
Novo romance do escritor Itamar Vieira Júnior está previsto para ser lançado em outubro de 2025
Divulgação
“‘Coração Sem Medo’ ainda é um livro que lança para o leitor essa pergunta: como podem as pessoas viverem privadas de sua terra, de seu território?”. A definição é do próprio autor, Itamar Vieira Junior, que conversou com o g1 Campinas sobre a expectativa – dele e dos leitores – com o lançamento da última obra da “trilogia da terra”, previsto para 13 de outubro.
O premiado escritor participou de um bate-papo no Sesc Campinas nesta sexta (22), no qual falou sobre seu processo criativo e os temas que marcam sua obra, como a relação dos povos com a terra, espiritualidade e ancestralidade.
“Coração sem Medo” é a narrativa mais contemporânea da trilogia e conta a história de uma operadora de caixa de supermercado, mãe de três filhos, que tem sua vida transformada quando um deles — o adolescente Cid — some sem deixar rastro na comunidade onde a família reside, em Salvador. Nas palavras do autor, Rita Preta sofre “um verdadeiro calvário”.
O romance aborda temas como injustiças sociais no Brasil e a luta pela terra, além de trazer a potência dos sonhos, emancipação feminina e ancestralidade afro-indígena. Em clara alusão à Torto Arado, Rita Preta aparece como descendente de indígenas escravizados.
Confira a entrevista na íntegra abaixo.
g1: O que te inspirou a criar Rita Preta?
Itamar Vieira Junior: “Rita Preta é uma mulher de 40 anos que trabalha em um supermercado, é mãe solo, tem três filhos adolescentes e essa jornada dela começa quando um desses filhos desaparece na comunidade onde eles moram.
Ali ela vai lembrar do passado. Ela tem uma relação com personagens de Torto Arado, que a gente vai conhecer ao longo da história. E ela é uma dessas imigrantes que precisaram ir para a cidade, pelo acirramento dos conflitos fundiários. A família dela foi completamente desterrada, ou seja, perdeu a terra.
Então, ela já vive em uma Salvador, uma cidade contemporânea, que vive conflitos, uma segregação forte, permanente. Nessa jornada em busca do filho, ela vai viver um verdadeiro calvário, mas também vai conhecer a própria história, a partir de tudo que ela passou, sempre relacionando o presente com sua história, com a história dos que vieram antes”.
g1: O que você diria que existe de similar e o que tem de novo neste livro?
Itamar Vieira Junior: “‘Coração Sem Medo’ ainda é um livro que lança para o leitor essa pergunta: como podem as pessoas viverem privadas de sua terra, de seu território? Sendo que esse é um direito humano elementar, básico, um direito que atravessa todas as culturas, todas as sociedades, em todos os tempos, em todos os lugares do mundo.
As guerras e os grandes conflitos fundiários têm como pano de fundo essa disputa por terra e território. Essa história leva essa pergunta ao leitor, mostrando como isso impacta a vida das pessoas”
g1: Os dois primeiros livros foram muito aclamados. Quais são as suas expectativas para “Coração Sem Medo”?
Itamar Vieira Junior: “Eu fico entusiasmado com a disposição dos leitores, daqueles que vêm acompanhando a minha escrita. É um privilégio em um país como o Brasil, que ainda tem problemas para a formação de leitor, passar pelos lugares, como eu estou aqui em Campinas, e encontrar um público tão grande, tão interessado, que já conhece a história e que tem expectativas para saber o que se passa nessa última parte. Eu fico entusiasmado com o entusiasmo deles quererem conhecer o desfecho dessa história”.
g1: Campinas foi uma das últimas a abolir a escravidão, e aqui viveu Mestre Tito, um ex-escravizado que foi um famoso curandeiro da cidade, responsável por erguer a igreja de São Benedito como fruto de uma promessa. Ele me lembra Zeca Chapéu Grande de Torto Arado. O novo livro também traz essa dimensão espiritual/religiosa?
Itamar Vieira Junior: “Essa experiência religiosa atravessa as três histórias. No caso de Salvar o Fogo, ali a Luzia conserva alguns dons e tem a presença, a onipresença da igreja católica como uma experiência religiosa importante, fundante, mas também reprodutora de violências.
Nessa história, como é mais contemporânea, a religiosidade atravessa ali pontualmente. Mas tem algo que é muito interessante no romance, que são os sonhos. Os significados desses sonhos atravessam a vida dessa personagem, que está buscando por respostas para as suas aflições, para essa ausência”.
g1: Por fim, qual a sua relação com a cidade de Campinas?
“Campinas é essa cidade que tem essa vocação universitária, né? Eu acho que é um lugar onde, de muita profusão intelectual, tem essa vocação educacional importante. Eu, infelizmente, tenho passado por Campinas para conversar com os leitores, mas quase nunca com tempo suficiente para conhecer a cidade. Espero vir com mais tempo, inclusive para conhecer a igreja, né, de São Benedito, já sabendo dessa história e descobrir coisas mais sobre Campinas”.
O autor
Itamar Vieira Junior participou do Flipoços 2025
Igor Avelar/Flipoços
Vencedor dos prêmios Leya, Oceanos e Jabuti, Itamar Vieira Junior nasceu em Salvador, na Bahia, em 1979. É geógrafo e doutor em estudos étnicos e africanos pela UFBA e seu romance de estreia, “Torto Arado”, lançado em 2019, é um dos maiores sucessos — de público e crítica — da literatura brasileira das últimas décadas.
A obra narra a trajetória de duas irmãs que crescem em uma fazenda no sertão da Bahia, marcadas por um acidente na infância que transforma para sempre suas vidas. Já, com “Salvar o fogo”, livro que também lhe rendeu um Jabuti, o escritor retrata a luta pela terra e pela existência no Recôncavo Baiano, onde uma comunidade é oprimida pela pobreza, pela desigualdade social e pela exploração da Igreja Católica.
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