Trama golpista: veja como PGR liga atuação da organização criminosa aos atos de 8 de janeiro


A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) vai julgar a ação penal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus pela tentativa de golpe de Estado em 2022.
Autora da denúncia contra o grupo, a Procuradoria-Geral da República (PGR) considera que há uma ligação entre a atuação da organização criminosa voltada para a ruptura democrática com os atos de 8 de janeiro – quando foram invadidas e depredadas as sedes dos Três Poderes.
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A PGR detalhou a relação entre os fatos na acusação feita em março deste ano e nas suas conclusões no processo, apresentadas em julho.
Para a Procuradoria, os atos antidemocráticos do começo de 2023 foram o “desfecho violento”, o “resultado final da empreitada golpista”. Além disso, o Ministério Público considerou que os acontecimentos de 8 de janeiro permitiram encaixar ações da trama golpista dentro de um “plano maior de ruptura institucional”.
Por conta disso, delitos relacionados à invasão e depredação também foram atribuídos aos réus deste grupo – entre eles, o ex-presidente Jair Bolsonaro.
“Excluam-se as contribuições da organização criminosa e o 8.1.2023 não teria sequer sido cogitado”, afirmou o procurador-geral Paulo Gustavo Gonet.
Núcleo crucial do golpe, segundo o STF
TV Globo/Reprodução
“Foram comprovadas contribuições e interlocuções diretas entre a organização criminosa e os manifestantes, que afastam qualquer ideia de um mero paralelismo de circunstâncias. As provas, na realidade, vinculam subjetivamente os acusados à cadeia causal dos atos de 8.1.2023. Ações e omissões dolosas causaram o desfecho devastador”, completou.
O que ocorreu em 8 de janeiro
Em 8 de janeiro de 2023, uma semana após a posse do presidente Lula, um grupo de simpatizantes do ex-presidente Jair Bolsonaro – derrotado no pleito de 2022 – invadiu e depredou as sedes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
O grupo destruiu móveis e objetos históricos nas sedes do Senado Federal, Câmara dos Deputados, Supremo Tribunal Federal e Palácio do Planalto. Após algumas horas, as polícias controlaram a manifestação e milhares de pessoas foram presas. O grupo responde a ações penais no Supremo Tribunal Federal.
8 de janeiro: ataques às sedes dos Três Poderes ficam registrados na memória nacional
Reprodução/TV Globo
Como a PGR liga a trama golpista ao 8 de janeiro
Nas conclusões sobre o “núcleo crucial” da trama golpista, o procurador-geral da República pontuou a série de atos realizados pela organização criminosa na tentativa de golpe de Estado. As ações vinham desde 2021 e se intensificaram em 2022, especialmente após a derrota do projeto de reeleição do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Para Gonet, o 8 de janeiro é o “resultado final da empreitada golpista”.
“Importa refletir sobre o resultado final da empreitada golpista. Em 8.1.2023, apoiadores de Jair Messias Bolsonaro munidos de artefatos de destruição, avançaram sobre a Praça dos Três Poderes em marcha organizada. Ao incentivo de palavras de ordem, o grupo invadiu o Senado Federal, a Câmara dos Deputados, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal, depredando o patrimônio público, com o objetivo final de impor a instalação de um regime de governo alternativo, produto da deposição do governo legitimamente eleito e da abolição violenta do Estado Democrático de Direito”, relatou.
Segundo a PGR, o “evento dramático” permitiu construir um quadro em que atos até então “reprováveis apenas do ponto de vista moral ou eleitoral” passam a se encaixar “dentro de um plano maior de ruptura institucional”.
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“O evento dramático auxiliou a ressignificar toda uma série de acontecimentos pretéritos, que antes pareciam desconectados entre si. Atos que, até então, poderiam parecer reprováveis apenas do ponto de vista moral ou eleitoral, foram encaixados dentro de um plano maior de ruptura institucional. A trama delitiva ganhou coloridos expressivos com este seu desfecho, mostrando-se densa, com atos executórios iniciados ainda no ano de 2021”, pontuou.
“O 8.1.2023, visto de forma retrospectiva, nada mais consistiu do que o desfecho violento que se esperava. O anúncio da denominada ‘Festa da Selma’ foi feito com antecedência. Os convidados chegaram bem preparados, os trajes, em verde e amarelo, estavam coordenados, e as palavras de ordem, uníssonas, se referiam a “código fonte’, ‘intervenção federal’, ‘SOS Forças Armadas’, ‘anulação das eleições’, ‘Bolsonaro no poder’, ‘tomada de poder'”, completou.
Busca por ‘eclosão popular’
Para Gonet Branco, desde o começo havia um desejo da organização criminosa de que ocorresse a “eclosão popular”.
“Desde o início de seus atos executórios, a organização criminosa desejou, programou e provocou a eclosão popular. A todo momento, pela narrativa propagada, o grupo buscou a instabilidade social. Inicialmente, a revolta serviria como fator de legitimação para que fossem decretadas as medidas de exceção. O apoio popular para as medidas era forjado com a disseminação da desconfiança no processo eleitoral e da animosidade contra os poderes constituídos”, diz o procurador-geral da República.
“Apesar de fracassada a tentativa de convencimento de autoridades do Exército e da Aeronáutica em reuniões fechadas, o grupo conspirador via no estabelecimento de um cenário de instabilidade social utilidade para os seus propósitos, podendo justificar medidas excepcionais e provocar a intervenção do Exército. O 8.1.2023 pode não ter sido o objetivo principal do grupo, mas passou a ser desejado e incentivado, quando se tornou a derradeira opção disponível”, conclui Gonet.
Bolsonaro como líder enaltecido
O procurador-geral da República enfatiza na denúncia que o ex-presidente Bolsonaro era o líder enaltecido pelos golpistas, e era seu discurso que ecoava entre aqueles que vieram a invadir os prédios no 8 de janeiro.
Ex-presidente Jair Bolsonaro durante manifestação na Paulista em 29 de junho de 2025
Reuters/Jean Carniel
“O líder enaltecido pelos manifestantes era Jair Bolsonaro e a pauta defendida era fruto do seu insistente e reiterado discurso de radicalização, embasado em fantasias sobre fraudes do sistema eletrônico de votação e em injustas descrenças na lisura dos poderes constitucionais, exatamente nos mesmos moldes da narrativa construída e propagada pela organização criminosa”, analisa Gonet. “Para além do alinhamento ideológico, foram comprovadas contribuições e interlocuções diretas entre a organização criminosa e os manifestantes, que afastam qualquer ideia de um mero paralelismo de circunstâncias. As provas, na realidade, vinculam subjetivamente os acusados à cadeia causal dos atos de 8.1.2023. Ações e omissões dolosas causaram o desfecho devastador”, completou.
Sofisticação tática
A PGR também menciona uma “surpreendente sofisticação tática de algumas ações adotadas pelos vândalos durante os atos de destruição, a denotar a presença de especialistas no local”.
“Registre-se que Mauro Cid confirmou a inserção, nos acampamentos, de militares com formação em Forças Especiais – os denominados “kids pretos”, altamente treinados em ‘operações de guerra irregular’. Durante a invasão, objetos comuns foram utilizados de forma estratégica, assim as grades de segurança foram habilidosamente improvisadas como escadas, para permitir o acesso à parte superior dos edifícios. Mangueiras de incêndio foram acionadas pelos agressores, de forma coordenada, para dissipar os gases das bombas de intervenção tática lançadas pelas forças de segurança. A utilização criativa de equipamentos indica conhecimento prévio de estratégias de combate e notável capacidade de improvisação, que garantiram o prolongamento da ofensiva contra as instituições democráticas. A identificação de técnicas de guerrilha, somada à indigitada influência dos ‘kids pretos’, aponta para uma ação muito mais complexa do que a de um mero improvisado, desconexo e amador levante popular espontâneo”, disse.
“Evidenciou-se que a organização criminosa contribuiu, até o último momento, para que a insurgência popular levasse o país a um regime de exceção. Todos os integrantes da estrutura criminosa conheciam o intuito de criação do cenário de comoção social. Essa sempre foi a tônica adotada pelo grupo desde 2021 – gerar desconfiança e animosidade contra as instituições democráticas. Todos aderiram à organização criminosa cientes do que defendia Jair Bolsonaro e contribuíram, em divisão de tarefas, para a consumação do projeto autoritário de poder. O desfecho era previsto por todos, por ser esse o mote central do grupo, razão pela qual também é imputável a todos, na medida da culpabilidade individual”, concluiu.
“Núcleo crucial”
A ação investiga a conduta de oito acusados – entre eles, o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Compõem também este núcleo:
Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin;
Almir Garnier, ex-comandante da Marinha;
Anderson Torres, ex-ministro da Justiça;
Augusto Heleno, ex-ministro do GSI;
Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência;
Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro.
Eles respondem por cinco crimes: tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Trama golpista: Veja cronograma do julgamento do núcleo crucial
Arte/g1
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