
Roseli Muniz Giachini, produtora de soja e milho em Mato Grosso, aprendeu o MIP na faculdade e aplica a técnica nas lavouras da família
Roseli Giachini/Arquivo pessoal
Por trás de cada prato de arroz com feijão, temperado com óleo de soja, ou do frango assado do domingo, alimentado com ração à base de milho, existe um pedaço de Mato Grosso. O estado é o maior produtor de soja e milho do Brasil, responsável por uma fatia decisiva do que chega não só à mesa dos brasileiros, mas também para mais de 150 países que compram os grãos mato-grossenses, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
Para garantir que essa abundância não pese no bolso do produtor nem no meio ambiente, um aliado vem ganhando espaço nas lavouras: o Manejo Integrado de Pragas (MIP). De forma simples, essa é uma estratégia de controle que busca reduzir o uso de químicos para manter os inimigos naturais e controlar as pragas que devastam o campo.
Roseli Muniz Giachini, produtora de soja e milho em Cláudia e União do Sul (MT), adotou a prática em 1999, após adquirir o conhecimento na faculdade. Desde então, o monitoramento faz parte de sua rotina quase como um ritual.
Temos um cronograma de vistorias semanais nos talhões. Fazemos o levantamento das pragas e dos inimigos naturais. Só aplicamos produtos quando a população atinge o nível de controle. Isso evita o uso excessivo de defensivos
O impacto é direto no bolso e no ambiente. Roseli lembra de um caso prático: “Uma aplicação [de defensivo] para controlar percevejo, por exemplo, custaria cerca de R$ 105 por hectare. Se não há nível de controle, eu deixo de aplicar e economizo. Quem faz MIP consegue ter essa segurança para decidir”, ressaltou.
Ela conta, orgulhosa, que hoje usa até plataformas digitais para monitorar as lavouras via celular, mostrando que tradição e inovação andam lado a lado para tornar o campo mais prático e sustentável.
O Manejo Integrado de Pragas (MIP) em 3 passos
Arte: Kessillen Lopes/g1 MT
“É como os antibióticos: você não toma um remédio forte só porque espirrou uma vez. Se usar sem necessidade, pode causar mais problemas que soluções. No campo, é a mesma lógica”, comparou o pesquisador da Embrapa Agrossilvipastoril, Paulo Pitta.
Pesquisas da Embrapa, que estão em desenvolvimento desde 1970, mostram que, quando aplicado corretamente, o MIP pode reduzir em mais de 40% o uso de inseticidas nas lavouras, sem comprometer a produtividade. Os principais resultados obtidos ao longo desses anos comprovam que a técnica:
Reduz o custo de produção através do controle racional de pragas e, com isso, aumenta lucros;
Diminui o impacto ambiental com menos inseticidas e preserva os inimigos naturais;
Auxilia na redução das emissões de CO₂ e, com isso, contribui com a descarbonização da sojicultura;
Evita perdas de produção e qualidade de grãos;
Reduz a pressão de seleção de pragas resistentes a inseticidas e/ou plantas Bt.
💰Em julho, os gastos com fertilizantes e defensivos agrícolas, somente na safra de soja 2025/26, aumentaram 0,92% em comparação ao mês anterior (veja no gráfico abaixo), deixando o custo projetado em R$ 4,1 mil por hectare, conforme o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea).
Paulo Pitta explicou que o que diferencia o MIP é a racionalidade. “Muitas vezes o produtor vê algumas lagartas e já aplica defensivo. Até certa quantidade, o custo da aplicação é maior do que o prejuízo causado. É como gastar mais do que se perderia. O MIP ajuda a evitar esse desperdício e ainda preserva o equilíbrio ambiental”.
📊 Antes e depois do MIP: impacto no bolso do produtor
A pesquisadora da Fundação MT, Mariana Ortega, referência em entomologia — área dedicada ao estudo dos insetos — lembra que cada praga se comporta de forma diferente, e fatores como temperatura e umidade influenciam diretamente as infestações. Segundo ela, o Manejo Integrado devolve às lavouras o equilíbrio dos inimigos naturais, como joaninhas e crisopídeos, aliados do produtor rural.
“O monitoramento é a chave. Não há como prever com exatidão quando e em que intensidade uma praga vai surgir. O produtor que acompanha de perto toma decisões mais assertivas e gasta menos com defensivos”, destacou.
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🎓Os desafios e o sucesso de quem conhece
Apesar dos avanços nas pesquisas, a Embrapa e a Fundação MT apontam que os maiores gargalos hoje são a falta de conhecimento sobre a estratégia e de profissionais qualificados no mercado. E foi isso que levou o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar-MT) a criar o curso de Manejo Integrado de Pragas e Doenças na Soja (MIPD). Hoje, a engenheira agrônoma e ex-aluna da instituição, Elyerika Rego, faz da técnica seu sustento.
“Sempre via na faculdade aqueles insetos, mas no campo não sabia como localizá-los, então isso foi algo que me despertou a necessidade de estudar mais sobre pragas e doenças, vendo que no campo existe uma necessidade de profissionais que dominem essa área de conhecimento”, contou.
O conhecimento levou Caroline a iniciar a carreira como estagiária em uma empresa de tecnologia agrícola, passando para pesquisadora trainee na área do MIP e hoje atua como analista de inovação agronômica e comanda um departamento de pesquisa no mais novo município do Brasil que nasceu do agronegócio, Boa Esperança do Norte (MT).
O agro envolve todo o ciclo produtivo para que, no final, cheguem os melhores produtos à mesa. Por isso, é preciso entender esse ciclo para ser assertivo na tomada de decisão. Não retiramos da gôndola do mercado um produto avariado, não consumimos produtos ‘feios’, e é aí que o MIP se torna tão importante na cadeia produtiva.
Elyerika Rego, ex-aluna do curso de Manejo Integrado de Pragas e Doenças na Soja, durante trabalho no campo
Arquivo pessoal
🥗 Da lavoura ao prato
A nutricionista Bruna Gabriela Oliveira da Fonseca reforça que o reflexo do MIP não fica só no campo:
“Alimentos produzidos com menos químicos reduzem riscos de alterações hormonais e até de câncer. A população está cada vez mais consciente e buscando práticas sustentáveis. Isso melhora a saúde pública como um todo”, disse.
O impacto chega à mesa em exemplos simples:
🍲O óleo de soja usado no arroz e feijão.
🌽O milho, base da ração que alimenta frangos, ovos e suínos.
🍪🥖Produtos industrializados que dependem da soja e do milho, como biscoitos, pães, margarinas e carnes.
A professora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e coordenadora do Projeto Gaia – Rede de Cooperação para a Sustentabilidade, Rafaella Teles, também relaciona o tema à saúde pública. Ela ressalta que, quando o produtor economiza insumos e protege o ambiente, o consumidor ganha saúde e qualidade de vida.
“Mato Grosso tem índices preocupantes de doenças relacionadas ao excesso de químicos. Práticas como o MIP reduzem riscos, protegem o meio ambiente e têm reflexo direto na qualidade de vida da população, tanto no campo quanto na cidade. Somos o celeiro do mundo e é importante expandir as boas práticas”, ressaltou.
Para os pesquisadores, o Manejo Integrado de Pragas não é apenas uma técnica agrícola: é um elo entre o campo e a cidade. Ele garante que a soja e o milho produzidos em Mato Grosso cheguem à mesa dos brasileiros e do mundo de forma mais saudável, competitiva e sustentável.
🌍 Campo, cidade e o mundo
Mato Grosso segue crescendo como uma potência mundial agrícola. A colheita da safra de milho 2024/25 se encaminha para mais de 53 milhões de toneladas, o que representa 49% da produção total do milho segunda safra no país, segundo o último levantamento divulgado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), em julho. Já a produção de soja na safra 2024/25 foi de aproximadamente 50,9 milhões de toneladas, um recorde para o estado.
Parte dessa produção segue direto para países da Europa e Ásia, onde a exigência por práticas sustentáveis cresce a cada ano.
Para o presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT), que também coordena a área de sustentabilidade da instituição, Lucas Costa Beber, práticas como o MIP são estratégicas para a produção do estado, pois, além de reduzir custos, mostram que o agro mato-grossense pode ser — ao mesmo tempo — gigante na produção e responsável na preservação.
“O MIP é fundamental para mantermos competitividade no mercado internacional. Ele alia economia e sustentabilidade, e esse equilíbrio é o que dá segurança à nossa cadeia produtiva”, pontuou.
🏁A corrida pela sustentabilidade
Sustentabilidade deixou de ser tendência para se tornar um caminho obrigatório na produção de alimentos. Em Mato Grosso, esse compromisso tem números que impressionam: segundo a Aprosoja-MT, nos últimos dez anos, produtores cadastrados preservaram mais de 30 mil km² de áreas sustentáveis — equivalente ao tamanho da Bélgica.
O Cadastro Ambiental Rural (CAR) reforça essa dimensão: 66% da vegetação nativa do Brasil está protegida, sendo 26% apenas em áreas de cultivo de soja.
Foi nesse contexto que nasceu o programa Soja Legal, criado há mais de uma década para unir produtividade e responsabilidade. O objetivo é simples, mas poderoso: combater a desinformação sobre a soja, mostrando que é possível produzir em grande escala sem abrir mão da preservação.
Hoje, mais de mil produtores fazem parte dessa rede, com certificações, indicadores de desempenho e práticas que atendem às exigências da legislação nacional e internacional — em sintonia com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU).
Na prática, o programa vai além do discurso:
📚 Cartilhas e materiais educativos para orientar produtores
🚜 Assistência técnica e cursos de capacitação para equipes no campo
💻 Ferramentas digitais que ajudam a monitorar e comprovar a sustentabilidade
📍 Placas de sinalização nas propriedades, reforçando a transparência
Em 2022, o programa foi reconhecido pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e, em 2023, recebeu a creditação da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
Mais de mil produtores participam do programa socioambiental em Mato Grosso
Bruno Lopes/Aprosoja-MT
Gerente de Conteúdo: Monycka Mariahl