Quilombo de Itararé: herança de forças e histórias de 26 famílias ecoam em cada canteiro


Moradores do Quilombo Fazenda Silvério reunidos no espaço comunitário em Itararé (SP)
Carolina Klocker/Divulgação
Na Fazenda Silvério, em Itararé (SP), a terra vermelha não guarda apenas hortaliças e grãos: ali resistem memórias que atravessam séculos. A comunidade é formada por descendentes de José Silvério Martins, escravizado que chegou à região por volta de 1840 e construiu as primeiras raízes de um legado que se mantém vivo até hoje.
Reconhecida oficialmente em 2018 pela Fundação Palmares como a primeira comunidade remanescente de quilombo do município, a Fazenda Silvério abriga atualmente 26 famílias. Entre plantações, artesanato e projetos culturais, elas transformam o território em espaço de resistência, identidade e futuro.
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Raízes que atravessam séculos
Indícios apontam que, já por volta de 1720, havia escravizados trabalhando na região de Riversul (SP), na antiga Fazenda Laranja Azeda. Foi lá que nasceu José Silvério Martins, patriarca da comunidade.
Anos depois, uma epidemia de malária forçou famílias a deixarem o local. Em busca de sobrevivência, José se mudou para o Morro Vermelho, em Itararé, onde ergueu sua família e plantou algodão e fumo.
De acordo com seus descendentes, ele morreu em 1961, aos 130 anos, deixando um legado de luta e permanência. Até 2004, dez famílias seguiam vivendo no Morro Vermelho, mas a área já não comportava todos. Por meio do Programa Nacional de Crédito Fundiário, 18 titulares adquiriram a atual Fazenda Silvério, onde cada família cultiva sua própria área de terra.
Reconhecimento oficial
O processo para o reconhecimento como quilombo não foi simples. A ausência de documentos dificultava a comprovação da ancestralidade. Segundo os moradores, o apoio do vereador José Roberto Gogo foi fundamental para reunir registros e encaminhar o pedido à Fundação Palmares, que oficializou o título em 2018.
Com isso, a Fazenda Silvério tornou-se a primeira comunidade quilombola reconhecida em Itararé. Na região, outro exemplo é o Quilombo do Jaó, em Itapeva (SP).
Participantes percorrem trilha ecológica durante vivência quilombola na Fazenda Silvério
Carolina Klocker/Divulgação
Agricultura que sustenta e conecta
A rotina é marcada pela produção agrícola diversificada. A comunidade cultiva soja, milho, feijão e aveia, além de hortaliças como alface, rúcula, chicória, cenoura e beterraba. Também há estufas de tomate, pepino e pimentão.
Parte da produção é destinada ao Programa de Aquisição de Alimentos Municipal (PAAM), com escoamento feito pela prefeitura. Já para mercados da região, compradores buscam os produtos diretamente no quilombo. Além dos grãos e hortaliças, algumas famílias comercializam queijos, doces e artesanato.
Cultura e identidade
Mais que alimento, a comunidade cultiva memória e identidade afro-brasileira. O projeto Flor no Bambo, idealizado pelas professoras Andrea e Dynná Ferraz, nasceu de conversas com mulheres quilombolas e consistia em pintar vasos com temáticas africanas, plantar suculentas e vender as peças.
A capoeira também se firmou como elo entre passado e presente. Crianças, jovens e adultos participam das rodas conduzidas pela mestre Camila Garcia, pelo mestre Fernando e família, em um trabalho que fortalece a cultura e promove integração.
Educação e protagonismo feminino
Na Fazenda Silvério, a história quilombola também está presente nas salas de aula das escolas municipal e estadual que atendem a comunidade. Professores incluem a ancestralidade como parte das atividades escolares.
As mulheres, por sua vez, assumem papel de liderança em cursos, oficinas e eventos, além de organizarem oficinas de confecção da boneca abayomi — símbolo de resistência africana — com estudantes visitantes.
Grupo realiza visita ao ribeirão, atividade que integra o roteiro de experiências na comunidade
Carolina Klocker/Divulgação
Desafios e sonhos
Apesar dos avanços, os moradores enfrentam lutas atuais: a regularização fundiária, o acesso ao saneamento básico e melhorias de infraestrutura. Ainda assim, mantêm relação de parceria com a prefeitura, considerada por eles um apoio constante.
Entre os sonhos da comunidade está investir em turismo rural e afroturismo, como forma de fortalecer a economia local e difundir a história quilombola pela região. “Temos que fazer jus àqueles que sofreram tanto lá atrás”, diz Silvane Aparecida Matias, bisneta de José Silvério Martins.
Olhar para o futuro
Mesmo já tendo recebido algumas visitas escolares e de pequenos grupos, o quilombo planeja ampliar esse contato com o público. O primeiro grande evento organizado pela comunidade será neste ano, durante o Dia da Consciência Negra, em novembro.
A programação prevê vivências com trilhas ecológicas pelo ribeirão, rodas de capoeira, contação de histórias, culinária afro-brasileira, música raiz e exposição de arte e artesanato. Toda a renda será revertida para melhorias no centro comunitário.
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