
Procedimento custa aproximadamente R$ 320 mil por cada clone nascido. Cópia completou oito meses e já vale R$ 500 mil. Fundador do haras diz que processo visa garantir futuro do hipismo brasileiro. Magnólia Mystic Rose TN1 é o primeiro clone de égua da raça Brasileiro de Hipismo (BH), que tem histórico de vitórias no esporte
Haras Rosa Mystica/Divulgação
Um haras em Salto de Pirapora (SP) atingiu um marco inédito na criação de cavalos para o hipismo ao clonar uma égua da raça Brasileiro de Hipismo (BH). A égua clone Magnólia Mystic Rose TN1 (Transferência Nuclear 1) nasceu em 8 de outubro do ano passado.
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O clone carrega a mesma carga genética de Magnólia Mystic Rose, égua de 15 anos que se destacou no hipismo internacional com participações em competições olímpicas e na final dos Jogos Pan-Americanos de Lima, no Peru, montada pelo cavaleiro guatemalteco Juan Andrés Rodríguez.
O histórico de vitórias foi um dos principais motivos que levou o haras a investir na clonagem, processo que ultrapassa os R$ 300 mil (entenda mais abaixo).
No entanto, a decisão não se baseou apenas nos resultados esportivos, conforme explica o advogado Nilson da Silva Leite, um dos responsáveis pelo haras e membro do Conselho Técnico da Associação Brasileira de Criadores de Cavalos BH (ABCCBH). Ela vai além.
“É uma égua muito bonita, imponente, tem 1,82 de cernelha. Pelo seu porte, pelos seus resultados, já seria uma excelente matriz. Mas não só isso, a Magnólia é mãe da égua Miss Blue, que trouxe títulos inéditos para a criação brasileira, como o Grande Prêmio Rolex de Roma, o Grande Prêmio de Fontainebleau, na França, o Grande Prêmio de Hamburgo, na Alemanha, além de diversas outras classificações em provas importantes do mais alto nível. A Magnólia conseguiu provar ser uma ótima matriz, porque produziu uma filha melhor até do que ela mesmo. Isso é ser uma transmissora genética de qualidade”, explica.
A égua Miss Blue, filha de Magnólia, morreu no dia 24 de junho, aos 12 anos, devido a um quadro de torção intestinal. Miss Blue morava no centro de treinamento do cavaleiro olímpico brasileiro Yuri Mansur em Venlo, no sudeste da Holanda.
Brasileiro Yuri Mansur montando a égua Miss Blue em Roma, na Itália
Mosa’ab Elshamy/AP Photo
E foi dessa combinação de desempenho e boa genética que nasceu o desejo de clonar a Magnólia Mystic Rose, não com o propósito de frear o avanço da raça, mas, sim, proteger e preservar uma linhagem considerada estratégica e valiosa para o hipismo brasileiro, afirma Nilson.
“A importância desse primeiro clone, ainda mais por ser um clone de uma envergadura já comprovada, tanto no esporte quanto na reprodução, é imensurável.”
Criador diz que clone tem ‘importância imensurável’ para o hipismo brasileiro
Haras Rosa Mystica/Divulgação
O processo de clonagem
A clonagem foi feita pela empresa In Vitro Equinos, de Mogi-Mirim (SP). De acordo com a médica veterinária e CEO da empresa, Perla Fleury, foi utilizada a técnica de transferência nuclear para a produção dos embriões. O material genético foi extraído a partir de células de pele da égua original.
“É uma técnica na qual transferimos o núcleo da célula do animal que a gente deseja clonar para dentro de um oócito enucleado, ou seja, sem núcleo. Lembrando que o núcleo é quem carrega as informações genéticas desse animal que vai se formar”, explica.
Para clonar a Magnólia, o laboratório utilizou fibroblastos, células extraídas da pele que contêm todas as características do animal a ser clonado. De acordo com Perla, após a coleta, o material passa por um processo de cultivo até formar uma “população” pura de células, usada na criação do embrião.
“Utilizamos oócitos que são enucleados, ou seja, tem o seu material genético retirado, e substituímos esse material genético pelos núcleos dessas células de pele. Aí estimulamos a fusão desse novo núcleo que entrou nesse oócito para que ele se torne, então, um embrião. A partir daí, o embrião começa a se dividir, seguindo todas as informações genéticas comandadas pelo núcleo da célula de pele que foi colocado dentro do óvulo no comecinho do processo. Desta etapa em diante, acontecerá um desenvolvimento embrionário normal, como qualquer outro.”
Após a formação, os embriões são mantidos por cerca de oito dias em uma incubadora com ambiente controlado in vitro, que simula as condições uterinas de uma égua para permitir o desenvolvimento inicial. Em seguida, são congelados e ficam aguardando pelo momento ideal para serem transferidos para um útero.
“Depois, esses embriões são congelados e, no momento mais adequado, são descongelados e transferidos para o útero de uma égua receptora, ou seja, uma égua ‘barriga de aluguel’, que vai ser o animal responsável por gestar o embrião clone e dar à luz um potrinho que será uma cópia do animal original. Importante dizer que o clone não sofre influência genética do animal que irá gestá-lo e terá todas suas informações genéticas oriundas do núcleo da célula doadora original.”
Perla Fleury, médica veterinária e CEO da In Vitro Equinos, explica processo de clonagem feito em égua com histórico de vitórias no hipismo
In Vitro Equinos/Divulgação
Conforme a veterinária, o procedimento custa aproximadamente R$ 320 mil por cada clone nascido. A expectativa é de que a cada 50 oócitos iniciais trabalhados, um potro seja gerado e nascido ao final do processo. A gestação é acompanhada de perto pelos veterinários devido ao valor genético e financeiro envolvido no processo. Após o nascimento, o clone segue seu desenvolvimento com o mesmo tratamento dado a um proto recém-nascido, sem necessidade de cuidados médicos específicos.
“Não há nenhuma limitação para escolher um animal para ser clonado. Depende mais do criador e da importância genética que ele vê no animal. Vale ressaltar que os criadores podem optar por armazenar células [fibroblastos] que serão cultivados e congelados para clonagem futura. É um seguro biológico importante para as grandes criações de equinos.”
O futuro de Magnólia Mystic Rose TN1
Com pouco mais de oito meses de vida, o clone de Magnólia já é avaliado em R$ 500 mil. O animal apresenta boa saúde e tem correspondido às expectativas do haras. Mas, conforme revela Nilson, apesar do bom desenvolvimento, o haras ainda não tem intenção de usá-la em competições esportivas, pois a ideia é de que a égua seja uma cópia de segurança da genética da Magnólia.
“Se tudo correr bem e for interessante, a gente vai utilizar ela no esporte, mas a ideia principal é ter uma cópia de segurança genética da Magnolia. O trabalho de doma só começa com quatro anos. O processo de formação de um cavalo de competição é muito lento. Por isso a importância de tentarmos diminuir ao máximo possível os erros. E a cópia tem se desenvolvido muito bem, com uma saúde incrível igual a da matriz. É muito alegre, vigorosa”, aponta.
No vídeo, o clone e a égua usada para gerar o animal
O Haras Rosa Mystica foi fundado por Jozias Leite, um ex-metalúrgico que tinha o sonho de morar no interior. Atualmente, o haras é administrado pelos quatros filhos de Jozias, entre eles, Nilson Leite, que está a frente das ações estratégicas de genética, expansão e divulgação dos trabalhos. A missão, conforme os administradores, é investir na criação de cavalos da raça Brasileiro de Hipismo.
“Além de uma genética apurada, acreditamos na necessidade de cuidados constantes no manejo dos potros e de suas mães. Então, muito mais do que um avanço científico, a Magnólia cópia representa para o nosso haras uma união entre tradição e inovação. É um respeito ao legado da Magnólia original e um comprometimento com o futuro do hipismo brasileiro. A gente fica muito feliz em ver as duas Magnólias dividindo o piquete e tendo uma convivência que nos deixa bastante esperançoso”, finaliza Nilson.
Jozias Leite, criador do Haras Rosa Mystica, que fica em Salto de Pirapora (SP)
Haras Rosa Mystica/Divulgação
Lei que autoriza clonagem
Em 13 de novembro do ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei Nº 15.021/2024 que regula o controle e a fiscalização da produção, manipulação, importação, exportação e comercialização de material genético animal e clones de animais domésticos de interesse zootécnico.
Conforme o governo federal, a legislação define termos essenciais como clonagem e material genético, e estabelece que a fiscalização será feita pelo Poder Público federal, abrangendo aspectos higiênico-sanitários, de segurança e de desempenho produtivo em diversos locais, incluindo laboratórios e portos.
A medida determina ainda que apenas fornecedores registrados no órgão competente do Poder Público federal podem desenvolver atividades relacionadas ao material genético animal e clones de animais domésticos de interesse zootécnico, com controle oficial dos animais doadores. A supervisão e a emissão de certificados serão de responsabilidade dos serviços veterinários oficiais.
Clone Magnólia Mystic Rose TN1 é avaliada em R$ 500 mil
Haras Rosa Mystica/Divulgação
À esquerda, o clone, à direita, a Magnólia matriz
Haras Rosa Mystica/Divulgação
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