
João Simonetti foi o responsável por levar a TV para o interior de SP, em 1960, com a TV Bauru – Canal 2
Arquivo/TV TEM
João Simonetti foi um dos nomes mais importantes da comunicação no interior do Brasil. Imigrante italiano, marceneiro por profissão e apaixonado pela radiodifusão, ele foi o responsável por fundar o primeiro canal de televisão fora de uma capital na América Latina, em 1960, em Bauru (SP).
Ousadia, pioneirismo e uma amizade com o então presidente Getúlio Vargas construíram o legado na comunicação que segue vivo na cidade por meio das novas gerações de sua família.
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Esta reportagem é parte de uma série especial produzida pelo g1 e a TV TEM em comemoração aos 65 anos da TV Bauru. Confira a primeira reportagem da série, publicada na segunda-feira (4).
Nesta segunda reportagem, o g1 aprofunda a trajetória de João Simonetti com base em entrevistas com netos, uma historiadora e na biografia “Joanin”, escrita por seu neto Paulo Sérgio Simonetti.
Brasileiro ou italiano?
A história de Simonetti começa com a dúvida: sua nacionalidade é brasileira ou italiana?
Documentos de identidade apresentam informações conflitantes, mas o que se sabe com certeza é que João Simonetti nasceu em 1886.
Brasileiro ou italiano: neto de João Simonetti fala sobre nacionalidade do avô
Em entrevista à TV TEM, o radialista João Simonetti Neto, neto do pioneiro, compartilhou a versão que ouviu da própria família sobre as origens do avô. Segundo ele, a família veio da Calábria, região sul da Itália, e chegou ao Brasil com João ainda jovem.
A família desembarcou no porto de Santos (SP) e se estabeleceu em Dois Córregos (SP), onde trabalhou como marceneira, ofício que Simonetti também exerceu antes de migrar para o mundo da comunicação.
Estação Ferroviária de Dois Córregos nos anos 1910
Reprodução/Estações Ferroviárias
Segundo os netos, Simonetti teria contornado um obstáculo legal, já que apenas brasileiros natos podiam receber concessões de rádio. A saída encontrada foi buscar um novo registro em Dois Córregos.
“Meu avô foi lá porque o cartório tinha pegado fogo. Ele disse: ‘Vim tirar a segunda via’. Os funcionários falaram que a única saída era só se ele fosse falando e eles escrevendo. Meu avô ditou: ‘Natural de Dois Córregos, estado de São Paulo’. Foi esperto.”
No entanto, segundo apuração da TV TEM, o cartório da cidade nunca pegou fogo, de acordo com a atual administração.
Simonetti mudou-se para Bauru em 1916. Quatro anos depois, arrendou uma sala de cinema mudo para exibir filmes. Em 1934, fez a sua primeira transmissão de rádio e, em 1935, conseguiu a licença oficial para radiodifusão.
Em 1940, começou a construir o prédio da Bauru Rádio Clube, no bairro Bela Vista, em um ponto estratégico, próximo à ferrovia e em área elevada da cidade, ideal para a cobertura do sinal de rádio.
Fachada da Rádio PRG-8 em Bauru (SP)
Arquivo/TV TEM
O primeiro canal de TV do interior da América Latina
Em 1952, durante uma viagem a São Paulo, Simonetti assistiu pela primeira vez a uma transmissão de TV, provavelmente da TV Tupi, que havia sido inaugurada em 1950.
“Meu avô viu um jogo de futebol, Palmeiras e Santos. Ele ficou encantado com a imagem somada ao som. Disse: ‘Esse é o veículo completo: som e imagem’. Dali já foi para o Rio de Janeiro atrás do Getúlio Vargas, que era muito amigo dele”, contou João Simonetti Neto.
João Simonetti, pioneiro da TV em Bauru (SP), era amigo próximo de Getúlio Vargas
Arquivo/TV TEM
A amizade com o presidente começou anos antes, por volta de 1938, após o golpe do Estado Novo. Getúlio visitou Bauru e foi recebido pela elite local.
“Ele veio para Bauru de avião da VASP, com a esposa e a filha. Foi muito bem recebido por todos que queriam ver Bauru crescer. Dormiu na Fazenda Val de Palmas e, no dia seguinte, seguiu viagem para outras cidades da região”, lembra a historiadora e doutora em história social Terezinha Santarosa Zanlochi.
Estação de trem da Fazenda Val de Palmas, em Bauru (SP), onde João Simonetti conheceu Getúlio Vargas
Arquivo/TV TEM
“Nesse período, quem controlava os meios de comunicação era João Simonetti, com a Bauru Rádio Clube. E é aí que ele estreita os laços com Getúlio, o que vai culminar no pedido de uma concessão de canal de TV entre 1951 e 1952”, completa a historiadora.
A concessão federal só saiu em 1958, durante o governo de Juscelino Kubitschek. Quando foi aprovada, Simonetti recebeu um telegrama do então vice-presidente, João Goulart:
“Congratulo meu amigo. Grande vitória. Estou certo de que seu canal de televisão estará sempre na primeira linha de defesa dos ideais nacionalistas do imortal presidente Getúlio Vargas.” – João Goulart
Telegrama recebido por João Simonetti de João Goulart parabenizando-o sobre a concessão da TV Bauru
Arquivo/TV TEM
Era preciso vender televisores
A concessão vinha com a condição de que a cidade tivesse, no mínimo, mil televisores vendidos e instalados. A família firmou uma parceria com a empresa Rebratel, que fabricava os aparelhos.
Modelo de televisor da Rebratel vendido de Bauru (SP) como pré-requisito para a inauguração da emissora de Simonetti
Arquivo/TV TEM
“Foi mais pelo nome do meu avô, nosso sobrenome. A gente era conhecido no rádio, o pessoal confiava e ia comprando. A venda era de porta em porta. Um comprava para ele, para o filho, para a filha…”, lembra um dos netos.
A TV Bauru entrou no ar em 1960, mas, poucos meses depois, Simonetti se afastou da emissora, devido aos altos custos de manutenção.
Transição de TV Bauru para a Organização Victor Costa (OVC)
Arquivo/TV TEM
A Rebratel assumiu o controle, e logo a rede foi comprada pelas Organizações Victor Costa, ligadas à Rádio Paulista de Televisão. A emissora passou a receber equipamentos e profissionais treinados. Em 1965, a TV Bauru foi incorporada à Rede Globo, com a compra das Organizações Victor Costa.
Apesar disso, os traços de Simonetti permanecem no prédio. Um cajueiro plantado por ele ainda está lá.
Legado de geração em geração
Os netos Paulo e João Neto, conhecido no rádio como Netão, definem o avô como baixinho, bravo e reservado.
“Ele era baixinho, mas bravo. O apelido dele era Joanin, de pequenininho”, contou Paulo Simonetti, também neto de João.
Eles têm poucas lembranças pessoais, mas seguiram o caminho dele. Hoje, a família administra a 94 FM de Bauru, com transmissão para todo o Brasil online e em Bauru e cidades vizinhas.
Família Simonetti reunida nas dependências da 94 FM em Bauru (SP)
Reprodução/TV TEM
“Eu nunca vi meu avô sorrir. Ele estava sempre quieto. Para a gente entrar na sala da casa dele, pensava mil vezes. Ele não dava ‘colher de chá’, mas deixou um legado. Estamos indo para a quarta geração no rádio, meu avô, meu pai, nós, nossas filhas e agora nossos netos”, lembra Netão.
“A gente só foi dar valor para ele há pouco tempo. Quando era moleque, nem passava pela cabeça. Depois começaram a falar tanto dele, e pensamos: ‘Nossa, o homem era um fenômeno mesmo’. Ele estava muito à frente do tempo dele”, finaliza.
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