
Conheça cinco tradições preservadas pela Festa do Peão de Barretos, SP
Ao longo de 70 anos, a Festa do Peão de Barretos preserva costumes que moldaram a identidade sertaneja nacional.
Da devoção a Nossa Senhora Aparecida à ‘queima do alho’, a festa mantém antigos hábitos dos peões de boiadeiro desde 1955, quando foi fundada, e que seguem influenciando o comportamento de novas gerações.
Como trabalhador do campo por décadas, o peão de boiadeiro não apenas ajudou no desenvolvimento de cidades, mas também contribuiu para a cultura brasileira.
✅ Faça parte do canal do g1 Ribeirão e Franca no WhatsApp
Segundo a historiadora Karla Armani Medeiros, os costumes surgiram na época das comitivas de gado, quando grupos saíam geralmente das zonas criadoras de animais, como Mato Grosso e Minas Gerais, rumo ao interior paulista, em especial Barretos, ponto de chegada desses peões que levavam o rebanho até os frigoríficos na cidade.
“São costumes da cultura sertaneja vindos do peão de boiadeiro e de todo o trabalho dele. Porque como é um ícone que tem um trabalho na lida, no campo, ele tem características tão peculiares que todas elas se transformam em tradições”, diz.
Abaixo, o g1 lista cinco tradições preservadas na Festa do Peão por décadas:
1.Queima do alho
🧄 Herdada das comitivas de boiadeiros que cruzavam o interior do Brasil levando gado, a queima do alho surgiu da necessidade de alimentar os peões durante essas longas viagens, lembra Karla.
“Existia um peão que era responsável pela alimentação daquela tropa, ele tinha que ficar à frente da comitiva, tinha que chegar primeiro no ponto de pouso. Ele ia mais rápido, e os burros que o acompanhavam carregavam todas as panelas e alimentos.”
Até hoje, o preparo é feito no fogo de chão e o prato da queima do alho é reforçado, à base de proteína e carboidratos, justamente para restabelecer a energia gasta pelos trabalhadores.
Cozinheiro prepara Queima do Alho, composta por arroz carreteiro, paçoca de carne, feijão gordo e churrasco
Divulgação
LEIA TAMBÉM 👇:
Programação: Quem vai tocar na Festa do Peão de Barretos 2025?
Soberana: Rainha da Festa de Barretos realiza sonho de criança ao conquistar título
Concurso cultural: ‘Sinta Barretos!’ leva vencedor à Festa do Peão
É composto por arroz carreteiro, feijão tropeiro, churrasco, carne seca no pilão com rapadura e outros temperos que formam a paçoca de carne.
A historiadora conta que há duas versões para a combinação ter sido batizada de queima do alho.
“Uma diz que é como se fosse o primeiro passo do processo de cozinhar, algo como ‘vamos queimar o alho’. Mas também existe a outra versão de que eram as mulheres dos peões ou as mães que falavam: ‘comida feita por homens, eles não vão dar conta, vai queimar o alho’. Essa versão é a mais divertida.”
A tradição virou concurso gastronômico em 1958 na Festa do Peão de Barretos. Neste ano, acontece no dia 24 de agosto. O vencedor é o cozinheiro que prepara a melhor refeição à moda dos tropeiros.
2.Devoção a Nossa Senhora
🙏 A fé também ocupa lugar central na Festa de Barretos. Antes do início das provas de montaria, há um momento de oração e reverência a Nossa Senhora Aparecida.
“Existe toda uma cerimônia quando vai começar o rodeio, é bem emocionante, a gente vê os peões muitas vezes agachados, olhando para o céu, tirando o chapéu e colocando junto ao coração, como uma homenagem a Nossa Senhora”, explica Karla.
Nossa Senhora Aparecida é a padroeira do Brasil e também dos mais necessitados. Ela é tida como uma peregrina, ou seja, aquela que está presente em todos os lugares, o que se confunde com a própria atividade do peão de boiadeiro.
Peão mostra fé antes de disputa na arena de Barretos
Érico Andrade/G1
A historiadora e atual presidente da Academia de Letras e Artes de Barretos (ALAB), Elisete Greve Tedesco, afirma que a devoção na festa do peão pode ser vista nos detalhes.
“A devoção se materializa com peões levando as imagens da santa com muita fé junto aos seus corpos para protegê-los de todos os perigos, quer em chapéus, carteiras, medalhinhas, lenços nos pescoços, botas, em singelas ou até mesmo em ricas fivelas, pulseiras e, outros ornamentos elaborados em ouro e pedras preciosas, sempre repletos de fé.”
3.Berrante
🐮 Símbolo sonoro da cultura do peão, o berrante é mais do que um instrumento: é uma linguagem. Feito com chifre de boi e revestido de couro, era usado nas comitivas como códigos, explica Elisete.
“O berranteiro utiliza o instrumento emitindo sons agudos e graves, sendo cada toque uma senha de comunicação de que é hora da bóia, de recolher, de perigo e de orientação ao boi sineiro – aquele esperto e experiente que comanda a boiada.”
Homem toca berrante na Festa do Peão de Barretos
Érico Andrade / g1
Considerado um patrimônio imaterial da cultura do peão de boiadeiro, o berrante tem cinco principais toques. Cada um é usado para uma finalidade específica, diz Karla.
“O primeiro é aquele mais conhecido, que é o toque de saída, que serve para despertar a boiada, é um toque mais sereno. Depois tem o toque do estradão, que serve para reanimar a boiada na estrada, como se fosse um soldado marchando, um toque bem repicado. Tem o toque do abatedouro, que indica perigo. Aí tem o toque da queima do alho, para indicar que o almoço está pronto, e o toque de floreio, que é livre e parece mesmo uma música.”
O som grave e inconfundível do berrante virou tradição no ‘Concurso dos Berranteiros’, desde a primeira edição da festa, em 1956.
A disputa é realizada durante a Queima do Alho e dura cerca de uma hora, premiando os três melhores colocados.
4.Moda de viola
🤠 Se há um som que define a alma sertaneja, ele vem da viola caipira. Com dez cordas e origem europeia, o instrumento chegou ao Brasil ainda no período colonial. Misturado às influências indígenas e africanas, deu origem à moda de viola com versos que falavam sobre as emoções no trabalho, lazer, religiosidade e o cotidiano.
“A viola é um instrumento diferenciado. Ele vem da Europa, tem dez cordas e geralmente é cantado, o instrumento é acompanhado de um dueto de vozes que geralmente interpretam canções compostas que narram o cotidiano rural”, comenta Karla.
Antigamente, os ensinamentos para tocar a viola eram passados de geração em geração. Depois foi se popularizando até chegar ao rádio, aos discos. É também a partir da moda de viola que surge a música sertaneja, tão popular no Brasil atualmente.
O hino nacional interpretado ao som da viola em Ribeirão Preto
Érico Andrade/g1
5.Catira
👢A dança folclórica tem espaço garantido com a catira. Inicialmente feita apenas por homens, a dança folclórica se caracteriza pelas batidas coordenadas e ritmadas de mãos e pés acompanhadas de música.
“Também conhecida por ‘cateretê’, é uma expressão cultural de origem indígena, com influências africanas e portuguesas, surgida nas regiões Centro-Oeste, Sudeste, destacando-se, nos estados de Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais e São Paulo. Os palmeados e os sapateados são executados com sons de instrumentos, principalmente, das violas”, explica Elisete.
As apresentações de catira acontecem ao longo da festa e no dia da queima do alho, onde a maioria das tradições é festejada.
Catira é uma das tradições sertanejas presentes na Queima do Alho
Drone JC
Leia mais notícias da Festa do Peão de Barretos 2025