugar
Quem não viu Tia Eulália dançar?
Vó Maria o terreiro benzer?
E ainda tem jongo à luz do luar
Ah, que lugar
Tem mil coisas pra gente dizer
O difícil é saber terminar
Madureira, ia-la-la-iá
Madureira, la-la-la-iá
Madureira
Em cada esquina, um pagode, um bar
Em Madureira
Império e Portela também são de lá
Em Madureira
E no Mercadão você pode comprar
Por uma pechincha, você vai levar
Um dengo, um sonho pra quem quer sonhar
Em Madureira
E quem se habilita, até pode chegar
Tem jogo de ronda, caipira e bilhar
Buraco, sueca pro tempo passar
Em Madureira
E uma fezinha até posso fazer
No grupo dezena, centena e milhar
Pelos sete lados eu vou te cercar
Em Madureira
E la-la-la-ia-la-la-ia-la-la-iá
E la-la-la-ia-la-la-ia-la-la-iá
E la-la-la-ia-la-la-ia-la-la-iá (diz aí, gente)
Em Madureira
E la-la-la-ia-la-la-ia-la-la-iá
E la-la-la-ia-la-la-ia-la-la-iá
E la-la-la-ia-la-la-ia-la-la-iá
Em Madureira, ia-la-iá
Em madureira”