
Caso aconteceu em abril de 2024. Patrícia Mônaco Schuler, ex-fiscal da FASC, se prepara para participação na Comissão Parlamentar de Inquérito, na próxima segunda-feira (2). Denunciada por incêndio na Garoa, ex-fiscal de serviço concede entrevista
Um ano após o incêndio que matou 11 pessoas na Pousada Garoa, em Porto Alegre, em abril de 2024, os desdobramentos seguem em debate. Entre os indiciados pela Polícia Civil está Patrícia Mônaco Schuler, ex-fiscal da FASC, que prepara sua defesa na Comissão Parlamentar de Inquérito, que acontece na próxima segunda-feira (2).
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Patrícia conversou com a reportagem da RBS TV. De acordo com ela, uma reunião em março de 2024 — ou seja, um mês antes da tragédia — terminou com um pacto entre técnicos da rede de acolhimento social de Porto Alegre: não colocar mais ninguém na unidade da Pousada Garoa.
“As equipes trouxeram com ênfase: ‘a pousada da Farrapos vai explodir porque estamos num território inseguro’. E, ali no momento, pactuamos em 27 de março, que não colocaríamos mais ninguém na pousada, e as pessoas que estavam ali dentro, iríamos colocar em outras pousadas”, relata a ex-fiscal.
Em nota, “a Pousada Garoa reafirma que sempre manteve condições adequadas de hospedagem, tendo sido aprovada, desde 2018, em processos de licitação pública com fiscalização da Prefeitura de Porto Alegre”.
Já a Prefeitura disse que “não vai se manifestar sobre Pousada Garoa”.
Patrícia sustenta que cumpria ordens e seguia orientações superiores. Segundo ela, sua função era executar o que lhe era repassado.
“Foi ignorada toda uma cadeia. Não sou servidora pública que me autodetermina, que saio da minha casa e digo ‘hoje vou fazer tal coisa'”, diz a ex-fiscal. “Sou a última de uma de cadeia de no mínimo 10, 12 instâncias antes de mim”, comenta.
Patrícia Mônaco Schuler, ex-fiscal da FASC
Reprodução/ RBS TV
Entre os superiores hierárquicos citados por Patrícia está Cristiano Atelier Roratto, então presidente da FASC, também indiciado. Segundo ela, todos os registros de suas visitas, alertas e reuniões estão documentados em e-mails e relatórios entregues às autoridades.
A defesa de Cristiano Roratto alegou para a reportagem que a presidência da FASC não é responsável por contratos sem provocação formal dos técnicos responsáveis. Segundo a defesa, isso não teria ocorrido no caso da Pousada Garoa.
O relator, vereador Marcos Felipi Garcia, pondera que o incêndio pode ter sido criminoso, mas aponta falhas estruturais decisivas:
“Hoje a gente percebe que, por mais que alguém tenha colocado fogo na pousada, as condições da pousada, infelizmente, acabaram prejudicando e causando a morte de muitas pessoas”, comenta Garcia.
O presidente da CPI, vereador Pedro Ruas, afirma que “houve responsabilidades”.
“Não houve cuidados, não houve preocupação com a segurança das pessoas. Pessoas fragilizadas, em situação de rua, que morreram de forma terrível”, diz Ruas.
Vídeo intriga CPI
Vídeo mostra homem saindo de pousada antes de incêndio
Imagens de câmeras de segurança entregues à CPI da Câmara de Vereadores levantaram suspeitas sobre a origem do fogo. Os vídeos mostram um homem de roupa clara e boné saindo da pousada por volta das 2h03, minutos antes do início das chamas. Outro homem, de camisa escura, também aparece apontando para o prédio e depois caminha em direção a ele. Veja acima.
Os registros reacenderam a hipótese de incêndio criminoso, mencionada também por moradores em boletins de ocorrência.
Segundo Ministério Público, não foi possível determinar de forma técnica e justificada o que provocou o incêndio na pousada, devido ao elevado grau de destruição que foi registrado no local. Além disso, não foi constatado problema em disjuntores nas áreas de dormitórios no primeiro pavimento.
“Mesmo com condições de sujeira, não é possível que o fogo não tenha sido de tal proporção que não provocado. Se foi do tráfico, não sei, se foi guerra, não sei, alguma coisa aconteceu”, comentou Patrícia.
Como foi o incêndio
O fogo começou por volta das 2h30 da madrugada. O incêndio aconteceu em uma das unidades da Pousada Garoa, que fica entre as ruas Barros Cassal e Garibaldi, a poucos metros da Estação Rodoviária da Capital.
Os relatos são unânimes em um ponto: a propagação foi rápida. Para fugir das chamas, algumas pessoas se jogaram das janelas do segundo e do terceiro andar. Cerca de 40 pessoas estavam no estabelecimento na hora do incidente.
Os bombeiros que atenderam a ocorrência explicaram que enfrentaram dificuldades devido à magnitude do fogo e à estrutura de madeira do prédio, além da falta de sinalização de emergência.
Os agentes encontraram 10 vítimas em cômodos da pensão. A 11ª pessoa morreu no hospital após ser socorrida.
Local da pousada que foi atingida por incêndio que matou pessoas em Porto Alegre
g1
Investigação
As investigações da Polícia Civil concluíram que houve falhas estruturais, negligência na manutenção e ausência de fiscalização adequada.
Três pessoas foram indiciadas: o proprietário da pousada, André Kologeski, e dois servidores da Prefeitura, Cristiano Atelier Roratto, então presidente da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), e a fiscal de contrato Patrícia Mônaco Schüler.
A defesa de Kologeski disse à reportagem que a Garoa sempre manteve condições adequadas de hospedagem, sendo aprovada desde 2018 em processos de licitação fiscalizados pela prefeitura. Além disso, ressaltou que segue ativa no mercado.
O delegado Daniel Ordahi afirmou que a pousada não tinha condições para funcionar. De acordo com a investigação, o imóvel tinha espaços com madeira velha e instalações elétricas expostas. O delegado ainda explicou que a conclusão foi por incêndio culposo porque os indiciados não assumiram o risco do resultado, mas que foram “omissos” e “negligentes” em não adequar a pousada, no caso do dono, e em não reportar as irregularidades, no caso dos servidores.
No entanto, enquanto a polícia viu omissão, o Ministério Público enxergou dolo eventual — quando se assume o risco de provocar um resultado. Essa diferença de interpretação levou o caso ao Tribunal do Júri. O MP concluiu que as autoridades e os responsáveis pela pousada sabiam do risco que representava manter o local funcionando como abrigo.
Uma Comissão parlamentar de inquérito (CPI) está em curso, com a proposta de analisar o que provocou esse incêndio e as eventuais responsabilidades do proprietário da pousada e de pessoas vinculadas a prefeitura de Porto Alegre.
Nota da Pousada Garoa
“A Pousada Garoa reafirma que sempre manteve condições adequadas de hospedagem, tendo sido aprovada, desde 2018, em processos de licitação pública com fiscalização da Prefeitura de Porto Alegre. Mantivemos contratos com a FASC, ACNUR, Rede Calábria, Hospital Conceição, Hospital da PUC, além de atendimentos a particulares. A narrativa difamatória não se sustenta: seguimos ativos no mercado, com nossas unidades em pleno funcionamento. Há 15 anos, nosso compromisso é o mesmo — oferecer hospedagem popular a quem realmente precisa e vive em situação de vulnerabilidade social ou econômica, garantindo moradia digna em bons bairros da cidade”
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